Interesses jornalísticos devem se sobrepor aos econômicos
Por: GIFE| Notícias| 25/03/2002O diretor adjunto do jornal Valor Econômico, Carlos Eduardo Lins da Silva, participará como palestrante do II Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado na mesa de debates Da era da manipulação à era da informação – poder e importância da mídia na construção da nova ordem social. Em entrevista para o redeGIFE, ele adianta os principais pontos que serão debatidos no encontro de Fortaleza.
redeGIFE – Qual o papel das empresas de comunicação na mudança do cenário social brasileiro?
Carlos Eduardo Lins da Silva – Um papel muito importante. O jornalismo independente e livre tem sido um ator fundamental no processo de redemocratização. A programação de entretenimento no rádio e na TV historicamente tem sido um dos fatores de união nacional.
redeGIFE – Como estas organizações vêm se comportando no cumprimento deste papel?
Lins da Silva – Acho que razoavelmente bem. Há problemas, claro, muitos deles originados por razões positivas, como a inclusão de largas parcelas da população no mercado consumidor em um período de tempo muito curto, em especial depois da estabilização da economia na década de 90. Esses contingentes de pessoas sem grande educação formal fizeram com que os meios de comunicação baixassem a qualidade cultural de seu conteúdo, o que no curto prazo tem provocado uma enxurrada de programas de baixo nível. A médio e longo prazo, no entanto, acredito que o nível se elevará de maneira mais uniforme e abrangente.
redeGIFE – Que diferença faz para um país, e conseqüentemente para a diminuição de sua pobreza, a presença de grupos de comunicação fortes?
Lins da Silva – O mercado de comunicação caminha ao lado do mercado econômico como um todo. Quanto mais rico e igualitário o país, mais fortes serão seus meios de comunicação. Uma coisa alimenta a outra.
redeGIFE – Uma imprensa forte e atuante só pode ser fruto de uma sociedade consciente e organizada ou é o contrário que se aplica? Como uma imprensa e sociedade fortes podem contribuir para um terceiro setor atuante e com representatividade política?
Lins da Silva – É o que eu acabei de afirmar. Acho que as duas coisas caminham juntas. É claro também que sociedade e imprensa fortes ajudam a construir um terceiro setor também forte.
redeGIFE – Que tipo de conflito ético a diversificação dos negócios das organizações de mídia – participação em empresas de telefonia, televisão por assinatura e armazenamento e tráfego de dados etc – pode gerar? Como a imprensa se comporta quando os interesses mercadológicos se confrontam com a da prestação de informação à sociedade?
Lins da Silva – Acho muito preocupante o processo de consolidação de empresas que atuam em diversos setores da economia, entre eles os meios de comunicação. A possibilidade de conflitos de interesses é evidente. É preciso muito cuidado e vigilância social para evitar que ocorra desinformação.
redeGIFE – Por que o senhor acha preocupante este processo?
Lins da Silva – Porque podem ocorrer situações de conflito de interesse. Por exemplo: em uma situação hipotética, como o jornalismo da rede ABC de televisão cobriria uma descoberta de falhas de manutenção no parque de diversões da Disney que tivessem provocado algum acidente com vítimas, quando a Disney é a dona da ABC?
redeGIFE – Como a imprensa se comporta quando os interesses mercadológicos se confrontam com a da prestação de informação à sociedade?
Lins da Silva – Depende de cada caso. Deve se comportar com independência e espírito público, mas não sei se será sempre assim. A atenção do consumidor é vital, assim como a adoção de rígidos princípios éticos por parte dos praticantes da comunicação.
redeGIFE – Esta autonomia vem sendo exercida pelos veículos de comunicação brasileiros?
Lins da Silva – Acho que é preciso estudar cada caso. O Brasil é um país muito pouco uniforme, onde se vê de tudo: desde meios de comunicação absolutamente atrelados a poderes regionais ou nacionais (políticos e econômicos) até veículos com grau de autonomia comparável ao de seus similares nas mais tradicionais democracias.
redeGIFE – Mesmo um leitor atento pode não perceber a manipulação das informações diante de um conflito entre interesses jornalísticos e econômicos. Nesse caso, como fica a ética jornalística versus os interesses econômicos do grupo de comunicação? Qual deveria prevalecer e qual vem prevalecendo na cobertura?
Lins da Silva – Por isso é preciso investir e confiar cada vez mais na educação do consumidor de informação, para que e seja cada vez mais crítico. A segunda parte da questão precisa ser examinada caso a caso. De um modo geral, no jornalismo chamado de prestígio no Brasil (grandes jornais, como Folha, Estado, Globo), acredito que a ética venha prevalecendo.
redeGIFE – Quais reflexos a sociedade pode sofrer se a autonomia dos meios de comunicação não for plenamente exercida, principalmente dentro dos grupos que possuem negócios também em outras áreas?
Lins da Silva – Os reflexos serão ruins: uma sociedade mal informada pode não ser capaz de tomar as melhores decisões.