Livro discute papel da tecnologia na promoção do desenvolvimento social

Por: GIFE| Notícias| 12/07/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Editado pela Rits (Rede de Informações para o Terceiro Setor), com apoio da Fundação Heinrich Böll, o livro Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação – Um Tema de Tod@s traz os resultados do encontro realizado em dezembro de 2003, em Genebra (Suíça).

Organizada por Paulo Lima e Graciela Selaimen, respectivamente diretor executivo e diretora de informação e comunicação da Rits, a publicação traz todos os documentos oficiais do encontro traduzidos para o português, além de artigos que falam sobre as perspectiva para a sociedade civil dentro do tema. O conteúdo está disponível para download gratuito no site do Observatório de Políticas Públicas de Infoinclusão (www.infoinclusao.org.br).

A cúpula teve como propostas desenvolver uma visão de sociedade global e encontrar maneiras de realizar essa visão, por meio do uso de tecnologias da informação e da comunicação. Em entrevista ao redeGIFE, Graciela Selaimen fala sobre o livro recém-publicado e sobre a importância do tema para o trabalho da sociedade civil organizada.

redeGIFE – Como podemos definir o conceito de “”sociedade da informação””?
Graciela Selaimen – Há muitas divergências quanto à definição deste conceito. Manuel Castells, por exemplo, distingue as noções de “”sociedade da informação”” e “”sociedade informacional””. Segundo ele, a informação sempre foi importante na história, ou seja, não se diria nada de novo com o primeiro conceito. Já “”sociedade informacional”” indicaria uma forma específica de organização social “”em que a geração, o processamento e a transmissão da informação se convertem nas fontes fundamentais da produtividade e de poder””.
Entre ativistas da sociedade civil envolvidos na Campanha Cris pelo Direito à Comunicação na Sociedade da Informação e no processo de discussão da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), questiona-se a validade do conceito. Desde o início dos debates em torno da CMSI, as organizações da sociedade civil estiveram preocupadas em alertar para o perigo da simplificação no uso da expressão “”sociedade da informação””, lembrando que esta noção, conforme vem sendo tratada, é guiada pelos interesses de corporações transnacionais, tratando com superficialidade as verdadeiras necessidades humanas. Sendo assim, este conceito não é endossado por muitos ativistas da sociedade civil e considera-se essencial reabilitar o termo “”sociedade da informação””, para afirmar que não há um único modelo de sociedade da informação, mas muitas “”sociedades da informação”” possíveis.
Acreditamos que este é um conceito que ainda está em construção e qualquer definição que pudéssemos apontar, agora, seria superficial. De qualquer modo, acreditamos que não se trata de uma única sociedade, mas sim de sociedades plurais centradas na informação e na comunicação para a construção das relações econômicas, culturais, políticas, sociais etc.

redeGIFE – De quais fatores depende o bom desenvolvimento da sociedade da informação?
Graciela – Depende de que tipo de sociedade se pretende desenvolver. Se quisermos sociedades justas, igualitárias e democráticas, é evidente que precisamos lutar pela participação de todas as pessoas nesta sociedade. Isso acontece quando elas têm acesso à informação, acesso às tecnologias de informação e comunicação, quando são educadas para seu uso, quando compreendem como a informação e a comunicação podem ser utilizadas de forma estratégica e promover o desenvolvimento humano e social.

redeGIFE – Qual foi a importância da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação para a sociedade civil brasileira e internacional?
Graciela – É uma cúpula que trata de temas que atingem diretamente a todas as organizações da sociedade civil e a todos os cidadãos e cidadãs, em última instância. Está se discutindo na CMSI o respeito aos direitos fundamentais, ou o desrespeito a eles, e sobre que pilares as relações sociais devem se construir, no novo modelo de sociedade que está se desenhando. Se serão focadas nos interesses das pessoas e voltadas ao desenvolvimento humano ou se serão balizadas pelos interesses comerciais. Isso diz respeito a toda a sociedade e é de fundamental importância que a sociedade civil organizada acompanhe e participe destas discussões que estão sendo levadas no âmbito da CMSI.

