Inovação, advocacy e diversidade são algumas das dimensões possíveis para a atuação do ISP no fomento à ciência

Por: GIFE| Notícias| 30/10/2020

“O momento é de crise, mas também de grande oportunidade para transformar o ambiente de produção de ciência no Brasil.”

A reflexão foi feita por Sidarta Ribeiro, neurocientista, professor e vice-diretor do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, durante o painel Investimento Social por Ciência e Informação. Parte do trilho de atividades que compõe o 11º Congresso GIFE, a atividade marcou o início do trabalho que dará sequência ao debate nos próximos meses e resultará no guia ISP por Ciência e Informação, a ser lançado no encontro presencial do Congresso em março de 2021.

O neurocientista chamou atenção para os desafios e ameaças que marcam o contexto do país quando o assunto é produção científica.

“A ciência brasileira corre o risco de morrer. O Estado está se desresponsabilizando de financiar a produção científica em grande escala. Em 2010, o orçamento total do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações – antes da fusão com o Ministério das Comunicações – era de dez bilhões de reais. Foi o auge desse último forte espasmo de construção da ciência brasileira, o momento de maior potência desse movimento que aconteceu entre 2003 e 2010, quando o orçamento estatal em ciência quadruplicou, chegando em torno de 2% do PIB [Produto Interno Bruto]. De lá para cá, não só retornamos ao patamar de 20 anos atrás, como há projeção de queda de um bilhão no financiamento do próximo ano.”

Sidarta observou ainda que, assim como o orçamento foi quadruplicado na primeira década do novo século, o número de pesquisadores, institutos e universidades cresceu muito nesse período.

“Essa marcha à ré nos coloca em uma posição complicada porque o investimento per capita caiu muito, temos menos pessoas produzindo ciência no Brasil e isso faz com que os pesquisadores tomem decisões binárias entre amar a ciência e amar o Brasil. Há muita gente vocacionada indo embora do país ou abandonando a produção científica. Isso é gravíssimo porque podemos perder o investimento não dos últimos vinte anos, mas dos últimos cem, tendo em vista que ciência é um investimento de longuíssimo prazo”, alerta.

Negacionismo científico: uma oportunidade para a expansão da ciência para além dos muros da Academia

Sidarta alerta que o negacionismo científico nunca foi tão alto desde a Revolta da Vacina quase 120 anos atrás. “Precisamos reagir a essa situação grave de negação da ciência. Se não formos capazes de expandir o contato com a produção científica para além da Academia, ela está fadada a desaparecer, e não só no Brasil.”

Para o cientista, nesse senso de urgência também se coloca uma oportunidade.

“Enquanto o Estado não voltar a se incumbir de sua responsabilidade como financiador da produção científica, é fundamental que o setor privado se incumba. E dependendo da área, esse investimento pode gerar um retorno muito maior do que o investimento inicial. É fundamental que os investidores percebam que, se não investirem agora, pode ser que esse investimento não seja mais possível no futuro porque assim como o meio ambiente, a ciência está sendo devastada.”

O que o ISP pode fazer pela Ciência

José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE, observa que esse é um tema bastante presente nas práticas da filantropia em outros contextos do mundo e ainda tímido no Brasil.

“Temos um desafio e uma oportunidade que se aprofunda ou se evidencia mais no contexto da pandemia. Isso naturalmente pode se dar com a assimilação do fomento não só à produção de ciência, mas também à sua disseminação e à produção de cultura científica na sociedade brasileira. Por outro lado, o tema pode tanto ser abraçado por fundações e institutos como um dos focos de sua atuação, como também de maneira transversal. Não é preciso dizer o valor e a relação da promoção de cultura científica e da produção de ciência qualificada no âmbito de áreas como educação ou meio ambiente. Então, esse envolvimento pode se dar em várias dimensões e de diversos modos”, observa.

Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, concorda e compartilha algumas dessas possibilidades exploradas pela instituição, que é a primeira organização sem fins lucrativos de fomento à ciência no Brasil.

“O investimento filantrópico tem um papel específico e diferente do investimento público e privado: o de catalizador da produção científica. Isso já acontece em vários países, como Estados Unidos, e cada vez mais na Europa e temos uma oportunidade  com a ciência brasileira que já tem uma trajetória, mas está ameaçada pelos cortes de financiamento público”, explica.

Inovação e articulação com políticas públicas

Para Hugo, um dos aspectos que abrem uma oportunidade para a atuação do ISP no fomento à ciência é o fato de esse tipo de investimento poder assumir maior risco e, com isso, também experimentar e inovar.

Outro grande trunfo do setor, para o diretor, é seu potencial de interlocução e advocacy junto ao poder público.

“A articulação entre a produção de ciência e os tomadores de decisão é algo que basicamente não existe ou existe de uma maneira muito embrionária. Não há uma estruturação desse diálogo e vimos como isso pode ser problemático em um momento como esse de pandemia: comunicação ruim, decisões que não se baseiam na ciência, etc. O campo do investimento social privado, que já tem uma tradição de articulação com tomadores de decisão, pode fazer a diferença.”

Rigor e diversidade não só podem, como devem caminhar lado a lado

O diretor ressalta que a ciência brasileira, infelizmente, ainda é feita majoritariamente por homens brancos, com baixa prevalência de pessoas negras ou de mulheres, acarretando um prejuízo ao campo.

“O investimento social privado tem a oportunidade de incentivar a promoção da diversidade no campo científico, o que, sem dúvida nenhuma, resultará em um campo muito mais produtivo e criativo a partir de uma variedade de pontos de vistas, haja vista que o Brasil é um país altamente diverso.”

Hugo salienta que promover diversidade não significa ter que abrir mão do rigor.

“Não é um ou outro. No Serrapilheira, acreditamos muito na excelência e no rigor, mas não abrimos mão da diversidade. Esse é nosso objetivo: mostrar que não só é possível, como é importante que isso seja feito. E que funciona. Temos exemplos espetaculares de jovens cientistas de níveis sociais mais baixos que já publicaram nas mais prestigiadas revistas científicas do mundo. Isso mostra uma ciência bonita, brasileira, que dá orgulho. Quando se coloca jovens em um laboratório produtivo e sério, eles aprendem, independentemente da cor, do nível social ou do gênero, e se tornam cientistas de excelência. Isso é maravilhoso porque o potencial do país em diversidade é gigantesco.”

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