Investimento em cultura deve favorecer o desenvolvimento social

Por: GIFE| Notícias| 12/08/2002

As leis de incentivo à culturatêm surgido na pauta das organizações que encontraram nesse setor mais uma maneira de investimento social. Em entrevista ao redeGIFE, Leonardo Brant, consultor de empresas e presidente do Instituto Pensarte, afirma ser entusiasta dos dispositivos de incentivo fiscal à cultura, mas que o atual sistema cria uma equação em que só poucos ganham.

redeGIFE – O senhor tem mais críticas ou elogios às leis de incentivo cultural no Brasil? Quais são os principais pontos positivos e os negativos que elas representam?
Leonardo Brant – Sou entusiasta dos dispositivos de incentivo fiscal à cultura. O atual sistema, no entanto, cria uma equação em que só a empresa e a indústria cultural ganham. Há uma enorme concentração de recursos depositados nas regiões mais ricas do país, beneficiando um número muito pequeno de empresas e desenvolvendo um tipo de produção cultural que pouco interessa ao tão sonhado processo de transformação social pela cultura. Penso que as leis deveriam guardar um forte componente de política cultural, baseada na democratização do acesso e na disseminação do fazer cultural, associando mais a cultura à educação. As empresas também precisam perceber que uma ação cultural bem planejada tem de oferecer benefícios à sociedade e às suas marcas, se não quiserem ser percebidas pelo público como meras aproveitadoras do erário.

redeGIFE – Em seu livro Mercado Cultural, o senhor afirma que as leis de incentivo se tornaram um instrumento de privilégios. Por que isso ocorre?
Brant – Porque cerca de 85% dos recursos investidos via leis de incentivo atingem a região Sudeste e também porque as 10 maiores investidoras abocanham mais de 60% da renúncia fiscal, gerando uma concentração de renda muito grande na mão de poucas empresas. Em 2001, a Petrobras teve mais orçamento para a cultura do que o Ministério da Cultura. Um absurdo que precisa ser mudado.

redeGIFE – Que mudanças deveriam ser feitas para que as leis atendam melhor às necessidades culturais do país?
Brant – O primeiro passo é inserir as leis num sistema de regras que podemos chamar de política cultural. Isso, logo de cara, faz com que os projetos a serem aprovados tenham a cara do Brasil que sonhamos e queremos planejar e tornar realidade. Para isso, é preciso determinar qual o perfil desse projeto cultural e quem são as pessoas mais habilitadas para desenvolvê-lo. A partir daí, estabelecem-se regras claras para que esse dinheiro chegue realmente ao destino. É preciso incluir novas sociabilidades no processo cultural, que está viciado no evento, na coisa efêmera, pontual, que não gera resíduo e contribui pouco para o desenvolvimento social.

redeGIFE – E como essa política cultural deveria ser estruturada?
Brant – Penso em sete eixos básicos para o desenvolvimento de uma política cultural no Brasil. O primeiro diz respeito à indústria cultural. É preciso criar condições favoráveis para o crescimento das indústrias fonográfica, editorial e cinematográfica, que são as mais sólidas, e para o desenvolvimento das mais incipientes. Ainda nesse item, existe uma séria questão, que é o direito autoral. O segundo eixo aponta para a função articuladora do Ministério da Cultura, que deve desenvolver a capacidade de criar políticas conjuntas com outras pastas do governo, sobretudo educação, turismo e trabalho. A leitura merece cuidado especial por ser o meio de acesso básico à cultura. Deve-se fazer um esforço descomunal para seduzir as pessoas a lerem mais e com freqüência. Outro ponto é a valorização do patrimônio, material e imaterial, e das formas mais tradicionais de cultura. O quinto eixo é a televisão, já que 90% da população brasileira tem acesso à cultura apenas pela TV. É preciso trabalhar a programação das TVs, gerando conteúdos interessantes, sedutores e, ao mesmo tempo, educativos e culturais. O próximo passo é desenvolver políticas de acesso e incentivo que sejam capazes de ampliar o nível de aproveitamento de espaços, bens e serviços culturais a uma parcela maior da população. Isso se dá com a ação direta do Estado descentralizando os templos culturais e tornando-os mais próximos das comunidades, sobretudo das menos atendidas. Por fim, precisamos muito de uma política de fomento às artes, de maneira geral, como forma única de expressão e identidade de um povo.

redeGIFE – O senhor acredita que hoje as empresas têm buscado financiar mais projetos na área cultural? A que isso se deve?
Brant – Em 2001, tivemos 211 empresas usando as leis de incentivo federais. Esse número era de 462 em 1997, portanto, mais que o dobro. Já o volume de renúncia fiscal para a cultura em 2001 atingiu R$ 380 milhões, enquanto em 1997 esse número batia em apenas R$ 280 milhões. Algumas empresas tiveram experiências frustrantes ao lidar com o patrocínio à cultura. A busca de resultados tangíveis, que balizem a atuação da empresa em qualquer área de interesse social, é um desafio que nós, da Pensarte, estamos desenvolvendo como prioridade.

redeGIFE – Que tipo de comportamento as empresas, fundações e os institutos devem adotar para incentivar a diversidade cultural e a função social dos projetos culturais?
Brant – Há um ciclo evolutivo para o envolvimento das empresas com a cultura. O primeiro degrau é o mecenato. A visão de cultura érestrita às artes, e os donativos são creditados ao desenvolvimento de carreiras artísticas. Esse modelo deu lugar ao patrocínio cultural, geralmente atrelado a estratégias do chamado marketing cultural. A cultura é vista como forma de promover marcas. Como resultado, observamos toda sorte de produtos e eventos de pouca relevância cultural, mas que servem muito bem aos interesses de fidelização, relacionamento e branding empresarial. Por fim, chegamos ao planejamento cultural, que é o desenvolvimento de uma política cultural privada, capaz de atuar diretamente no interesse da sociedade, buscando oferecer alternativas viáveis para o desenvolvimento social por meio da cultura. Aqui, o entendimento de cultura é mais alargado, e os benefícios para as empresas são atrelados aos resultados sociais obtidos. Acredito que o último modelo seja o mais adequado para as empresas, por demonstrar sua capacidade de atuar em favor da sociedade e, conseqüentemente, receber benefícios institucionais e de marca.

redeGIFE – Qual a importância do investimento cultural privado para o desenvolvimento nacional?
Brant – O orçamento do Ministério da Cultura corresponde a menos da metade do orçamento das leis de incentivo. Só isso já é um indicativo do que pode ser feito com a ação responsável proporcionada pela parceria entre governo e empresas. Isso sem contar o grande potencial econômico da indústria cultural, proporcionado pelo investimento direto de empresários diretamente ligados ao business da cultura.

redeGIFE – Quais diferenças o senhor vê entre o investimento social privado em cultura e as ações de responsabilidade social empresarial em cultura?
Brant – Em minha experiência como consultor de empresas no desenvolvimento de políticas de investimento social tenho me deparado com diversos modelos diferentes de investimento social privado e responsabilidade social, de forma a tornar essa análise um tanto difícil. Vejo a cultura como uma alternativa interessante nos dois casos, principalmente por sua capacidade de interação entre cultura empresarial e ambiente externo, seja comunitário, seja em âmbito mais abrangente. Temos desenvolvido processos complexos e inteligentes de envolvimento da empresa com a cultura, passando por programas de voluntariado até a gestão de programas continuados de cidadania cultural, gerando resultados sociais e empresariais relevantes.

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