redeGIFE – A sociedade civil teve o espaço ideal na realização da cúpula?
Graciela – Não teve o espaço ideal. O processo de definição sobre a participação da sociedade civil foi confuso, com avanços e retrocessos. De maneira geral, podemos afirmar que a sociedade civil conseguiu definir seu espaço na cúpula, não por concessão ou boa-vontade das entidades organizadoras do evento, mas sim por sua capacidade de mobilização utilizando as tecnologias de informação e comunicação (TICs). O trabalho em espaços informais (e virtuais) foi intenso e trouxe resultados importantes: a Declaração da Sociedade Civil apresentada em dezembro de 2003, em Genebra (Suíça), é o melhor exemplo. A sociedade civil conseguiu construir sua declaração, alternativa aos documentos oficiais da CMSI (Declaração de Princípios e Plano de Ação). Este documento, apresentado na plenária oficial, também está sendo considerado como um dos documentos resultantes do evento. Foi uma bela conquista.

redeGIFE – Qual a importância da comunicação para a sociedade da informação? Isso tem sido reconhecido?
Graciela – Nos documentos oficiais da Cúpula, fala-se somente em “”sociedade da informação””, como se a comunicação não fosse também um elemento constitutivo dessa sociedade. Entretanto, na Declaração da Sociedade Civil, utiliza-se sempre a expressão “”sociedades da informação e comunicação””. Embora a Declaração de Princípios da CMSI expresse, logo em seu começo, que “”a comunicação é um processo social fundamental, uma necessidade humana básica e o fundamento de toda organização social””, não se trata a comunicação como um direito, nem como algo intrínseco ao novo modelo de sociedade que está se construindo. Este tratamento diferenciado dado à informação e à comunicação já ocorre há bastante tempo, na ONU. É uma discussão antiga, que já gerou muita polêmica e controvérsia – por exemplo, o debate sobre a proposta da NWICO – Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação, acabou com a saída dos Estados Unidos da Unesco, na década de 70.
Na minha opinião, isso acontece porque o direito à comunicação significa também o direito a ter presença e participação. Não somente acesso à informação mas, muito mais que isso, ter acesso aos meios de produção e distribuição da informação. Isso é ameaçador aos grandes monopólios da indústria da mídia e do entretenimento – que empurram seus conteúdos e suas verdades aos consumidores de informação. Defender o direito à comunicação, construir sociedades da informação e da comunicação significa lutar para que os cidadãos e cidadãs passem a ser também produtores de conteúdos, criar alternativas aos produtos das grandes corporações – e isso ameaça a indústria que está aí, ditando as regras e os padrões. Sobre este tema, é importante ressaltar a importância da Campanha Cris pelo Direito à Comunicação na Sociedade da Informação. A Cris é constituída por organizações e ativistas de diversos países do mundo, ligados ao tema da comunicação. Estamos trabalhando, neste momento, para a consolidação do capítulo brasileiro da campanha. Há um grupo começando a debater alguns temas em uma lista de discussão e em breve será lançado o site da Cris Brasil no endereço www.crisbrasil.org.br

redeGIFE – Há quem defenda a idéia de que os conflitos internacionais ocorridos a partir do ano 2000 influenciaram a preparação da Cúpula. Vocês concordam? De que maneira isso aconteceu?
Graciela – Os conflitos internacionais influenciam, sim. Há uma tentativa, de alguns governos, de usar os eventos de 11 de setembro de 2000, e outros subseqüentes, como argumento para um maior controle sobre a informação, para a vigilância e mesmo a violação do direito à privacidade e à livre expressão. Um dos grandes desafios nesta cúpula tem sido garantir direitos humanos fundamentais, em oposição à tendência em direção ao controle em nome de uma segurança questionável.

redeGIFE – Quais são as principais divergências e as convergências entre as idéias brasileiras e as de outros países quando o assunto é sociedade da informação?
Graciela – O Brasil adotou posições progressistas em relação a temas como software livre, governança da internet e mesmo quanto à menção dos direitos humanos nos documentos oficiais. É difícil apontar principais divergências e convergências numa discussão deste tipo, uma vez que foram 175 delegações de governos participando. Evidentemente, o Brasil convergiu e divergiu em relação a muitas posições diferentes.

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