Lucro é assunto tabu no mundo dos empreendimentos sociais?

Por: GIFE| Notícias| 09/10/2006

Rod Schwartz*””Não, absolutamente!”” “”Não, eu certamente não a incluiria.”” Essas são as respostas típicas, surpreendentemente firmes e claras, à pergunta “”A Justgiving é um empreendimento social?””. Para aqueles que ainda não ouviram falar a respeito, a Justgiving é uma empresa privada que se tornou o maior site de doações online da Europa. Trabalhei na empresa de 2003 a março deste ano (quando deixei o cargo de Presidente) e, nessa condição, fiz essa pergunta a vários especialistas conhecidos no setor de empreendimentos sociais.

Mas, pense. A Justgiving permitirá que um valor bem acima de £70 milhões seja direcionado dos doadores para ações sociais neste ano. Uma parte substancial desse dinheiro não teria ido para caridade de outra forma. Esse impacto financeiro coloca a empresa no mesmo nível das maiores instituições de caridade do Reino Unido, algumas das quais décadas mais antigas, em contraste com a Justgiving, que foi criada em 2000.

A firma emprega uma equipe etnicamente diversificada, é dirigida por duas mulheres (algo ainda incomum nos negócios) e considera formalmente o amplo espectro de interessados (não apenas acionistas) em suas atividades. Além do dinheiro que arrecada para ações de caridade, a Justgiving as ajuda, promovendo suas mensagens, reduzindo custos administrativos e incentivando o esforço de levantar fundos online.

A questão da propriedade

Existe, claro, uma discordância sobre o que constitui exatamente um empreendimento social. É o que uma empresa faz ou não faz, onde faz, como faz, por que faz ou quem faz? A Justgiving, de acordo com especialistas, tropeça em um outro obstáculo: quem é dono da empresa. O fator de desqualificação é que seus investidores podem lucrar muito com seu sucesso. Isso, acreditam eles, supera qualquer outra consideração e é a essência de tudo o que está errado com nosso sistema econômico.

Para mim, a Justgiving é realmente um empreendimento social. Talvez seja sua estrutura de capital, que permite uma acumulação de riqueza substancial, que a tenha levado a ser mais bem-sucedida do que de outra forma, e assim gerar muito mais em benefícios sociais.

A saga da The Body Shop pode ser instrutiva. Os críticos ficaram injuriados por sua venda à L′Oreal. Ainda assim, como ressaltei em outra ocasião (Guardian Unlimited, 30 de junho de 2006), é provável que esse evento impulsione substancialmente as empresas sociais. O setor necessita de histórias de sucesso comercial que encorajem outros investidores. Levando-se em conta a história da Roddicks, a maior parte dos £100 milhões a mais que vai receber provavelmente será canalizada para empresas sociais.

O crescimento da Justgiving

A Justgiving tem sido muito bem-sucedida. Desde 2003, o fluxo de caridade aumentou aproximadamente de £2 milhões para um nível esperado acima de £70 milhões em 2006. Essa incrível taxa de crescimento foi alcançada em receitas, e um prejuízo de sete dígitos está orçado para se tornar um lucro de sete dígitos. Além de se tornar o principal fornecedor no Reino Unido, a Justgiving tem-se expandido pelos EUA (um exemplo muito raro de modelos empresariais inovadores indo à direção oeste), com igual crescimento extraordinário.

Observadores atentos atribuem o sucesso da Justgiving ao uso muito fácil do site. Além disso, uma pesquisa da própria Justgiving documenta uma alta taxa de satisfação do cliente com suas ofertas de produtos básicos (uma forma fácil, rápida e simples de doar para caridade pela Internet). A empresa também se beneficia por entender profundamente a experiência do cliente e por saber claramente quem ele é (esse último aspecto foi trabalhado por muitos anos). Essa alta satisfação do cliente e a facilidade de uso relatada advêm de exames e testes criteriosos de cada aspecto de sua oferta. Vi isso na Justgiving e em outras empresas com fins lucrativos, mas raramente em empresas onde inexiste o motivo da acumulação de riqueza.

