Investimento em cultura está integrado ao desenvolvimento social

Por: GIFE| Notícias| 03/12/2001

No próximo dia 14 de dezembro os associados do GIFE que desenvolvem ações em cultura reúnem-se em São Paulo para debater as possibilidades de investimento social privado na área.

Entre os participantes do grupo, que é coordenado pelo vice-presidente Ricardo Ribenboim, estão Silvia Finguerut, gerente geral de patrimônio e ecologia da Fundação Roberto Marinho, e Gina Machado, gerente de projetos na área de cultura da Vitae. Em entrevista ao redeGIFE, elas adiantam algumas discussões que devem surgir em torno do tema.

redeGIFE – Como diferenciar marketing cultural de uma ação social na área de cultura?
Gina Machado – Não há nenhum tipo de dificuldade de convívio entre essas duas formas de ação. As instituições culturais precisam muito de todo o tipo de investimento. Uma ação social na área de cultura pode ser entendida como um trabalho filantrópico que não tem preocupação de buscar retorno direto de imagem ao financiador. Há uma preocupação maior de se investir em programas de infra-estrutura, com resultados de longo prazo, e em capacitação de recursos humanos. A visibilidade deste tipo de ação, em geral, é muito valorizada nos ambientes profissionais e nas instituições culturais, porém, às vezes, pode ser pequeno na mídia. Já o marketing cultural está mais preocupado em assegurar a visibilidade do investidor e muitas vezes focaliza recursos em eventos. Ambos, porém, podem contribuir efetivamente para a área da cultura.
Silvia Finguerut – Outra distinção possível é o público-alvo do projeto. Uma ação social na área de cultura implica em disponibilizar o acesso normalmente gratuito a populações menos favorecidas. Mas sempre haverá o crédito dos patrocinadores, seja em um caso ou no outro.

redeGIFE – O que é mais relevante para o interesse público: investir na cultura como fim em si ou na cultura como instrumento para outras ações sociais?
Silvia – Creio que o investimento em cultura seja uma ação de cidadania e de educação de um povo. Somos o que somos, ou seja, distinguimo-nos de outros povos através das manifestações culturais. Por isso parece-me que seja válida qualquer ação de mobilização cultural. Focá-la apenas do ponto de vista social seria restritivo.
Gina – O investimento na área de cultura jamais pode ser considerado um fim em si. A vida cultural está inserida na sociedade e, portanto, na educação e no desenvolvimento social.

redeGIFE – Os incentivos fiscais existentes para as organizações que investem em cultura são suficientes ou o governo ainda pode oferecer mais?
Silvia – Evoluímos muito nos últimos cinco anos. Hoje a Lei Federal de Incentivo à Cultura permite a realização de uma série de projetos que seriam inimagináveis sem ela. Acredito que sempre poderá ser aperfeiçoada e essa melhoria só se dará através de experiências realizadas. Todas as alterações introduzidas na Lei foram fruto da experiência não só do Ministério da Cultura e de seus órgãos, mas também dos produtores culturais que a utilizam.
Gina – A Vitae não tem experiência nessa área pois não nos valemos de nenhum incentivo fiscal. Trabalhamos exclusivamente com recursos de nossa mantenedora que, por não estar vinculada a uma empresa, não se qualifica para a renúncia fiscal. Mas acredito que o incentivo é importante, desde que não seja o único motivador da ação social. As organizações devem se valer dele como um recurso a mais para o investimento que realizam em benefício da sociedade. Essa discussão tem sido freqüente entre os associados do GIFE.

redeGIFE – Algumas pessoas questionam o valor do investimento em cultura erudita, contrapondo com o suprimento do que consideram como necessidades mais básicas da população, como alimentação, saúde ou educação. Como vocês encaram esta questão?
Gina – Cultura erudita não pode ser compreendida como firula de gente rica. Não é razoável estabelecer um divisor de águas entre cultura erudita, cultura popular, cultura vernacular e folclore. Isso já foi amplamente discutido e é uma questão superada no Brasil desde os anos 30 e 40, quando Mário de Andrade, representando grupos intelectuais que refletiam sobre o que seria referencial para o nosso Patrimônio Cultural, sintetizou com clareza que elementos da cultura material e imaterial de várias origens contribuíram para a nossa formação. O conhecimento e as formas de manifestação artísticas são produtos da experiência e da criatividade humana. Algumas pessoas tendem a achar que a cultura erudita se distancia da população em geral por exigir uma formação sofisticada para a compreensão de seus códigos, como algo distante dos valores fundamentais da comunidade. Mas não é. A cultura erudita, por ser crítica, é resultante de uma profunda percepção da realidade e oferece ricos instrumentos para que possamos entender e buscar meios para superar problemas e desigualdades. É claro que devemos dar grande prioridade à saúde, à educação e ao combate à fome. Mas devemos também dar grande prioridade ao combate à exclusão cultural. O alcance dessas ações será tanto maior quanto mais o espírito humano puder se expressar e reconhecer seus valores. A humanidade empobrece quando fica limitada exclusivamente ao reino da necessidade. Onde não existem equipamentos culturais e possibilidades de produção e fruição cultural, o tecido social tende a se esgarçar e as comunidades ficam muito mais sujeitas à barbárie e a muitas formas de violência.
Silvia – Recentemente a Unesco declarou a Nona Sinfonia de Beethoven Patrimônio da Memória da Humanidade. Villa Lobos, nosso maior expoente da música erudita, era, antes de tudo, um educador e regeu milhares de jovens num estádio de futebol. A literatura de José de Alencar e Machado de Assis não recebe classificação diferente de patrimônios da língua portuguesa, igualmente à literatura de cordel – aliás, extremamente sofisticada, mas produzida e incorporada por cantadores e artistas de camadas mais populares. O investimento em cultura é prioritário seja ela qual for. É lógico que num país com tantas carências há que se atender em primeiro lugar a alimentação e a saúde. Na educação, a cultura já está implícita.

