Livro conta história da cidadania e das lutas por inclusão social

Por: GIFE| Notícias| 22/04/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Na última terça-feira (15/4) foi lançado, em São Paulo, o livro História da Cidadania (Editora Contexto). Reunindo 24 autores, entre historiadores, economistas, filósofos, sociólogos e antropólogos, a publicação trata da origem do conceito de cidadania e das lutas por inclusão social ao longo da história.

Carla Bassanezi Pinsky, uma das autoras, fala em entrevista ao redeGIFE sobre o exercício da cidadania nos dias atuais.

redeGIFE – Como surgiu a idéia de fazer o livro?
Carla Pinsky – A idéia surgiu no momento em que constatamos que a noção de cidadania estava sendo usada de forma muito ampla, para diversas coisas, como direitos do consumidor, boa educação, atravessar a rua na faixa. Cidadania virou uma palavra que servia pra tudo e o conceito estava se esvaziando. Constatamos que há uma história, que o conceito de cidadania foi construído ao longo do tempo, com diversas noções que se incorporaram a ele e o ampliaram. A partir daí, pesquisamos, vimos que não existiam obras sobre isso e resolvemos fazer o livro.

redeGIFE – E qual é o conceito de cidadania descoberto com esse trabalho?
Carla – São os direitos e deveres básicos do cidadão. Disso fazem parte os direitos civis, que são o direito à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, o direito de ir e vir, o direito à vida; os direitos políticos, que incluem o direito de votar, de ser votado e de participar da decisão dos rumos da comunidade e do país, de se associar livremente às pessoas com quem se tem afinidade, seja um time de futebol, um clube de leitura ou de partidos políticos; e os direitos sociais, que são os direitos à educação, ao trabalho, à participação na riqueza coletiva, à saúde, a uma velhice tranqüila. Essas são as bases do conceito moderno de cidadania.

redeGIFE – Quando surgiram esses conceitos?
Carla – Os direitos civis surgiram com o Iluminismo e foi na época em que se começou a criar esse conceito moderno de cidadania, como entendemos hoje em dia. Foram desenvolvidos principalmente nos tempos do que consideramos as revoluções básicas. Foi o período da formação dos estados nacionais e, depois, no tempo da Revolução Inglesa, da independência americana e da Revolução Francesa.

redeGIFE – Existe muita diferença no exercício da cidadania no Brasil e em outros países? Em quais aspectos isso ocorre?
Carla – Existe muita diferença. Por exemplo, há países como a Alemanha, onde a cidadania está ligada a sangue e não adianta nascer lá para ser considerado alemão, é preciso ter diversas gerações. Na Argentina ainda existe a exigência que o presidente seja católico, ou seja, uma questão religiosa influenciando nos direitos políticos. E isso quando falamos de países ocidentais. Existe ainda a questão dos direitos das mulheres, dos negros, das minorias, diferentes em muitos países. Há lugares onde, por exemplo, o preconceito é maior e o acesso à saúde e à educação é diferenciado também por critérios raciais, étnicos ou lingüísticos.

redeGIFE – Isso tudo está muito ligado à cultura do país?
Carla – À cultura e à história do país. Mas o que desenvolvemos no livro é que existem conquistas da cidadania que deveriam fazer parte de todo o patrimônio da humanidade. A bandeira de liberdade, igualdade e fraternidade levantada na Revolução Francesa não deve se restringir à França. É uma conquista e um avanço que deveriam se espalhar pelo mundo inteiro. A mesma coisa com a questão das mulheres. Quando um país dá direito de voz para as mulheres, isso deve se ampliar para o mundo todo.

redeGIFE – É importante especificar cidadania para mulheres, para negros, para crianças, para idosos?
Carla – É importante porque, às vezes, a idéia de igualdade não dá conta das particularidades de cada um desses grupos. Por exemplo, quando as primeiras mulheres, ainda no século XVIII, começaram a falar de igualdade, elas queriam ter os mesmos direitos dos homens. Depois, elas viram que as mulheres tinham que ter direitos a especificidades, como licença maternidade ou leis protetoras do trabalho feminino. A mesma coisa acontece quando falamos de idosos ou com relação aos trabalhadores. O texto do economista Paul Singer no livro trata do surgimento dos direitos sociais. Ele diz que os direitos sociais surgiram basicamente para aquelas pessoas que não tinham nenhuma posse, o único bem que possuíam era sua própria capacidade de trabalho. Também há um capítulo especial sobre os índios. Graças a leis protecionistas e ao reconhecimento da especificidade cultural de grupos indígenas, eles puderam se desenvolver e aquela previsão catastrófica de que desapareceriam do Brasil, muito forte nos anos 50, foi negada pela própria história. Hoje em dia, demograficamente, o número de índios reconhecidos como tais aumentou no Brasil, porque sua cultura e suas particularidades foram reconhecidas pela sociedade.

