Índia: para onde vai o dinheiro?

Por: GIFE| Notícias| 01/03/2013

Emily Jansons*

Depois de muitos anos, hoje a Índia parece o sonho dos arrecadadores: o país abriga quase 4% dos bilionários do mundo e a filantropia privada cresce a cada ano. Então, por que tantas ONGs indianas lutam por financiamento? O histórico e as preferências dos filantropos da nova geração, junto com tradições bastante enraizadas na Índia, fazem parte da resposta.

O histórico comercial das pessoas de grande valor líquido (HNWIs) da Índia influencia suas práticas de doação. As empresas indianas têm uma longa tradição de atos socialmente responsáveis, mas sua abordagem normalmente é informal e de caridade. Muitos chefes de empresas agora criam fundações privadas para estruturar suas doações. No entanto, muitas dessas fundações são administradas pela família ou por pessoas físicas, a invés de por profissionais nomeados e, então, são orientadas pelo interesse do fundador e não necessariamente responsivas à evidência empírica de necessidades sociais. [1] Além disso, muitas fundações realizam o trabalho de responsabilidade social corporativa (RSC) para a empresa que gerou a riqueza, confundindo as fronteiras entre os braços da RSC e as fundações independentes. Para evitar o impacto comercial negativo, a doação tende a ser canalizada à sede ou à administração da empresa, e evita setores que são vulneráveis politicamente, que são tabus sociais ou que se baseiam em direitos. Com isso, as ONGs operam em áreas com limitadas perspectivas domésticas, contando com o apoio dos fundos estrangeiros cada vez mais restritos (e cada vez mais regulamentados).

A confiança dos empresários indianos nos negócios – e uma atitude de quem sabe a resposta para todos os problemas – também é transferida para suas atividades filantrópicas. A crescente ênfase na prestação de contas, no planejamento estratégico e em resultados tangíveis, observada entre as fundações no mundo todo, também está sendo adotada na Índia. Assim, se os filantropos não acharem que as ONGs podem implantar sua visão e ser transparentes, provavelmente eles criarão sua própria fundação operacional, eliminando as ONGs. O estudo UBS-INSEAD mencionado na nota 1 concluiu que, em 2010, dois terços do financiamento de fundação privada na Índia iam para as atividades operacionais dos próprios financiadores.

Embora a Índia seja uma sociedade coletivista, diversos motivos políticos e culturais levam a uma tendência em não confiar nos esforços organizados. Alguns casos reais e suspeitos de ONGs envolvidas em lavagem de dinheiro, ou servindo para atividades terroristas ou políticas, juntamente com os estereótipos de não profissionalismo, levaram muitos filantropos a serem cautelosos. Por outro lado, o setor social vê com cautela os motivos do setor privado. Esta falta de confiança das duas partes reforça a preferência pelo controle sobre parcerias iguais com ONGs e por identificar beneficiários com base em recomendações e conexões pessoais. Em um esforço para contornar esta tendência por meio de informações confiáveis, novas iniciativas têm surgido, como um diretório das ONGs indianas (GuideStar), a pré-seleção de ONGs para doadores (GiveIndia) e a certificação de boa governança de ONG (Credibility Alliance).

Também não há bons espaços para focar, ensinar e conectar doares potenciais com as ONGs. Algumas poucas organizações, como o Centro para Avanço da Filantropia (CAP) em Mumbai, a Fundação Nacional para a Índia e o Centro Indiano Sampradaan para Filantropia, em Deli, existem desde os anos 80 e 90, mas recentemente receberam a adesão de grupos como o Clube de Primeiros Doadores da GiveIndia e os círculos de doação de Dasra, além de fóruns como o Fórum Indiano de Filantropia e o Fórum Khemka de Empresariado Social. As HNWIs da Índia também começaram a assumir a liderança na organização de reuniões para discutir a filantropia – um passo bem vindo (e provavelmente mais efetivo) para as iniciativas lideradas por estrangeiros (a saber, as visitas de Bill Gates e Warren Buffett). Estes progressos são animadores, mas atualmente seu escopo se limita aos grandes centros urbanos.

Junto com o crescimento da filantropia secular, as instituições religiosas continuam a ser o foco central da doação indiana. Como um perito uma vez gracejou, “você não pode concorrer com Deus na disputa por financiamento”.Grande parte da nova riqueza da Índia é ilegal, especulativa ou não é tributada, dificultando o incentivo às doações às ONGs, que emitem recibos formais. Uma caixa de doação anônima permite mãos e consciência limpas.

Por fim, a sociedade indiana ainda está ajustando a ideia de um papel maior para os atores privados no desenvolvimento social. Em um país com uma ONG para cada 400 pessoas, atrair a atenção de um filantropo é um desafio. Portanto, uma estrutura filantrópica mais robusta e colaborativa é essencial para ter acesso à nova riqueza da Índia. Neste processo, algumas ONGs terão um caminho brilhante, enquanto outras estão fadadas ao fracasso.

1 O estudo UBS-INSEAD Study on Family Philanthropy in Asia de 2010 concluiu que apenas 38% eram administradas profissionalmente. Clique aqui par abrir.

* Emily Jansons é pesquisadora associada no Centro Internacional de Pesquisa em Desenvolvimento (IDRC) do Canadá. E-mail: [email protected]

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