ISO decide nesta semana pela criação de norma sobre responsabilidade social

Por: GIFE| Notícias| 21/06/2004

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A International Organization for Standardization (ISO) avalia nesta semana (21 e 22/6), em Estocolmo (Suécia), a possibilidade de criação de uma nova norma de responsabilidade social empresarial. Caso aprovada, ela seguirá os moldes da 9.000, de qualidade, e da 14.000, de procedimentos ambientais.

Para isso, a ISO constituiu um grupo consultivo com representantes de diversos países, entre eles o Brasil. Indicado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Marcos Egydio, superintendente do Instituto Ecofuturo, defende a criação da norma e acredita que ela será muito útil para inserir, efetivamente, a responsabilidade social como fator de competitividade corporativa.

redeGIFE – Como surgiu o convite para participar do grupo consultivo para a elaboração dessa nova norma?
Marcos Egydio – Eu fui escolhido pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) como representante do Brasil e também como integrante do terceiro setor, por ser de uma organização sem fins lucrativos. Num primeiro momento, esse grupo consultivo tinha oito participantes, e eles próprios recomendaram que isso fosse ampliado. Temos hoje 22 membros dos cinco continentes, que representam o terceiro setor, a indústria, o mercado, as associações de defesa do consumidor, as organizações ambientalistas e as associações de trabalhadores.

redeGIFE – O que vai ser discutido neste encontro em Estocolmo?
Egydio – A conferência foi sugerida pelo grupo consultivo e nada mais é que uma grande prestação de contas de como este assunto surgiu e amadureceu dentro da ISO neste um ano e meio de trabalho. Foram realizados cinco encontros que culminaram na elaboração de um relatório técnico que procura levantar o estado da arte do assunto hoje no mundo. Além desse relatório, haverá uma grande discussão sobre as recomendações que o grupo consultivo fez para o Conselho Mundial da ISO. Essas recomendações foram no sentido de, uma vez atendidas certas premissas, orientar a ISO a continuar sim esse processo para elaborar uma terceira geração de normas. Depois da 9.000, de qualidade, e da 14.000, de meio ambiente, essa terceira geração seria das normas de responsabilidade social.

redeGIFE – Esse grupo consultivo, então, foi constituído pela ISO para analisar a necessidade de normas de responsabilidade social?
Egydio – Exatamente. O mandato desse grupo, quando foi constituído, foi muito claro: recomendar se a ISO deveria ou não avançar neste assunto. E, uma vez que a recomendação fosse positiva, qual deveria ser o escopo e o tipo da norma.

redeGIFE – Qual o principal desafio na criação de uma ISO nesta área, já que para muitos o conceito de responsabilidade social empresarial ainda não está 100% definido?
Egydio – Eu acho que um dos principais desafios é a ISO reconhecer que este assunto, que toda esta temática, é qualitativamente muito distinta dos processos anteriores e do próprio escopo da ISO 9.000 e da ISO 14.000. Primeiro, que aquela visão só “”engenheirona””, que era muito pautada pelo tangível, quando se fala em responsabilidade social isso é substantivamente diferente. E, segundo, além de toda questão de conteúdo e conceito, reconhecer que o processo desencadeado por uma norma de responsabilidade social implica novas formas de relacionamento com as partes interessadas, um novo processo de governança corporativa e uma atitude muito diferenciada. E aí aquela postura do passado, de que as empresas não tinham responsabilidades além de gerar lucro, acaba sendo o grande pano de fundo dessa discussão.

redeGIFE – O senhor acabou de mencionar que a prática da responsabilidade social não é tão objetiva como os processo de qualidade ou de procedimentos ambientais certificados pela ISO 9.000 e pela ISO 14.000, respectivamente. Isso é uma grande dificuldade que a ISO terá de contornar?
Egydio – Sem dúvida nenhuma. O que a gente está sugerindo, e tudo ainda está muito incipiente para saber se a ISO vai seguir este caminho, é mais do que oferecer um check list, uma lista de verificação. É estimular um processo, uma nova maneira de abordar estas questões. E aí existe todo um esforço de integrar com o procedimento da ISO 14.000, de ter toda aquela abordagem da melhoria contínua, e determinar com bastante clareza os compromissos que empresa assume perante a sociedade e a forma que ela vai atuar para atingir esses compromissos.

