Jovens buscam direitos e um trabalho alinhado a seus projetos de vida

Por: Fundação FEAC| Notícias| 21/08/2023
Jovens buscam direitos e um trabalho alinhado a seus projetos de vida

“A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída para qualquer parte”

 (Arnaldo Antunes – Titãs) 

Os versos dos Titãs para a canção Comida, lançada em 1987, já expressavam a inquietação das juventudes vivendo a chamada “década perdida”, no Brasil: época marcada por aguda crise econômica e hiperinflação. Quase quatro décadas mais tarde, as juventudes brasileiras asseguraram direitos e proteção social, mas muitas destas garantias previstas na Constituição Cidadã, de 1988, e reiteradas no Estatuto da Juventude, em 2013, ainda estão distantes de serem cumpridas.  

Neste 12 de agosto, Dia Internacional da Juventude, o Brasil contabiliza 49 milhões de pessoas de 15 a 29 anos e o índice de desemprego é de 20%. Os dados são da Pnad Contínua: Educação 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em junho. De acordo com o levantamento, cerca de 18,3% dos jovens de 14 a 29 anos não concluíram o ensino médio, seja por abandono ou por nunca terem frequentado a escola – a principal justificativa, apontada por 40,2%, foi a necessidade de trabalhar.

“Muitos desses jovens não conseguem acessar as oportunidades de qualificação e empregabilidade. A falta de políticas públicas que visem promover a inclusão produtiva das juventudes é um fator que contribuiu para as altas taxas de desemprego entre os jovens”, avalia Rodrigo Correia, coordenador do Programa Juventudes, da Fundação FEAC. “As Organizações da Sociedade Civil, assim como as instituições de ensino, têm um papel importante para fomentar ações que incentivem a formação, qualificação e desenvolvimento das habilidades socioemocionais dos jovens”, afirma.

Sim, porque além de ter um emprego as juventudes brasileiras buscam empenhar sua energia, inteligência e habilidades em uma atividade que venha ao encontro de suas aspirações e projetos de vida. Por que não?  (conheça abaixo projetos da FEAC focados em inclusão produtiva de jovens).

O direito de não fazer qualquer coisa ‘só para sobreviver’

Nesta linha, o recente estudo Mapa de políticas públicas para a juventude e o trabalho na cidade de São Paulo: uma perspectiva contemporânea, de 2021, ajudou a ampliar – e qualificar – o enfoque sobre a construção de políticas públicas para a juventude no mundo do trabalho. A pesquisa realizou uma investigação qualitativa com 208 moradores das periferias sul e leste da cidade de São Paulo que participavam de coletivos ou de microempreendimentos individuais, ou combinavam uma atividade com a outra. Foi conduzida pelos pesquisadores Luis Paulo Bresciani, Maria Carla Carrochano e Maria Eduarda Nogueira.

O trabalho mostra que, para além das ações de ampliação da escolaridade, qualificação profissional e enfrentamento das elevadas taxas de desemprego juvenil, o debate avança em direção à qualidade do trabalho gerado, às desigualdades de acesso e às conexões entre a inserção ocupacional, a vida familiar e as trajetórias escolares.

“A busca de sentido – de não fazer qualquer coisa, apenas para sobreviver, mas de querer um trabalho que venha ao encontro de uma aspiração individual e da formação educacional obtida – foi um resultado muito forte do estudo”, apontam os autores na introdução da pesquisa. “Esse componente subjetivo, que geralmente fica de fora nas análises socioeconômicas convencionais, precisa ser considerado se quisermos ter políticas públicas que realmente contemplem os jovens e suas aspirações”, conclui. 

A economista e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Enid Rocha, cita como marco importante deste debate qualitativo sobre as políticas públicas destinadas a este público a criação da Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude, elaborada pelo governo federal com o apoio técnico da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2010.

Busca ativa e um olhar de gênero e raça

A agenda destacou quatro eixos prioritários na perspectiva da promoção do trabalho decente para a juventude: 1) mais e melhor educação; 2) conciliação dos estudos, trabalho e vida familiar; 3) inserção ativa e digna no mundo do trabalho; e 4) promoção do diálogo social.

“Uma política adequada para a juventude deveria se materializar em uma ‘estratégia integrada’ contendo diferentes programas em apoio aos jovens nas áreas de educação, trabalho, qualificação, cultura, lazer e saúde. Ademais, a implementação da estratégia deverá envolver a União, os estados e os municípios, mantendo estreito diálogo com os movimentos juvenis”, diz Rocha.

Além disso, ela defende a realização de busca ativa para reinserção de jovens. “Em alguns casos, como dos jovens já desengajados da escola e do trabalho, é importante realizar uma busca ativa para encontrá-los e motivá-los ao retorno à vida social, à educação e ao trabalho. Fazendo com que voltem a acreditar em si mesmos e que ainda é possível concretizar seus projetos de futuro”, ressalta.

