Intercâmbio é fonte de ideias para a promoção à leitura

Por: GIFE| Notícias| 08/10/2012

Rodrigo Zavala
Especial para o redeGIFE

Com pouco mais de dois meses de casa, o novo diretor da escola Oscar Henao já enfrentava uma delicada situação. Uma das professoras levava aos berros um aluno a sua sala, em uma mistura dramática de impaciência e impotência.

Considerado um adolescente problema por seu comportamento arredio, com má conduta dentro e fora da escola, seu xará Oscar Maurício, de 13 anos, foi escoltado até a direção não apenas por não ler os livros pedidos, mas também insuflar os companheiros a fazer o mesmo e desafiado sua professora a provar que estava errado.

Henao tinha duas possibilidades ali: expulsar sumariamente o rapaz, como um sem número de outras escolas já havia feito, ou tentar convencê-lo sobre as benesses da educação formal. Nem uma, nem outra. O consenso a que chegaram, apesar do “pé atrás” inicial da docente, cabia tanto à impertinência do adolescente, como à missão do educador. Ele seria tutorado pelo próprio diretor a realizar uma pesquisa com seus colegas sobre os motivos que levam os estudantes a largar os livros.

Como resultado, em que convergiam a falta de prazer, a dissociação com a vida cotidiana e a visão técnica para qual era voltada a literatura, ambos perceberam que havia algo errado. Enquanto o estudante levava sua investigação para toda a escola, o diretor iniciou um processo de incentivo à leitura que deixaria, no fim, a biblioteca escolar como o cerne do currículo.

O fato que ocorreu em 1993 (hoje, referência) na escola pública Benjamin Herrera, situada na periferia de Medellín, Colômbia, foi apenas uma das iniciativas apresentadas aos 70 participantes de um intercâmbio que, durante uma semana, uniu educadores brasileiros e colombianos. Uma verdadeira imersão, pautada pela troca de experiências e análises das políticas de promoção à leitura, consideradas modelo na América Latina.

O intercambio fez parte das ações programáticas elaboradas pelo Instituto C&A no concurso Escolas de Leitores, ação que integra o Programa Prazer em Ler, e que, em 2011, selecionou escolas municipais nas cidades de Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo com projetos de incentivo à leitura durante o biênio 2012-2013.

Além dos 48 professores agraciados, também participaram representantes das secretarias de Educação de cada município, organizações formadoras, de assessoria técnica, que acompanham o sucesso das empreitadas em cada cidade: Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), de Natal; Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), do Rio de Janeiro; Centro de Estudos A Cor da Letra, de São Paulo; e Centro de Integração de Redes Sociais e Culturas Locais (Cirandar), de Porto Alegre.

Na Colômbia

No início da viagem, havia duas opiniões claras entre os participantes. A primeira era a visão mais utilitarista do intercâmbio, em que se poderia aprender o que os colombianos haviam feito e, mais tarde, replicar no Brasil. A segunda, era entender o processo pelo qual o país havia passado para colocar a leitura e, por consequência natural a educação, em primeiro plano.

Com uma programação intensa de sete dias, a imersão dos educadores brasileiros na cultura colombiana, no entanto, foi além. O professor se viu no cotidiano das mudanças que, como protagonista, são imprescindíveis para as políticas a serem implementadas pelas instâncias de governo.

Com cerca de 45 milhões de habitantes, a Colômbia é um caso a parte de como a iniciativa da população, empresas, organizações sociais e governo conseguiu fazer emergir um novo projeto de sociedade. Base do maior quartel de narcotráfico latino-americano, no qual o mundialmente conhecido Pablo Escobar foi uma das referências na década de 1980, o país ainda está em meio ao complexo processo de se reinventar.

Quando Oscar Maurício desfraldava bandeiras contra a leitura em classe, ainda em 1993, o país engatinhava em um projeto único de promoção à leitura. Dali pra cá, o discurso ganhou a agenda política nacional pelo esforço da sociedade, como se referiram as escritoras Yolanda Reyes e Silvia Castrillón, que conversaram com o grupo de brasileiros, exortando a necessidade dos educadores participarem dos movimentos de mudança.

No périplo de escolas, bibliotecas, museus, secretarias e até um festival de livros, este em Medellín, o que se pode compreender é a necessidade de cada um desses espaços serem, necessariamente, ambientes formativos para a população. Pode parecer um pouco ingênuo achar que as bibliotecas vão resolver os problemas de violência ou da educação, por exemplo. Mas o objetivo central não é somente aprender a ler, mas sim atrair as pessoas para mostrar que a experiência da leitura pode transformar suas vidas.

Este é o exemplo da Biblioteca Virgílio Barco, em Bogotá, que chama tanto a atenção. Em um espaço que caberia um estádio de futebol, a biblioteca faz parte da BibloRed, a rede de bibliotecas públicas da cidade que, por sua vez, pertence ao programa da prefeitura e da secretaria de Educação. Como uma espécie de Olimpo audiovisual, com programas de leitura, música, teatro, exposições de arte, todos integrados às novas tecnologias de informação e comunicação, a biblioteca está a serviço da população.

Com a mediação realizada em instituições como essa, desenvolvida por bibliotecários bem-remunerados e contagiados pelo trabalho, as ações de leitura, que percorrem diversas linhas do saber, aproximaram famílias e escolas, fazendo com que pais com pouca ou nenhuma instrução passassem a valorizar os livros.

No entanto, é preciso ponderar: de nada adianta uma biblioteca bem montada se não houver a ação dos mediadores. Em uma escola, por exemplo, o fato de não existir espaço próprio não deve impedir educadores de levar os livros aos alunos, de fazê-los interessar-se por um acervo, mesmo que seja itinerante.

Outro ponto a ser considerado foi levantado pela escritora Silvia Castrillón. Nos sete dias de atividades idealizado pelo Instituto C&A, em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), as visitas foram escolhidas a dedo. “Elas deram uma imagem geral do que pode ser feito, mas está longe de serem ações universalizadas para toda a população. Como o Brasil, a Colômbia é um país de contrastes e desigual”, lembrou.

O Investidor Social

Quando se questiona o motivo de levar uma comitiva tão grande, financiada integralmente pelo Instituto C&A, a gerente da área Educação, Arte e Cultura do instituto, Patrícia Lacerda, é enfática em dizer que a iniciativa deixa um legado não apenas para os participantes, como também para a rede escolar e para os alunos.

Em primeiro lugar porque enxerga o professor como personagem da promoção de leitura e reconhece o que já é feito por eles. Afinal, são educadores com projetos implementados em suas instituições. Em segundo, porque investe também na continuidade das políticas educacionais, ao envolver os profissionais, em cargos mais técnicos na rede de ensino. “Eles podem dar consistência às políticas públicas e, assim, superar a rotatividade de governos.

É o que se vê na Colômbia. A atuação em prol da leitura se tornou tão coesa e prioritária nos meandros da administração pública, que dificilmente um novo partido eleito conseguirá suplantar. De forma análoga, as ações de incentivo criadas por Oscar Henao, da escola Benjamin Herrera, podem ficar órfãs do diretor, mas será praticamente impossível enterrar 20 anos de história, que conquistou docentes, alunos e comunidade.

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