redeGIFE – Apesar de ainda não ser como deveria?
Carla – Sim, mas já avançamos. O resultado das últimas pesquisas é que se tem avançado bastante nesse sentido.

redeGIFE – Qual a diferença entre lutar pela cidadania e lutar por direitos sociais?
Carla – Direitos sociais é uma das bases da cidadania em geral. Você pode ter direito à uma boa educação, ao trabalho, a um salário justo, mas pode ter negados seus direitos políticos, por exemplo. O ideal é que os três tipos de direitos estejam contemplados na cidadania, mas eles caminham de uma maneira relativamente independente ao longo da história. A militância de cada pessoa depende da afinidade, mas não vejo isso como uma coisa ruim. No final das contas, todos estão lutando pela melhoria da humanidade.

redeGIFE – As políticas públicas e privadas são adequadas ao atual conceito de cidadania?
Carla – Nos últimos tempos, com a queda da União Soviética e dos estados socialistas, as nações capitalistas, que antes mantinham uma política de bem-estar social e de assistência, começaram a deixar isso para a iniciativa privada. Isso era uma tendência do começo do neoliberalismo, que na minha opinião é uma tendência negativa, mas que agora está sendo combatida. Não que eu defenda a volta do Estado burocrático e centralizador, mas existem algumas coisas básicas que o governo deve garantir para a população. A questão do meio ambiente, por exemplo, é muito ampla e se não tivermos um mecanismo que coordene todas as ações, elas não serão tão eficientes quanto deveriam. A parceria entre governo e sociedade civil é fundamental.

redeGIFE – Existe algum impacto significativo da globalização no exercício da cidadania no Brasil?
Carla – Sim, para o bem e para o mal. Prefiro falar do lado bom das coisas: o acesso à informação está muito maior, a circulação de informações favorece muito a troca de contatos entre grupos de vários países, há mais conhecimento de idéias que estão surgindo, fóruns mundiais são organizados. As idéias de liberdade e igualdade circulam muito mais e acabam virando mesmo patrimônio da humanidade. A pressão sobre países que não dão liberdade para as mulheres, por exemplo, é muito maior. O lado negativo é que o crime organizado também está sendo globalizado, o crime internacional, a máfia, a circulação de drogas, o terrorismo não está mais restrito a determinadas regiões de conflito e acaba atingindo várias pessoas que não têm nenhuma relação direta com aquele protesto. Fuga de capitais também é uma coisa que acontece com uma rapidez muito grande, investimentos vão e vêm muito mais rapidamente. Acho que a globalização está aí, é inevitável, então temos que tentar ver de que maneira atuar dentro dessa realidade. Não adianta negar, combater a globalização, queimar McDonald′s em protesto. Isso é ridículo.

redeGIFE – Com essa globalização as pessoas acabam também fazendo parte de redes internacionais ligadas a grandes temas, como o Greenpeace.
Carla – Isso acaba com aquele bairrismo. Você se sente pertencente à humanidade mesmo.

redeGIFE – E isso não pode ser negativo, se pensarmos que se deveria dar mais atenção aos problemas da própria comunidade?
Carla – Isso depende da consciência e do conhecimento de cada pessoa. Nessa época de guerra, por exemplo, vimos vários protestos ineficientes, enquanto estamos vivendo aqui no Brasil quase uma guerra civil, violência nas ruas e tudo mais. Às vezes, a pessoa se liga a uma causa internacional e esquece o que está acontecendo ao lado da sua casa. Isso acontece e é inevitável. Ter o conhecimento das lutas pela inclusão social e das idas e vindas ao longo dos séculos aumenta muito a consciência social.

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