Investimento social privado – Um novo patamar

Por: GIFE| Notícias| 06/06/2005

DANIELA REIS
Diretora executiva do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco)

Ao analisar o foco de atuação dos institutos e fundações que gerenciam o investimento social das empresas, observo que houve um grande avanço desde que grande parte das empresas optou por migrar do “”assistencialismo”” para o que hoje se chama de “”investimento social privado””.

Existe uma preocupação com a definição de um foco para o investimento – e daí observa-se uma grande concentração de investimentos na área de educação, o que é muito importante para que o Brasil possa dar a tão sonhada “”virada de jogo””. É comum encontrar também, como foco dos investimentos, meio ambiente, esporte, saúde, entre outros.

Também outros fatores demonstram claramente o quanto vem evoluindo a preocupação das empresas em transformar suas ações sociais em investimento estratégico: a presença cada vez mais constante de mecanismos de avaliação dos projetos sociais e a própria profissionalização das equipes que gerenciam os investimentos. Definições que representam avanços importantes, mas que ainda são bem singelas em relação à capacidade estratégica e política destas organizações.

Se, por um lado, as empresas estão dispostas a concentrar recursos em seus focos de atuação e avaliar suas iniciativas, permitindo a melhoria da qualidade do investimento e da capacidade de transformação, por outro lado esse modelo não evita a dispersão de recursos em ações que, se não alinhadas a princípios reitores maiores, acabarão também desperdiçadas. Nesse caso, a organização com “”intenção”” estratégica, acaba por atingir um novo patamar intermediário de investimento, representado por um conjunto de ações e projetos que recebe avaliação e é orientado por determinado foco temático, mas ainda tem uma capacidade limitada de transformação social e política.

De qualquer forma, entendo que esta seja a primeira etapa pela qual passam as organizações que buscam o investimento social privado. Um novo modelo de atuação já pode ser observado em um pequeno, mas crescente número de organizações que realizam investimento social privado ou que executam projetos na ponta.

A primeira marca desse novo modelo é o alinhamento do investimento social a uma proposta que vai além do problema que o projeto tenta resolver, e é maior do que a própria organização e seus objetivos – é um lastro do projeto ou da ação social a uma questão que faz sentido para o Brasil, expressa de alguma forma – seja pelo artigo 3º da Constituição, seja pelas Metas do Milênio ou do Pacto Global. É aqui que se percebe a visão estadista do investidor social, que entende o seu papel na contribuição mais ampla ao país.

Cito como exemplo o Projeto Geração XXI, realizado pela Fundação BankBoston. Embora seu público beneficiário fosse de apenas 21 jovens, seu vínculo com uma questão estratégica para o Brasil – a inclusão do negro – estava perfeitamente estabelecido.

Um projeto social só faz sentido se puder, na sua especificidade e capacidade de contribuição, por menor que ela seja, fazer diferença para as questões vitais ao país. Quanto mais consistente puder ser esta contribuição, mais focada nas correções necessárias e nas conseqüências trazidas pelas questões sociais, maior será a capacidade de transformação e influência política desse investimento.

Outro exemplo que dispensa apresentações é o Acelera Brasil, do Instituto Ayrton Senna. A principal contribuição do projeto, além de estar lidando diretamente com a defasagem idade-série, é a sua atuação na prevenção do problema, gerando um efeito positivo em cascata. A cada professor capacitado, menos crianças passam a estar potencialmente defasadas.

É importante enfatizar que é preciso haver uma reflexão a respeito dos valores que desejamos expressar através das ações. Valores de cooperação, de fortalecimento da democracia e de co-responsabilidade serão imprescindíveis a um modelo justo de desenvolvimento do Brasil.

A segunda marca do avanço é o alinhamento do investimento social às expectativas e à estratégia da empresa mantenedora. Nesse aspecto, é fundamental a reflexão sobre os limites e as possibilidades da ação social. Este alinhamento trata, entre outros pontos, da expectativa natural que as empresas têm de que os resultados do investimento social possam ser percebidos pelos seus clientes e consumidores, principalmente, além de outros públicos.

É possível afirmar que, entre as possibilidades de valor agregado que um investimento social estratégico e consistente pode trazer está, sem dúvida nem pudores, o retorno de imagem para a organização mantenedora. No entanto, é preciso esclarecer exaustivamente que o investimento social não substitui a relação responsável, transparente, não autoritária, que a empresa deve ter com todos os seus públicos, se quiser ser reconhecida como uma empresa séria, socialmente responsável.