redeGIFE – Até que ponto a globalização contribui para a universalização do acesso à cultura e a valorização da cultura nacional?
Silvia – O processo de globalização nos fez ver a importância das culturas nacionais. Em inúmeras áreas da atividade humana hoje temos acesso a todos os benefícios: na saúde temos recursos iguais aos norte-americanos, na indústria idem, na tecnologia, na ciência… Hoje o que nos distingue são os aspectos culturais e encontramos na tecnologia globalizada o acesso a outras culturas que permitem um avanço extremamente veloz de suportes e recursos para as manifestações regionais. Para tirarmos melhor proveito desse avanço da globalização devemos valorizar cada vez mais a nossa produção.
Gina – Este assunto vem sendo muito discutido. Creio que os meios de comunicação e a indústria cultural muitas vezes são responsáveis por oferecer um enorme espaço para um tipo de produção em detrimento da diversidade e, sobretudo, por veicular materiais de baixíssimo valor. A globalização não pode ser responsabilizada por isso. Acredito sim que os educadores e a mídia devem oferecer a possibilidade de apreciação da diversidade da produção artística em todos os segmentos para que possamos conhecer melhor o mundo e a riqueza do que o espírito humano pode empreender.

redeGIFE – Que papel o investimento social privado pode desempenhar na área de cultura?
Gina – O campo de atuação é extenso e cada instituição pode atuar de maneiras diferentes. Por exemplo, investindo diretamente na produção e difusão cultural, em equipamentos culturais de amplo acesso a todos os interessados e na preservação e difusão do patrimônio cultural brasileiro, desenvolvido em todos os segmentos. Ao estabelecer prioridades para o investimento social nesta área, seria importante assegurar recursos para a diversidade da produção que não é contemplada pela indústria cultural, esta sim, totalmente inserida na economia de mercado. Se buscarmos medidas que tenham relação direta com o incremento de renda das comunidades, podemos estabelecer relações, sem interferir diretamente nas formas, para o aprimoramento técnico e o refinamento do artesanato com inserção no mercado, na capacitação de recursos humanos e na produção de materiais para a difusão do nosso patrimônio cultural, com vistas ao desenvolvimento do turismo, entre outras possíveis iniciativas.
Silvia – A política cultural de um país ou de uma região pode até mudar de acordo com orientações de governo. Entretanto, quem faz cultura é o povo. Por isso, o apoio privado é fundamental para sua preservação e valorização. Não podemos esperar que um governo sujeito a avaliações eleitorais venha a priorizar ações culturais em detrimento de ações focadas na saúde, moradia e alimentação de um povo. Esse governo deve sim emanar conceitos e incentivar o investimento cultural através de leis e da manutenção de equipamentos públicos sob sua gestão.

redeGIFE – Qual a importância do trabalho em rede para a área cultural?
Gina – O trabalho em rede é muito importante. Pode ser desenvolvido a um baixíssimo custo e tem um poder integrador fantástico. Ao compartilhar idéias e experiências, pode-se contribuir significativamente para os que vão implementar atividades em caminhos já trilhados por outros. Isso potencializa uma ação e contribui para o seu sucesso.
Silvia – A partir do conceito de parceria e da busca pela maximização dos investimentos privados em cultura a questão da formação de redes é fundamental. Alguns exemplos: uma exposição de artes plásticas tem um custo alto ao ser montada em um museu. A partir de sua itinerância por outras cidades, os custos fixos são os mesmos e as montagens nos outros municípios vão se reduzindo quase que exponencialmente. A mesma questão para um concerto internacional. A troca entre instituições congêneres é uma necessidade e não apenas uma recomendação.

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