Lei do Primeiro Emprego causa polêmica ao prever auxílio financeiro para voluntários

Por: GIFE| Notícias| 26/01/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A Lei 10.748/03, que institui o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego e acrescenta um artigo à Lei nº 9.608/98, mais conhecida como Lei do Voluntariado, está causando polêmica no terceiro setor. De acordo com o novo dispositivo, alguns prestadores de serviço voluntário podem receber auxílio financeiro por essa atividade. O assunto provoca opiniões contrárias e favoráveis entre os especialistas e profissionais de organizações da sociedade civil, que questionam se a nova lei descaracteriza ou não os princípios do voluntariado.

Segundo o artigo 1º da Lei 9.608, o serviço voluntário caracteriza-se por ser uma atividade não-remunerada. Já o artigo 13º da Lei 10.748 autoriza que jovens de 16 a 24 anos, cuja família tenha renda per capita mensal de até meio salário mínimo, recebam um auxílio de R$ 150, por um período de até seis meses, ao exercer atividades voluntárias em entidade pública ou instituição privada sem fins lucrativos.

Para a diretora executiva do Instituto Rio Voluntário, Heloísa Coelho, as vitórias alcançadas a partir do Ano Internacional do Voluntário (2001) e pelos centros de voluntariado de todo o país podem sofrer um retrocesso com a abertura deste precedente. “”O conceito de voluntariado pressupõe a não-remuneração daqueles que vão doar seu tempo, talento e habilidades, por motivações próprias, em benefício de pessoas ou de uma causa.””

Ela acredita que, se por um lado, os pré-requisitos para disponibilizar o auxílio financeiro podem representar um aumento de oportunidades de trabalho para jovens em situação de risco, por outro, este trabalho não vai se constituir de fato em um emprego, com todos os direitos trabalhistas garantidos. “”Além disso, o fato de que qualquer organização não-governamental sem fins lucrativos possa fazer uso da lei faz com que todos os jovens atendidos por ONGs com recursos próprios sejam contabilizados nas metas gerais do Programa Primeiro Emprego.””

O trabalho realizado seguindo as regras do novo dispositivo não constitui vínculo empregatício. Os recursos a serem repassados aos beneficiários virão do Programa Primeiro Emprego, após cadastro e mediante convênio com o Ministério do Trabalho e Emprego, ou podem ser da própria instituição. Em artigo publicado há duas semanas no redeGIFE, a advogada Érika Bechara (leia aqui a íntegra) lembra que o auxílio em questão não configura salário e as entidades que optarem por pagá-lo não correrão o risco de, mais tarde, virem a ser consideradas empregadoras e, portanto, devedoras de obrigações trabalhistas e previdenciárias. “”Isso, porém, se realmente se tratar de prestação de serviço voluntário, de uma relação constituída com base e nos termos da Lei 9.608/98.””

Ajuda de custo – De acordo com o secretário de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego, Remígio Todeschini, o auxílio financeiro estabelecido pela lei, na realidade, é uma ajuda de custo para o jovem durante seu processo de capacitação para um ofício ou profissão. “”O objetivo é que ele tenha minimamente a sua subsistência garantida. Não se trata de qualquer vínculo de trabalho, mas sim de um processo de preparação e qualificação.””

O presidente da Fundação Educar DPaschoal e conselheiro do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, Luís Norberto Pascoal, acredita que a existência de um auxílio financeiro não se configura em uma quebra de princípio da Lei de Voluntariado. “”É uma ajuda de custo que não tem valor de salário. Isso contribui para a auto-estima do jovem e estimula o compromisso do trabalho voluntário. A ajuda de custo, principalmente em grandes centros urbanos, na realidade é uma restituição pelos gastos com locomoção e refeição fora de casa.””

O artigo 3º da Lei do Voluntariado já permitia que o voluntário fosse ressarcido pelas despesas comprovadamente realizadas no desempenho dessas atividades, mas não previa valores.

Mónica Galiano e Barnabé Medeiros Filho, autores do livro Voluntariado na Empresa – Gestão Eficiente da Participação Cidadã, declaram-se contra um auxílio financeiro direto e individual. “”O artigo 13º dessa lei é um grande equívoco. A participação social espontânea e não remunerada é um princípio básico do voluntariado, e a motivação do voluntário costuma ser altruísta e desinteressada. Uma remuneração certamente desvirtua estes valores””, afirmam.

Eles sugerem que as organizações que queiram aderir ao estímulo ao primeiro emprego e que venham a contratar jovens para determinados serviços não os chamem de voluntários. “”Podem criar um grupo de serviço comunitário, capaz de conviver lado a lado com o corpo de voluntários. Naturalmente, será necessário deixar isso muito claro a todos os participantes e promover o debate interno sobre este tema, e talvez nem todas as organizações tenham condições de fazer isso sem criar confusões. Será imprescindível preparar-se””, afirmam.

Serviço comunitário – O fato da alteração à Lei do Voluntariado ter sido feita dentro de uma lei que trata de emprego, para Mónica e Medeiros Filho, já demonstra um equívoco conceitual. “”Parece que o legislador pegou uma ′carona′ na Lei do Voluntariado para poder criar algo como um primeiro emprego sem obrigações trabalhistas e previdenciárias. Poderia ter conseguido a mesma coisa sem causar esta confusão toda, usando, por exemplo, a expressão ′serviço comunitário′.””

Milú Vilela, diretora presidente do Centro de Voluntariado de São Paulo e do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, concorda que “”trabalho comunitário”” seria a terminologia mais adequada para definir as atividades de jovens que recebem auxílio financeiro em entidades privadas sem fins lucrativos. “”Com a atual necessidade do país em gerar empregos e oportunidades para os jovens, principalmente aqueles que são egressos de unidades prisionais, é fundamental que tenhamos políticas específicas para este fim. No entanto, consideramos essencial separarmos voluntariado de trabalho comunitário””, avalia.

Pela Lei 10.748, é preferível que o auxílio de R$ 150 seja concedido a jovens saídos de unidades prisionais ou que estejam cumprindo alguma medida sócio-educativa, ou ainda a grupos específicos de jovens trabalhadores submetidos a maiores taxas de desemprego.

Incentivar a remuneração de jovens em situação de risco, tendo o voluntariado como meio de visibilidade dessa ação, pode ter sido um dos motivos para promover uma alteração na Lei de Voluntariado, dentro da que instaura o programa de estímulo ao primeiro emprego. Essa é a opinião da presidente do Departamento de Voluntários do Hospital Israelita Albert Einstein, Telma Sobolh. “”Porém, na minha visão, esse programa nunca poderia estar ligado ao voluntariado, que não deve estar vinculado a um auxílio, pois assim perderia seu caráter. Isso pode gerar não conformidades e desvirtuar a atuação do voluntário””, afirma.

Para Milú Vilela, a principal característica do trabalho voluntário é a crença na causa, sendo importante preservar sua essência: o engajamento espontâneo dos indivíduos em ações sociais, ambientais ou culturais. “”O verdadeiro retorno do voluntário é ver que seu trabalho é importante para a transformação pretendida. Quando confundimos isso com um auxílio financeiro ou até mesmo com o cumprimento de penas alternativas, prejudicamos todo o trabalho que tem sido feito no Brasil para a promoção de uma cultura de voluntariado.””

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