O retorno de imagem será tão maior e mais consistente quanto melhor for o relacionamento da empresa com todos os seus públicos. Sim, porque imagem é resultado de um conjunto de percepções dos públicos – funcionários, consumidores, fornecedores, etc. – em vários momentos de sua relação com a empresa. Desde o momento em que retira da natureza seus insumos, respeitando o direito de futuras gerações, até o momento em que trata fornecedores e terceirizados com eqüidade e justiça. Esse resultado de imagem passa ainda pelo significativo instante de atendimento ao cliente na sua central de relacionamento e por outras etapas do ciclo de consumo, como é o caso da disposição do lixo gerado por seus produtos e serviços, chegando ao não mais importante momento em que a sociedade se beneficia ou toma conhecimento das ações sociais praticadas pela empresa. Em síntese, agrega-se valor à imagem da empresa quando há valor percebido nas suas relações.

A terceira marca dos investidores sociais de vanguarda sugere levar em consideração, ao se optar por um determinado projeto ou ação de investimento social, a sua efetiva contribuição às questões legítimas e contextualizadas da comunidade. Parece óbvio, mas não é. Implica em conhecer a comunidade, ouví-la, dialogar com suas lideranças (formais e não-formais). A grande questão que a organização precisa colocar à comunidade é: de que forma o investimento pode contribuir para o desenvolvimento da comunidade, levando-se em consideração que: 1) os recursos são limitados e as ações devem ser vistas como complementares e integradas ao esforço que outros atores já estão fazendo; 2) há uma ou mais áreas de foco da organização (esporte, saúde, educação etc.); 3) há uma preocupação de contextualizar o atendimento à demanda local em relação às prioridades do Brasil; e 4) que há uma necessidade de adequação aos objetivos estratégicos da mantenedora.

Em alguns casos, quando a organização tem, além do foco, um público-alvo definido, a opção por um ou outro projeto de investimento social deve também passar por uma reflexão conjunta sobre as demandas legítimas e contextualizadas desse público em relação ao desenvolvimento da comunidade, aos objetivos da mantenedora e às prioridades para o desenvolvimento do país.

Quando uma organização se propõe a dialogar com o seu público-alvo, com a comunidade onde atua, com os objetivos de seu mantenedor e de seu país na busca de uma atuação estratégica, consistente e integrada, ela deve, antes de partir para a ação, fazer uma lição-de-casa e definir quais são os critérios que nortearão sua atuação. Estou falando, novamente, de valores que a organização preza e que devem permear sua relação com governos, lideranças e outras organizações. Estes valores serão expressos na sua ação e no seu relacionamento e funcionam como parâmetros sobre o que pode e o que não pode ser feito no campo do investimento social. Por exemplo, se um dos valores de atuação da organização é o fortalecimento da democracia, posições autoritárias na relação com a comunidade não expressarão adequadamente a sua imagem desejada. Ou ainda, se a co-responsabilidade é um critério, parcerias serão um reflexo coerente da sua identidade.

Traçando um paralelo matemático, observo que definição de foco, mecanismos de avaliação, profissionalização, governança, entre outros aspectos, podem ser representados no eixo horizontal no Plano Cartesiano – dão conta da melhoria da qualidade do investimento e ampliam a capacidade de transformação social das organizações. Mas não são suficientes. Em resumo, estou afirmando que nenhum projeto social é bom apenas por ser um projeto tecnicamente perfeito. Um bom projeto precisa atender eticamente aos vínculos a que se propõe – com os objetivos mais desafiadores do país, com os objetivos estratégicos daqueles que deliberam sobre os recursos, da comunidade e do público-alvo que se beneficiarão dos resultados diretos. Estes vínculos são representados pelo eixo vertical do mesmo Plano.

Isso explica porque um excelente projeto pode interessar a uma instituição financiadora e não a outra, pode ser bom para uma comunidade e não para a outra e, por incrível que pareça, pode não ser bom para o Brasil.

Se um investimento social atende aos requisitos representados nesses dois eixos, serão a expressão correta da identidade do investidor atendendo a questões cruciais do país, da comunidade e do público-alvo, de forma tecnicamente adequada.

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