Jovens negros têm 2,5 mais chances de serem vítimas de violência do que brancos, aponta pesquisa

Por: GIFE| Notícias| 13/04/2020

A cada dez pessoas mortas no mundo de maneira violenta, uma é brasileira. As vítimas, entretanto, parecem seguir um padrão. Segundo o Atlas da Violência 2019, dos 65.602 homicídios cometidos no Brasil em 2017, mais de metade – 35.783 – foi contra pessoas de 15 a 29 anos, faixa etária que representa 25% da população total do país. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o cenário permite cunhar o termo ‘juventude perdida’. 

Com o objetivo de entender quais medidas são eficazes para reverter ou amenizar o quadro, principalmente no que se refere à população de jovens negros, 2,5 vezes mais propensos a serem vítimas de um assassinato do que brancos, o Instituto Igarapé, com apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), lançou o estudo Prevenção da violência juvenil no Brasil: uma análise do que funciona. 

Entre os dados repercutidos e analisados pela pesquisa está o fato de que homicídio é a principal causa de morte dos jovens, com uma taxa de 65,5 por 100 mil habitantes (31,3 no âmbito de todas as faixas etárias no Brasil). Vale pontuar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em países europeus, a taxa não ultrapassa a casa de três homicídios a cada 100 mil pessoas. Em 2016, por exemplo, foram assassinados mais de 30 mil jovens com idades entre 15 e 29 anos, tornando essa a principal causa de mortes para homens entre 15 e 19 anos. 

Entre jovens negros, o cenário é mais grave: entre 2006 e 2016, houve um aumento de 23,1% na taxa de homicídios entre os negros, enquanto entre os não-negros houve uma queda de 6,8%. “Tome o exemplo da Paraíba, onde o risco de um jovem homem negro morrer pela violência é cerca de 13 vezes maior do que um jovem branco”, exemplifica Robert Muggah, um dos autores do estudo. 

O pesquisador afirma, ainda, que a juventude negra é a principal vítima da violência policial no país. Entre as 5.896 mortes cometidas por policiais entre 2015 e 2016, 65,2% das vítimas tinham entre 18 e 29 anos e 76% eram negras. Cerca de 14% de todos os entrevistados pelo levantamento relataram ter um amigo ou parente que foi morto por um policial ou guarda municipal. Ainda, em 2018, mais de seis mil pessoas foram mortas em ações policiais no Brasil, o que equivale a mais de seis vezes o número de mortos pela polícia dos Estados Unidos, levando em consideração que o país conta com uma população 55% maior que a brasileira. 

Importante reforçar que os índices também estão sujeitos a variações de acordo com o território. Entre 2005 e 2015, os índices de homicídio juvenil em São Paulo caíram quase 50%, enquanto no Rio Grande do Norte houve aumento de 292%. 

Educação 

Dentro dos inúmeros fatores que compõem as dimensões socioeconômicas e espaciais da violência no país, a educação tem um papel fundamental. Segundo a pesquisa, a falta de acesso à educação e de oportunidades educacionais está relacionada à insegurança, uma vez que distorção idade-série e abandono escolar faz com que jovens fiquem mais vulneráveis e suscetíveis à violência.

Segundo o Mapa da Violência 2015, por exemplo, 58% das vítimas de homicídio entre 15 e 19 anos em 2013 tinham apenas de quatro a sete anos de estudo. Para Robert, as intervenções mais efetivas para diminuição da violência são aquelas que reúnem esforços para garantir que os jovens permanecerão na escola, além de incentivar o desenvolvimento de habilidades para a vida e melhoria da auto-estima. 

“O programa Escolas do Amanhã, por exemplo, atua em comunidades vulneráveis e ajudou a reduzir taxas de evasão escolar. Além disso, estratégias adotadas por organizações não governamentais que envolvem esportes e programas no contraturno escolar também promoveram melhoria no senso de autovalorização e gestão da agressividade. Até programas de maior escala, como o Bolsa Família, mostram ter reduzido a violência entre jovens, assegurando que permaneçam na escola.” 

Outras estratégias relacionadas à educação, como terapia com base na família, terapia cognitivo-comportamental, treinamento para o mercado de trabalho, desenvolvimento de habilidades e programas de aprendizagem também mostram ser efetivos, segundo o pesquisador. 

O que pode ser feito? 

Na avaliação de Robert, uma combinação de medidas legais, políticas e programas pode prevenir a violência contra jovens. “Estratégias nacionais que priorizem prevenção e redução da violência são importantes para dar o tom e prover recursos para programas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) do Brasil, adotado em 1990, estabelece um conjunto de direitos básicos para crianças e jovens até 18 anos que estão alinhados com a Convenção da ONU dos Direitos da Criança. O ECA ajudou a melhorar alguns indicadores do desenvolvimento humano desde 1991, mas menos no caso da violência. Essas políticas nacionais, embora necessárias, são insuficientes.” 

Segundo o pesquisador, as medidas com melhores resultados são aquelas realizadas em escala estadual e municipal. Para exemplificar, cita casos em Minas Gerais com o programa Fico Vivo; Pacto Pela Vida, em Pernambuco; Estado Presente, no Espírito Santo, entre outros. “Programas que dão ênfase a políticas comunitárias, focando em jovens em situação de alta vulnerabilidade também apresentam altas taxas de efetividade. Além disso, o trabalho em parceria com organizações internacionais e nacionais, como organizações da sociedade civil como Laboratório de Análise de Violência, Observatório de Favelas, Luta Pela Paz, Afroreggae, Instituto Bola Pela Frente, Instituto Gol la Letra, Instituto Reação, Pró Ativo, e outras atingiu efeitos de redução de violência devido ao trabalho direto com jovens em ambientes informais de baixa renda.”

O custo da violência 

Além do sofrimento envolvido na perda trágica de vidas jovens em situações de extrema violência, o estudo também aponta uma estimativa de que, em 2010,  o assassinato de jovens entre 15 e 29 anos custou o equivalente a R$ 79 bilhões (US$ 40 bilhões). O valor podia, à época, chegar a corresponder a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) de estados mais afetados, como Alagoas que, naquele ano, registrou 456 homicídios de jovens entre 100 mil. 

Há pesquisas que avaliam a produtividade perdida na sociedade. Os autores citam que, em algumas avaliações, estima-se que cada morte jovem equivale a uma perda de 137 mil dólares para a sociedade, o que equivale a menos de 112,5 bilhões de dólares, ou 4,5% do PIB brasileiro, contabilizando os homicídios entre 1996 e 2015.

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