Para a pesquisadora, essa estratégia de políticas para a juventude precisa ter um olhar de gênero e raça. “Deve contemplar programas de apoio aos cuidados de crianças, como ampliar o número de creches, a fim de que as jovens que não estudam e não trabalham porque se dedicam às tarefas de cuidados nos domicílios, possam ter uma nova oportunidade de inserção”.

FEAC apoia projetos que desenvolve habilidades e potencialidades das juventudes

A Fundação FEAC tem como uma de suas missões promover inclusão produtiva das diferentes juventudes que vivem nos territórios vulneráveis, em Campinas, sem perder de vista o bem-estar, as necessidades e os projetos de vida deste público.

“Entre as principais ações da Fundação estão os projetos apoiados pelo Programa Juventudes, especialmente com olhar no mundo do trabalho, com destaque para a qualificação profissional na área da tecnologia, com os projetos AWS re/Start – Amazon, Repara na Máquina e Rolê Tec; na área gastronômica, com o Jovem Chef; e o Projeto Prepara Juventudes, que está criando quatro novos arcos ocupacionais para aprendizagem juvenil alinhados ao interesse dos jovens e às necessidades das empresas”, conta Rodrigo Correia, da FEAC.  

Entre os destaques, o projeto AWS re/Start é realizado em parceria com a OSC Base Social e em colaboração com a Amazon. Começou no mês passado com a seleção de 50 jovens residentes em áreas periféricas de Campinas para um curso profissionalizante de computação em nuvem. A carga horária do curso inclui ainda capacitação para ingressarem no mercado de trabalho na área de tecnologia, por meio de aulas sobre soft skills, preparação de currículo, melhores práticas para adotar em uma entrevista de emprego, entre outros. 

Já no campo da gastronomia, Rodrigo menciona o Projeto Jovem Chef, realizado há três anos em parceria com a OSC MAE Maria Rosa, em Campinas. O Projeto já é uma referência para o setor de hotelaria, bares e restaurantes do município na hora de contratar profissionais da área. Até o final de 2022, o curso formou 133 jovens, sendo que 75 estão inseridos no mercado de trabalho. 

Este ano, o Projeto Jovem Chef entrou em seu terceiro ciclo, que inclui três turmas com 20 alunos ao longo de dois anos. O primeiro grupo de alunos se forma em setembro e as inscrições para a próxima turma, que começa em outubro, já estão abertas. Esta terceira jornada do projeto vem com novidades. O curso tem 20 vagas, ao contrário das 15 previstas anteriormente, e o novo formato amplia a frequência das rodas de conversa. Antes esporádicas, agora integram a agenda de todas as aulas. Sempre por 30 minutos, no início das atividades do dia.

As rodas de conversa tratam de temas transversais ao curso. É um espaço para que os jovens se conheçam, relatem um pouco de sua história, projetos e objetivos. “As rodas de conversa ajudam a potencializar os jovens. Porque todos eles, em todas as turmas, têm diversas questões que a gente precisa trabalhar, para além do conhecimento na cozinha e da prática”, explica Kelly Parro, coordenadora do projeto desde o seu primeiro ciclo, na OSC MAE Maria Rosa.

“Alimentação é minha linguagem de amor”, diz a jovem chef Nathalia

Nathalia Almeida, jovem chef formada no curso no ano passado.

Nathalia Almeida, 23, é uma das jovens chefs formadas no curso no ano passado. Ela nasceu e cresceu no bairro Jardim São Pedro de Viracopos, periferia de Campinas, fez o ensino médio em escola pública e, como muitos outros jovens, sempre quis atuar numa profissão alinhada com os seus projetos de vida e valores.

Durante a pandemia, ela começou um curso técnico em administração que não concluiu. “Eu estava meio sem norte sobre qual profissão queria ter. Sempre fui autodidata e criativa. Como gosto de roupa e moda, no curso de administração tive a ideia de criar o brechó on-line uso.origem”, conta, negócio que ela criou há três anos e que ajuda a compor sua renda.

Logo depois chegou o Jovem Chef. A sua namorada viu um anúncio nas redes sociais e, como sabe que Nathalia ama cozinhar, sugeriu que ela se inscrevesse. “Sempre gostei de cozinhar, desde muito nova. Lembro quando minha avó me ensinou a fazer um bolo de verdade. Eu fiquei encantada, tipo, meu Deus, então é assim que transformamos ingredientes em comida!? Sou até hoje apaixonada pelo tempero das mulheres da minha família”.

Nas rodas de conversa do Jovem Chef Nathalia se sentiu à vontade para falar de temas que são importantes em sua vida, como a sua ancestralidade indígena (em suas pesquisas, descobriu que sua família é descendente dos Payayá, povo indígena originário do Sertão das Jacobinas, no interior da Bahia) e sua sexualidade. “Você acaba conhecendo várias realidades para além da sua. Eu me senti muito acolhida pelos alunos e pelas pessoas que trabalham lá. Era realmente uma troca muito sincera”, diz ela.  

