Licitação para ONGs vira imbróglio no STF

Por: GIFE| Notícias| 11/04/2011

O governo deve aplicar a Lei de Licitações no processo de seleção das Organizações Sociais (OS) para a prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde? Essa é a questão em debate no Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) entraram com uma ação, ajuizada com pedido de liminar em 1998, Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923.

Os requerentes questionam a Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização, bem como o inciso XXIV, artigo 24, da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações), com a redação dada pela Lei 9.648/98.

Eles alegam que a lei promove “profundas modificações no ordenamento institucional da administração pública brasileira”. Isto porque habilita o Poder Executivo a instituir, por meio de decreto, um programa nacional de publicização “e, através desse programa, transferir para entidades de direito privado não integrantes da administração pública atividades dirigidas à prestação de serviços públicos”.

Os autores da ADI acreditam ainda que o caso se trata de um “processo de privatização dos aparatos públicos”. Sustentam, portanto, que as normas, de forma evidente, tentam afastar a prestação de serviços do núcleo central do Estado. “Tudo mediante um modelo mal acabado de transferência de responsabilidades públicas a entes privados”, completam.

No último dia 30 de março, o Ministro do STF, Carlos Ayres Britto reconheceu a constitucionalidade das parcerias entre entidades do Terceiro Setor e Estado, bem como a não aplicação da Lei de Licitações no processo de seleção das Organizações Sociais (OS) pelo Poder Público. Porém, chegou a dizer: “”O Estado globalmente terceirizar funções me parece aberrante””, disse. “”Não se pode obrigar o Estado a desaprender aquilo que é sua função””, afirmou.

O ministro confirmou também a natureza de convênio do denominado “contrato de gestão”, instrumento típico dessas organizações, também instituído pela Lei nº 9.637/98. Confirmou a inaplicabilidade do procedimento Licitação nos estritos termos da Lei 8666/93 para seleção dessas entidades, haja vista que a Lei de Licitações foi talhada para os contratos da administração pública, e não para os convênios (leia a íntegra do voto do relator).

“Esse voto foi uma aula de direito do Terceiro Setor porque trouxe luz e consistência jurídica ao debate nacional sobre o tema, afastando estigmas e mitos sobre os aspectos aqui analisados e outros mais específicos do funcionamento das OS”, esclarece Paula Raccanello Storto, que também atua como professora na mesma instituição de ensino e é conselheira de duas Organizações Sociais da Cultura do Estado de São Paulo – Associação de Amigos do Projeto Guri e Associação de Amigos do Museu Afro Brasil.

E o imbróglio ainda está longe de acabar, porque há aspectos ainda não discutidos no texto. É o caso do princípio da impessoalidade que, segundo a ADIN, teria sido ferido com a permissão do uso de bens públicos sem licitação. Outro ponto levantado na ação salienta que os salários dos dirigentes e empregados da organização social, embora pagos com recursos públicos, não são fixados nem atualizados por lei em sentido formal. “A contratação de pessoal também seria discricionária porquanto feita sem a prévia realização de concurso público, em violação aos princípios da impessoalidade, da eficiência e da isonomia”.

Por essas questões, depois do voto de Ayres Britto, o ministro Luiz Fux pediu vistas do processo, para uma análise mais cuidadosa, adiando ainda mais o processo. “Nesse amplíssimo contexto normativo, penso já poder se extrair uma primeira conclusão, os particulares podem desempenhar atividades que também correspondem a deveres do Estado, mas não são exclusivamente públicas”, afirmou o ministro Ayres Britto.

Mesmo assim, a professora das disciplinas “Direito e Legislação” e “Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas” no Curso de Pós-Graduação do COGEAE/PUC-SP sobre Gestão de Projetos Sociais, Laís de Figueirêdo Lopes, diz que não é preciso alarde. “Em diversos casos de clientes nossos, analisamos estes aspectos e obtivemos sucesso em instâncias administrativas e judiciais, com base nos exatos argumentos do voto”, explica 

Contexto
Segundo o advogado especialista em terceiro setor, Eduardo Szazi, em um contrato, o contratado entrega ao contratante um serviço ou produto, por um preço avençado. Esse preço é composto por custo mais lucro. Daí, na administração pública, ser necessária uma licitação, para que o Estado pague o menor preço. Nos convênios, o Estado e o conveniado fazem uma parceria para a execução de um serviço em benefício da população. Por ser uma parceria, cada uma das partes entra com algo, aquilo que se chama ‘contrapartida’.

Assim, nenhum dos parceiros ganha nada, razão pela qual o convenio é executado a preço de custo. Por isso, não há licitação. “Se a contrapartida do Estado é dinheiro entregue ao parceiro privado, então, este, além de entregar o produto no prazo, quantidade e qualidade avençados, deverá, ainda, prestar contas de onde gastou o dinheiro recebido, para demonstrar que não teve qualquer margem de lucro”, reitera.
Para o especialista, analisada a estrutura do contrato de gestão, conclui-se que ele se assemelha mais ao convênio do que ao contrato administrativo. ”Razão pela qual entendo correto o voto do Ministro Ayres Britto, ao equiparar o contrato de gestão ao convênio e, portanto, dispensá-lo de prévia licitação”.
“Também, como o gestor público deve atuar dentro dos princípios constitucionais da impessoalidade e publicidade, deve, o gestor, justificar a razão pela qual escolheu uma dada entidade como parceira, podendo fazer isso por meio de um processo seletivo especial, público e objetivo, ou por meio de uma contratação direta. Nesse sentido, acho que o voto do Ministro reafirma o melhor entendimento da matéria, alinhado, inclusive, com o entendimento consolidado do Tribunal de Contas da União”, acredita Szazi.
A ação foi proposta pelo PT e pelo PDT, durante o governo do então presidente Fernando Henrique. Os dois partidos questionaram o modelo na época – hoje, administrações do PT adotaram o modelo.

Com informações do STF.

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