Indicadores sociais devem considerar as especificidades de cada região
Por: GIFE| Notícias| 19/04/2004MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE
No dia 17 de maio, durante o 7º Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor, um dos temas a serem tratados será a validade dos índices estatísticos na mensuração do desenvolvimento humano e social (mesa de debates 3C). A discussão será em torno da seguinte questão: é possível que um índice global reflita a medição dos avanços sociais em uma determinada região?
“”É possível, desde que este índice leve em consideração os códigos de valores e significados que cada grupo social, país ou cultura regional adotam””, explica Cristina Schroeter Simião, uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho Indicadores e co-responsável pela publicação “”Indicadores, ONGs e Cidadania – Contribuições Sociopolíticas e Metodológicas””.
Para Felícia Madeira, diretora executiva da Fundação Seade e uma das palestrantes sobre este tema no Encontro Ibero-Americano, um indicador não é uma avaliação precisa do desempenho em uma determinada área. “”É apenas um primeiro sinal, mostrando que há necessidade de um estudo posterior, realizado com profundidade, que mostrará o grau e a complexidade do problema.””
Ela afirma que não existe um modelo ideal de indicadores, mas que é fundamental utilizar informações de boa qualidade, concebidos e executados por técnicos competentes e reconhecidos por seu compromisso com a seriedade.
Em São Paulo, a Fundação Seade criou, em parceria com a Assembléia Legislativa, o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), um desdobramento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “”O IDH, no entanto, é um indicador de longo prazo: só pode ser calculado a cada dez anos, uma vez que se apóia em informações de dados do censo demográfico. Calculado a cada dois anos, o IPRS é um indicador de curto prazo “”, explica Felícia.
Os dados recebem um tratamento estatístico e se resumem em um único número. Entretanto, será sempre possível desagregá-lo de forma que o gestor municipal vá direto ao ponto mais frágil de seu município. Felícia conta que os resultados têm motivado os gestores a procurar conhecer suas fragilidades sociais e somar esforços para superá-las.
Participação – A elaboração de um índice global, de acordo com Cristina, do Grupo de Trabalho Indicadores, deve ser feita de forma participativa, considerando a diversidade e alguns marcos referenciais básicos, como democracia, cidadania, inclusão social, sustentabilidade e papéis da sociedade civil e do Estado. “”Diagnósticos participativos e metas plausíveis facilitam as ações de intervenção social e a mensuração dos avanços sociais, permitindo uma leitura mais realista dos resultados apresentados.””
O GT Indicadores reúne diversas organizações brasileiras que, desde 1998, se propuseram a estabelecer uma metodologia de construção de sistemas de indicadores para o apoio ao trabalho de organizações não-governamentais que atuam contra a exclusão social e a pobreza.
Cristina identifica a produção e a utilização dos indicadores como ocasião e ferramenta para que diferentes atores possam expressar seus “”olhares”” a respeito de democracia e igualdade social e construir consensos em torno de questões básicas.
A colombiana María Fernanda Sanchéz lembra que já existem diversos índices globais que têm como propósito avaliar o impacto dos avanços sociais na América Latina, como o Índice de Desenvolvimento Humano e o coeficiente Gini. “”Mas são indicadores que dependem dos grandes censos, só levam em conta alguns aspectos determinantes de qualidade de vida e sua atualização costuma demorar anos.””
Ela acredita que seja possível pensar em estruturar um novo indicador, que avalie os aspectos mais relevantes nas áreas básicas com os mesmos parâmetros e ferramentas. Para isso, no entanto, seria conveniente contar com informações que permitissem fazer uma comparação da situação das diversas cidades latino-americanas. Ela chamaria o mecanismo de “”Latinômetro””, no qual deveriam ser incorporadas, entre outras, as seguintes variáveis: acesso à educação, ao sistema de saúde e à habitação, nível de nutrição da população e taxa de homicídios.
María Fernanda é coordenadora do projeto Bogotá Como Vamos, que será apresentado durante o Encontro Ibero-Americano e é uma iniciativa do jornal El Tiempo, da Fundação Corona e da Câmara de Comércio de Bogotá. Criado em 1998, o projeto tem como tarefa principal avaliar as mudanças na qualidade de vida na capital colombiana.
Eles criaram o Bogotômetro, uma ferramenta que reúne 99 variáveis, em diversos aspectos, sobre os quais essas mudanças são identificadas mensalmente. Ele foi estruturado a partir de uma pesquisa com a população, para saber do seu interesse em conhecer dados sobre saúde, educação, serviços públicos, segurança, gestão pública, entre outros. Atualmente, são 30 organizações abastecendo a base de dados.
“”Estes indicadores são a base para as avaliações feitas pelos especialistas que atuam no projeto. Além disso, todo ano é feita uma pesquisa com a população, para saber como ela qualifica os serviços e a eficiência das instituições públicas. Isso torna os indicadores muito úteis à formulação e adequação de políticas. Da mesma forma, é uma frente proveitosa ao trabalho das organizações da sociedade civil, porque representa uma visão complementar e independente da qualidade de vida da população de Bogotá””, explica María Fernanda.
Coordenador do Ibase (Instituto Brasileiros de Análises Sociais e Econômicas), Leonardo Méllo completa que a produção de indicadores sociais permite que as pessoas vejam a sociedade em seu conjunto e conheçam a realidade à sua volta para além de sua própria percepção ou pré-concepção. “”Claro que eles são também uma forma de simplificar a realidade, mas através desse artifício cria-se condições para o debate sobre o futuro comum que partilhamos, o acesso aos serviços públicos, a qualidade de vida e a desigualdade em última instância.””
Mas ele lembra que é preciso ter cautela e respeitar limites quando se trata de índices globais. “”Índices não são a realidade, eles retratam e simplificam a mesma. Um índice que tenha a pretensão de comparar realidades tão distintas deverá ser entendido como uma referência, e não como uma verdade revelada, justamente por ignorar por completo todo um universo de características sociais.””
Indicadores compostos – Ter a possibilidade de separar os elementos de indicadores compostos – sociais, econômicos e culturais – também é fundamental para que sua utilização não prejudique a orientação do gasto público, de acordo com Méllo. “”Em sendo formados por múltiplos indicadores, há uma natural homogeneização daquilo que se quer retratar, e esse processo pode esconder especificidades da realidade que determinariam a alocação de recursos ou a escolha das políticas públicas””, afirma.
Cristina Simião, do GT Indicadores, acredita que indicadores compostos permitem aferir com maior grau de abrangência o alcance e os efeitos multiplicadores das ações de investimento social. “”Nos indicadores compostos, há necessidade de se trabalhar com mais variáveis. Isso torna a avaliação de impacto mais complexa, mas não necessariamente mais difícil, desde que se criem instrumentos e metodologias de avaliação adequadas.””
Para que não haja problemas na leitura dos indicadores, Cristina afirma que é preciso interpretar os resultados como aspectos contextualizados de uma determinada realidade social, e não como sua totalidade. “”O conhecimento e a discussão sobre quais códigos de valores e significados que cada ator social adota para construir e apresentar seus indicadores ajuda a evitar leituras parciais e deturpadas dos mesmos. Do mesmo modo, a explicitação e discussão sobre os entendimentos conceituais em relação a projetos sociais de interesse público ajudam a delimitar e indicar de forma mais precisa os limites e as possibilidades de contribuição à democracia e à igualdade social por parte de cada projeto, evitando interpretações enganosas.””