Investimento social privado aponta alternativas para a saúde brasileira

Por: GIFE| Notícias| 23/06/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No último mês de maio, durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) lançou a série de livros Mídia e Mobilização Social (Cortez Editora). O primeiro volume, intitulado Saúde em Pauta, trata da cobertura da imprensa sobre doença e qualidade de vida na infância.

Um dos aspectos apontados pelo livro é que as ações sociais do setor privado na área de saúde pouco aparecem na mídia. “”Infelizmente, ainda não há na imprensa brasileira uma clara percepção da importância do setor privado na elaboração e execução de políticas públicas. Persiste a visão de que saúde é responsabilidade do poder público””, afirma a coordenadora de relações internacionais e acadêmicas da Andi, Regina Festa. (leia a entrevista)

A atuação de empresas, fundações e institutos na área de saúde envolve desde investimento em novas unidades de atendimento, formação de equipe e compra de equipamentos para hospitais, até programas de humanização hospitalar e educação para a saúde.

“”O investimento social privado em saúde tende a concentrar-se em temas não cobertos pelo sistema público. Assim, atendimento a necessidades especiais de portadores de câncer ou doenças crônicas de caráter degenerativo, por exemplo, são ações pontuais e que têm uma cobertura relativamente pequena. Mas elas têm o mérito de apontar para alternativas de excelência no atendimento a essas necessidades””, afirma o diretor regional para América Latina e Caribe da Fundação Kellogg, Francisco Tancredi.

Para Telma Sobolh, presidente do Departamento de Voluntários da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, é fundamental que o trabalho na área de saúde seja feito com e para a comunidade. “”É importante desenvolver ações a partir das necessidades reais, oferecendo assistência médica e, sobretudo, investindo em prevenção e promoção da saúde, o que poderá influenciar na mudança de hábitos e comportamentos, visando melhoria da qualidade de vida.””

O Albert Einstein conta com o trabalho de voluntários em setores do próprio hospital e promove ações sócio-educativas na comunidade de Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade de São Paulo. No hospital, os voluntários oferecem apoio humanitário aos pacientes e a seus acompanhantes, além de contribuir com a equipe profissional. Já em Paraisópolis, há um complexo de atendimento ambulatorial e educacional, para a prática das atividades sócio-educativas e de promoção à saúde.

Educação para a saúde – A superintendente do Instituto Criança é Vida, Regina Stella Schwandner, conta que, quando a indústria química e farmacêutica Schering-Plough decidiu fazer um projeto social, um dos parâmetros que guiaram sua formatação foi não ser assistencialista. “”Na época, fizemos uma pesquisa e percebemos que o que mais incomoda a sociedade não é a criança doente, mas aquela que está na rua, sem assistência. Por isso atuamos em educação preventiva.””

A atuação do Instituto Criança é Vida envolve a criação de material para promover conceitos e a capacitação de agentes de saúde para multiplicá-los. O trabalho acontece em duas frentes: uma em que os funcionários da Schering-Plough são treinados para atuar diretamente com crianças, mães e profissionais de creches, e outra na qual os funcionários das instituições de atendimento à criança recebem essa capacitação.

Roberto Rivetti Suelotto, superintendente da Fundação Orsa, considera a educação para a saúde a principal área a ser atendida pelos investidores sociais privados. “”A medicina preventiva, muito embora também devesse ser praticada pelo governo, tem no seu espectro uma proximidade grande com a linha de ação social. Somos defensores da atuação dentro deste escopo de educação em saúde e promoção à boa saúde””, afirma.

A Fundação Orsa tem diversos programas na área, envolvendo o investimento em estrutura física para centros de atendimento – como a construção do Instituto de Pediatria, em São Paulo -, projetos de humanização hospitalar – como o Método Mãe-Canguru – e de educação para a saúde – como o Saúde Bucal e o Programa de Promoção à Nutrição.