redeGIFE – O que uma ISO de responsabilidade social agregará ao que já existe, como prêmios e outros reconhecimentos?
Egydio – Eu acho que todo este assunto está muito relacionado à questão da identidade corporativa e da imagem institucional. Na hora em que a ISO decide entrar nesse processo, assuntos que estavam com uma abordagem mais de marketing, ou que até então eram considerados com caráter idealista, mudam e passam a ser fator de vantagem competitiva efetivamente. Essa é a grande sinalização que a entrada da ISO acaba aportando. E, mais do que isso, de perpetuidade dos negócios, pois na medida em que a empresa sinaliza para a sociedade e para o mercado que esses compromissos são para valer, que isso está inserido na cultura organizacional e nos sistemas de gestão, ela está seguindo para uma nova prática de negócios. A partir do momento em que o mercado reconhecer isso, a gente acredita que as empresas que não seguirem essa linha de conduta, essa abordagem, tendem a ficar marginalizadas.

redeGIFE – Isso não pode assustar muitas empresas, aquelas que têm práticas desestruturadas ou só ações de marketing, para inglês ver?
Egydio – Existe de fato esta preocupação e este temor. A gente acabou reconhecendo essa insegurança e essa aflição e recomendamos que, por enquanto, isso fosse uma norma, que fossem recomendações, e não uma certificação. Então, é quase como uma coisa voluntária, para amenizar essa aflição inicial. Mas, novamente: se a gente acredita que isso não é um mero modismo ou uma tendência passageira, que é um grande ganho de consciência da sociedade, do mercado e dos cidadãos, se a gente acredita que existe um modelo atual que é insustentável, mesmo tendo este caráter voluntário, se a norma pegar, isso acaba tendo uma capacidade de proliferação muito grande.

redeGIFE – Uma parte considerável das empresas têm ou deseja ter a certificação ISO 9.000 ou a ISO 14.000. Vocês têm informações se uma ISO de responsabilidade social seria também um objeto de desejo? Ou acabaria repelindo as empresas? No Brasil, por exemplo, uma pesquisa recém-divulgada do Instituto Akatu mostra que 25% das empresas não realizam ações neste sentido.
Egydio – Na medida em que a gente reconhece esta dificuldade das empresas, o que a gente espera é que não seja uma coisa que cause constrangimento. Ao contrário, que ajude as empresas em um processo de organização e de transição para essa nova abordagem, essa nova atitude. Se a gente dissesse que existe um espectro enorme de empresas que já estão adotando a responsabilidade social e saudando isso como a solução de todos os problemas seria um equívoco muito grande. Esse grupo consultivo, reconhecendo não só a grande distância das empresas e a necessidade de se fazer uma sugestão que estimule um movimento de transição, é que resolveu recomendar que isso não tivesse esse caráter obrigatório.

redeGIFE – Já existe uma norma relativa à responsabilidade social das empresas, a SA 8.000. Quais serão as diferenças entre ela e a ISO?
Egydio – A diferença fundamental é o processo pelo qual essa norma vai ser elaborada. Apesar de todos os méritos dessa e de outras normas, como as surgidas em Israel, Austrália e outras dez, mais ou menos, que se equiparam à SA 8.000, o processo de discussão não teve a amplitude, a abrangência e a legitimidade que a ISO proporciona. O que a gente acredita é que a ISO, ao analisar e reconhecer todas as outras normas existentes, vai aproveitar o mérito e o conteúdo das demais e inserir isso em um processo de discussão que terá um ganho de legitimidade enorme. Essa é a grande diferença.

redeGIFE – O senhor acredita então que a ISO decidirá pela continuidade no processo de criação da norma de responsabilidade social?
Egydio – Apesar de todas as dificuldades que a gente não pode minimizar, principalmente por causa dessa insegurança que ainda gera nas empresas e nas organizações da sociedade civil que não fizeram parte dos processos anteriores – que julgam que tanto a ISO 9.000 como a ISO 14.000 não tiveram a transparência necessária -, se a gente vencer esses obstáculos, a tendência é que a ISO aprove as recomendações desse grupo consultivo.

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional