Legislação tributária para o terceiro setor precisa ser melhorada

Por: GIFE| Notícias| 27/10/2002

MÔNICA HERCULANO

Durante o Encontro GIFE 2002, o professor de direito constitucional e direitos humanos da PUC-SP, Oscar Vilhena, apresentou a palestra O Direito na construção de uma sociedade mais justa. Em entrevista ao redeGIFE, ele fala sobre justiça, pacto social e marco legal para o terceiro setor.

redeGIFE – O que é justiça?
Oscar Vilhena – O princípio básico da justiça é dar ao outro o respeito que exigimos a nós mesmos. Tratar o outro da forma como gostaríamos de ser tratados. Isso é princípio básico que informa todas as decisões de justiça. Se eu gostaria de ter a liberdade de expressão, eu tenho que estar disposto a conceder essa mesma liberdade a todas as outras pessoas. Se eu quero liberdade de religião, tenho que estar disposto a conceder isso a todas as pessoas. Se quero ter direito à educação, eu tenho que conceder esse direito a todas as outras pessoas.

redeGIFE – E qual a diferença entre justiça e direito?
Vilhena – A diferença é que o direito é fruto das injunções, das pressões, dos interesses pessoais e políticos, e não necessariamente atinge esse princípio de justiça. Quando o direito não dá a todas as pessoas as mesmas condições, não trata as pessoas com o mesmo respeito, está se dissociando da idéia de justiça. Ou quando as pessoas aplicam o direito de acordo com os seus próprios preconceitos, aí nós temos uma desaplicação do direito enquanto regra justa.

redeGIFE – Neste período eleitoral, fala-se muito em pacto social, em igualdade. O senhor acha que isso é possível ou é uma utopia?
Vilhena – Eu acho que o nosso pacto social, em termos de quais são as regras que devem ser respeitadas, foi estabelecido em 1988. Ou seja, a Constituição é o marco legal do pacto social brasileiro. Acho que se tem falado muito em repactuar, para que aquele pacto anterior possa ser levado a sério. Acho que esse é o passo seguinte: não tomarmos aquilo enquanto mero pedaço de papel, que não tem nenhum valor, mas sim como algo que deve reger as nossas relações, para que a nossa sociedade possa ser considerada uma sociedade minimamente justa.

redeGIFE – Como o senhor avalia a legislação para o terceiro setor hoje?
Vilhena – Eu acho que precisa ser melhorada. Mas principalmente a legislação tributária, no sentido de viabilizar a existência de um terceiro setor forte. Isso, a meu ver, é o mais importante neste momento. Eu acho que o terceiro setor se encontra hoje muito fragilizado, em face das suas dificuldades de sobrevivência. Essa seria a principal mudança que eu vejo como necessária nos próximos anos.

redeGIFE – E como a sociedade civil pode se aproximar do poder para tentar mudar este quadro?
Vilhena – Sem sociedade civil não se faz democracia. Não existe ambiente onde se troquem idéias legítimas e abertamente para se construir um plano de sociedade mais justa. Para que se possa ter um marco legal que viabilize as realizações e o comprometimento da sociedade civil, é necessário aplacar a fúria tributária imposta pelo governo e diferenciar aqueles que usam o mesmo espaço que nós, mas para obtenção de lucratividade. Acho que o argumento deve ser o da diferenciação do que é uma coisa e do que é outra, da institucionalidade de uma sociedade civil forte e a quebra da fúria tributária, ou pelo menos uma readequação para buscar fontes ainda não exploradas. Acho que esses três elementos são relevantes para reconstruir o marco legal do terceiro setor.

redeGIFE – O senhor trabalha numa organização chamada Conectas. Poderia nos falar um pouco sobre o trabalho da entidade?
Vilhena – A Conectas é uma organização que tem por missão fundamental o fortalecimento do movimento dos direitos humanos no hemisfério sul. Não só no Brasil, mas também na África e na Ásia. Nós trabalhamos com três áreas: a primeira delas é educação em direitos humanos e profissionalização dos seus militantes nessas organizações do hemisfério sul. A segunda é o fornecimento de capacidade legal, ou seja, advocacia para os movimentos de direitos humanos, para que eles possam defender as suas causas, e isso é feito por meio de um sistema de voluntariado de advogados que colaboram com pequenas organizações de direitos humanos. A última é a comunicação social. Estamos trabalhando na construção de uma agência de direitos humanos, que busque recolocar esse tema de uma forma mais adequada nos meios de comunicação. Pela nossa percepção, os direitos humanos se transformaram num tema proibido ou mal colocado. Deve haver uma ação integrada e sistemática para que este tema possa ser mais bem compreendido pela população.

redeGIFE – Já existe uma articulação com as entidades dos outros países?
Vilhena – Sim. Nós já temos uma articulação com mais de 200 organizações em diversos países do hemisfério sul. E a sede é em São Paulo.

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