Juiz obriga acusados de crime ambiental a pagar multa para fundação de proteção à natureza

Por: GIFE| Notícias| 15/07/2002

MÔNICA HERCULANO

A Fundação SOS Mata Atlântica foi beneficiada por uma decisão judicial que pode confirmar um importante precedente na luta pela preservação ambiental. Quatro pessoas acusadas de loteamento irregular de solos para fins urbanos (crime previsto no art. 50, inciso I, da Lei nº 6.766/79 – Lei de Parcelamento do Solo Urbano) foram obrigadas a pagar R$ 40 mil à instituição.

O recurso está previsto na Lei do Juizado Especial (Lei nº 9.099/95), para delitos de pequena gravidade, e permite a suspensão do processo durante certo período de tempo, estipulado pelo juiz, desde que o réu cumpra algumas condições. Se ao final do período essas condições tiverem sido cumpridas, o processo criminal será extinto, sem que o réu seja condenado ou absolvido.

“”Apesar de a medida de suspensão do processo ser largamente utilizada pelos juízes, acreditamos que esta deva ser a primeira vez que um juiz impõe como uma das condições a serem cumpridas pelo réu o pagamento de uma quantia para uma entidade ambientalista””, afirma a advogada Erika Bechara, assessora jurídica da SOS Mata Atlântica.

Erika diz que com o pagamento a uma instituição, e nãoapenas o emprego do dinheiro no reflorestamento, surge uma forma a mais de benefício. “”O juiz não poderia abrir mão da reparação ao dano ambiental, mas ele foi além, exigindo que os réus indenizassem a coletividade, por meio do pagamento de uma quantia a uma instituição que, de certa forma, intermediaria esta compensação””, avalia.

A proposta da suspensão do processo partiu do próprio Ministério Público, que instaurou a ação penal, e foi acatada pelo juiz da 12ª Vara Criminal de São Paulo, Ruy Alberto Leme Cavalheiro. “”Nos casos em que há permissão legal para se efetuar aquilo que tecnicamente é chamado de transação penal, procuro encaminhar de maneira que haja reeducação e ressocialização do infrator, prestando serviço ou pagando multa em benefício de algo ou alguém que possa fazer uma reposição social, bem como se aproximando daquilo que foi lesado, para melhor se conscientizar da matéria””, conta o juiz, que diz não ter conhecimento de nenhuma outra ação parecida.

O pagamento será feito em parcelas, o que na opinião de Erika é mais uma oportunidade de reflexão sobre o assunto. “”A medida proposta pelo juiz tem muito mais o cunho de compensar os prejudicados pela ação dos infratores ambientais do que punir, vingar-se dos réus. E como eles ficarão cerca de 40 meses com este compromisso, terão oportunidade de estar constantemente refletindo a respeito do que fizeram””, acredita a advogada.

O juiz Cavalheiro diz que essa previsão legal é para entidades com finalidade pública, o que inclui as fundações de origem empresarial. “”Entendo que pode e deve ocorrer uma parceria adequada entre a magistratura e as fundações, ainda que derivadas de empresas, quando o destino de suas ações for a comunidade””, afirma o juiz. Ele ressalta a importância de lembrar que, neste caso, o prestador de serviço não é simplesmente um voluntário que dispõe de tempo e quer se dedicar a algo ou alguém, mas sim um indivíduo acusado de delito e que aceita uma pena para evitar o processo crime. “”Há que se ter em mente também o caráter de reeducar a pessoa, além de se beneficiar de seu trabalho ou da entrega de bens ou serviços””, conclui.

Cavalheiro explica que o recurso da transação penal deve merecer atenção de todos os sujeitos envolvidos no processo. “”Acredito e espero que essa decisão possa abrir precedentes. Devo acrescentar que a transação penal ainda é novidade entre nós, portanto, os aplicadores da lei estão aprendendo a lidar com ela. Também deve haver conscientização dos demais envolvidos no processo penal, tal como o Ministério Público e o advogado do acusado.””

Já o advogado Paulo Haus Martins atenta para a necessidade de utilizar a medida com critério. “”É a primeira vez que tenho conhecimento da utilização deste recurso para uma causa ambiental, apesar de ele já ser bastante praticado no âmbito da assistência social. No entanto, acho que as fundações não deveriam buscar isso como captação de recursos. É muito mais uma fonte de legitimidade, já que permite maior reconhecimento público da organização.””

Segundo ele, o valor recebido pode ser pouco frente ao que a instituição necessita. Além disso, o benefício deveria ser destinado a órgãos com ação mais ampla, como os fundos ambientais, o que evitaria que uma organização conseguisse mais recursos do que as outras. “”A transação penal é uma grande medida, porque evita punição desnecessária para um réu primário e recompõe o dano causado, mas é preciso apontar mecanismos éticos para sua aplicação””, conclui.

Com o dinheiro recebido, a Fundação SOS Mata Atlântica está elaborando uma edição atualizada do Manual de Denúncias: Como e a Quem Recorrer, que mostrará como identificar um crime ambiental e a importância das denúncias. O guia deve ser lançado ainda neste ano.

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