No final do ano passado, após concluir o curso do Jovem Chef, Nathalia colocou suas habilidades gastronômicas a serviço da cozinha vegana Life no Meat, uma marmitaria de Campinas. Ela trabalha como auxiliar de cozinha e adora o que faz. “Eu me sinto muito honrada de trabalhar lá, porque a dona é uma mina preta, sapatão e eu estou levando o que aprendi para apoiar um negócio de uma pessoa com quem eu me identifico muito nas causas, na existência e que também optou por fazer o próprio caminho”, diz ela.

E acrescenta: “Porque às vezes o mercado de trabalho exige muito dos nossos corpos, né? Temos que mostrar duas vezes mais habilidades para sermos aceitas, ou a gente tem que se podar muito para caber ali”, pontua.

Colmeias, PerifaImpacto e Repara na máquina

Pensando em todas estas questões, a especialista em inclusão produtiva da FEAC, Karina Cappelli, conta que a instituição tem investido em diferentes projetos de educação profissional para as juventudes levando em consideração as necessidades contemporâneas do mundo do trabalho e as demandas sociais apresentadas pelos próprios interessados, os jovens.

“Investimos em projetos que visam o desenvolvimento de habilidades empreendedoras e de competências técnicas ligadas às carreiras tecnológicas, contemplando metodologias inovadoras como a STEAM, que inclui o pensamento criativo por meio da arte”, explica a especialista. 

Além das ações já mencionadas, o Programa Juventudes trabalha com outros projetos para fortalecer a inclusão social, educacional e produtiva deste público jovem, como o Colmeias, PerifaImpacto e Repara na máquina. Conheça os projetos:

Colmeias – Seis cursinhos populares de Campinas integram o Programa de Extensão Colmeias de Cursinhos Pré-Vestibulares e Pré-Vestibulinhos, ligado diretamente à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, da Unicamp. Em 2022, a Fundação FEAC passou a apoiar financeiramente o programa, com um investimento de R$ 330 mil para subsidiar despesas com alimentação, transporte e insumos de informática utilizados nos cursinhos. O foco da FEAC é apoiar o estudante e garantir seu direito à educação. Leia mais.

Perifaimpacto – Realizado pela Casa Hacker e apoiado pela FEAC, o programa potencializa iniciativas e negócios de impacto social de jovens das periferias de Campinas. O objetivo é promover transformações sociais reais no município. O projeto iniciou uma nova trilha formativa neste mês de julho. Leia mais.

Repara na máquina – Iniciado em 2021, oferece qualificação para jovens em situação de vulnerabilidade atuarem com manutenção e recondicionamento de equipamentos eletroeletrônicos. O projeto nasceu com uma rede de apoio, formada por diversas cooperativas da área eletrônica.

Desafios no caminho até o mundo do trabalho 

São muitos os desafios que os jovens encontram para acessar o mundo do trabalho. Rodrigo Correia destaca algumas dificuldades: “A falta de experiência, exigida como critério de seleção da maioria das vagas, o nível de escolarização, uma parcela importante das juventudes não consegue concluir o ensino médio e acessar os cursos profissionalizantes, técnicos e/ou universitários, a própria mobilidade urbana e os custos de deslocamento até os polos industriais e/ou comerciais, principalmente para os jovens que vivem nas periferias afastadas do centro da cidade”, completa. 

Karina Cappelli acrescenta que outro desafio são as habilidades sociais e relacionais exigidas dos jovens no mercado de trabalho. “Muitas vezes estes jovens vivenciaram contextos de violência e não tiveram oportunidade de desenvolver as chamadas “soft skills” no formato exigido pelo mercado. A proatividade e a capacidade de exercer liderança são competências esperadas dos jovens nos processos seletivos e no exercício de funções laborais. Podemos citar também, como desafio, o fato de que a Lei da Aprendizagem ainda não é amplamente aplicada”, diz a especialista. 

Ela se refere à política pública que determina que empresas de médio e grande porte devem contratar jovens com contrato na modalidade de jovem aprendiz e estabelece os parâmetros dessa contratação, protegendo-os de trabalhos perigosos, degradantes ou prejudiciais ao seu desenvolvimento. “Entre outros benefícios, essa modalidade de trabalho está vinculada à frequência e ao desempenho escolar, evitando a evasão em virtude da necessidade de trabalhar”, destaca Cappelli.

Rodrigo Correia lembra que o Brasil é um país formado por diferentes juventudes e isso exige um olhar atento às particularidades de cada território. “É necessário criar espaços permanentes de escuta ativa dos jovens, estimular a sua participação social e política e proporcionar um alinhamento entre os desejos e projetos de vida que eles/as têm com as necessidades do mundo do trabalho. Fundamental fortalecer espaços de participação, ampliar investimentos, garantir a efetivação dos direitos conquistados e ampliar as políticas públicas de profissionalização, trabalho e renda”, conclui. 

Por Natália Rangel

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