Tancredi, da Fundação Kellogg, lembra que, para não cometer erros, a organização deve sempre seguir à risca sua missão. “”Se uma fundação é dedicada à pesquisa sobre o câncer, certamente não será um erro apoiar a compra de um aparelho de ressonância magnética de US$ 1 milhão.””

Humanização hospitalar – Em 2002, a Fundação Abrinq reconheceu com o Prêmio Criança, na categoria Saúde do Bebê e da Gestante, o Programa Família Participante, promovido pelo Hospital Pequeno Príncipe.

Criado em 1991, o programa funciona 24 horas por dia e permite a permanência, dentro do hospital, de qualquer familiar que queira acompanhar o paciente. A única condição é a participação do acompanhante num curso de treinamento, no qual recebe orientações sobre higiene e regras básicas de convivência dentro do ambiente hospitalar, além de assistir a palestras sobre educação em saúde.

No início deste mês, a Fundação Abrinq e o Hospital Pequeno Príncipe concluíram a primeira etapa de um projeto que pretende sistematizar e disseminar nacionalmente o programa. “”Esperamos difundir a experiência. A diminuição do tempo de permanência no hospital foi de 50%. Com a permanência da mãe, também é possível orientá-la melhor, diminuindo as chances de outras internações””, diz Maria Dolores Garcia de Faria, coordenadora do Serviço de Psicologia do hospital.

Maria Dolores conta que uma das maiores dificuldades encontradas na implantação do programa foi provocar mudanças no espaço hospitalar que, na época, não estava preparado para receber a comunidade.

“”Havia resistência da enfermagem, achando que seria substituída pelo familiar, e alguns médicos acreditavam que não teriam tempo para dar atenção aos familiares. Outro receio era de que a quantidade de pessoas circulando pelo hospital provocasse o aumento dos índices de infecção hospitalar””, lembra.

Roberto Suelotto, da Fundação Orsa, acredita que a implantação de programas em saúde apresenta as mesmas dificuldades de outras áreas, como precariedade de ações governamentais, quase ausência de políticas públicas eficazes, desmotivação das equipes ligadas ao governo e dificuldade do terceiro setor em arcar com todas as despesas.

Francisco Neves, secretário executivo do Instituto Ronald McDonald, afirma que a área de saúde requer investimentos elevados, e isso representa um obstáculo. “”Contudo, nossa experiência mostra que, uma vez esclarecida que a questão de saúde permeia educação, cultura e até mesmo meio ambiente, há a reversão dessa dificuldade””, afirma.

O Instituto Ronald McDonald trabalha contra o câncer infanto-juvenil. Entre as ações desenvolvidas estão pesquisas sobre o cenário da doença no Brasil e apoio financeiro a instituições de atendimento a crianças e jovens com câncer. Uma dessas instituições é a Casa Ronald McDonald, no Rio de Janeiro, que hospeda crianças e adolescentes de outras cidades ou estados em tratamento de câncer em fase ambulatorial.

Francisco Tancredi, da Fundação Kellogg, afirma que há dois motivos para as empresas não investirem mais do que já fazem na área de saúde. “”O sistema público vem oferecendo melhores serviços, e as condições de saúde, no geral, estão melhorando. Além disso, educação, juventude e meio ambiente têm, hoje em dia, grande apelo e visibilidade. Com freqüência, o investimento social privado, por diversas razões, desloca-se para onde há mais visibilidade social. Se mortalidade infantil e diarréia já não são os grandes problemas que freqüentam a mídia, acabam despertando menos interesse.””

Ele lembra, porém, que dois grandes grupos populacionais estão relativamente sem assistência quando se fala em programas públicos de saúde: adolescentes e terceira idade. “”Se pensamos que um papel nobre do investimento social privado é iluminar caminhos e fomentar soluções inovadoras, eu diria que é importante que ele se debruce um pouco mais sobre estes temas, em vez de se dedicar a cobrir os buracos de falta de assistência deixados pelo setor público.””

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