Como em todo começo, o controle efetivo de custos tem ficado em evidência. Além do mais, comparada a outras pontocoms, a Justgiving desperdiçou poucos recursos em marketing de massa dispendioso. A CEO também é uma juíza astuta quanto às novas iniciativas que representam oportunidades fantásticas e àquilo que apenas consumirá tempo valioso. Essa sensibilidade elevada para gastar e o gerenciamento de recursos agressivo são traços típicos dos empreendedores voltados para o lucro que observei. Por outro lado, encontrei outras empresas no setor da caridade que são por vezes mais relaxadas quanto a despesas. Por último, embora talvez mais importante, a CEO selecionou uma excelente equipe que complementa seus próprios pontos fortes consideráveis.

Porquê as empresas com fins lucrativos podem ter uma vantagem

A CAFonline, que faz parte da Charities Aid Foundation (CAF), opera no mesmo mercado, mas seu crescimento tem sido bem menor. Embora não haja números detalhados disponíveis, soubemos que, desde seus primórdios, houve uma movimentação de £29 milhões nas contas da CAFonline, em contraste com o total da Justgiving, de £35 milhões somente em 2005. Diante de taxas de crescimento tão divergentes, é provável que essa lacuna aumente.

Poucos negariam que a CAFonline seja um empreendimento social e muitos concordariam que tem sido bem-sucedida. Ainda assim, a lacuna no desempenho entre ela e a Justgiving é muito grande e não deve ser ignorada. Observadores atentos da empresa social precisam abordar uma questão fundamental: existe algum tipo de contribuição dos modelos orientados para o lucro, na esfera das empresas sociais, que possa, em certos casos, criar um valor social incremental? Ao levantar essa questão, estou presumindo que mais doações para caridade equivalem a maior valor social. Trata-se logicamente apenas de uma dimensão do valor social, mas poucos negariam que mais dinheiro para caridade é melhor do que menos.

Isso não significa que a CAFonline não dê uma importante contribuição como empreendimento social. Seu objetivo não é ter lucro (a própria CAF busca o ponto de equilíbrio), mas aumentar os fundos para o setor da caridade e juntar doadores e caridade. Ao fazer isso, ela trabalha com mais entidades de caridade do que a Justgiving (permitindo acesso a aproximadamente 220.000). A CAFonline talvez faça isso por causa do impacto social de tal serviço, que é consistente com sua missão. Seus serviços “”pagos”” permitem que ela reinvista em serviços gratuitos para entidades de caridade. A Justgiving, com objetivos diferentes, não aceitaria nenhum cliente que não pudesse aumentar a lucratividade no todo.

Sem adentrar na qualidade relativa do trabalho que as duas organizações executam, fica claro que as diferenças de objetivos resultam em comportamentos diferentes. As duas organizações possuem objetivos diferentes, desempenham diferentes papéis e geram diferentes resultados. Ambas agregam valor social. Dado o objetivo explícito de gerar crescimento máximo na doação para caridade online, um objetivo valioso segundo a maioria dos padrões de medida, o modelo da Justgiving parece funcionar melhor. Os profissionais com interesse em promover o empreendimento social estão prestando um desserviço ao setor ao não levá-la em conta.

Conclusão

Empresas com fins lucrativos, lógico, nem sempre crescem mais rápido ou se saem melhor. A Bmycharity, outra empresa privada baseada no Reino Unido e ativa no setor, é substancialmente menor, com £7 milhões em doações desde sua criação, embora tenha sido lucrativa antes da Justgiving. A Kintera, baseada nos EUA, possui ambições e recursos muito maiores que a Justgiving, mas perdeu dinheiro consistentemente (no primeiro trimestre de 2006, ela relatou uma perda líquida de $9,3 milhões, com receita de $10,7 milhões). Mas nada disso enfraquece o argumento de que o modelo com fim lucrativo pode ser importante produtor de benefício social.

Nós, que fazemos parte do setor de empreendimentos sociais no Reino Unido, precisamos explorar modelos variados para atingir nossos objetivos sociais. Ao eliminarmos aqueles que buscam o lucro, colocamos o setor em desvantagem e desencorajamos a tão necessária entrada de capital. Acho que devemos aplaudir empresas bem-sucedidas e com crescimento rápido como a Justgiving, que também geram valor social.

*Rod Schwartz é CEO da firma de capital de risco Catalyst Fund Management & Research Ltd. Em março, ele deixou o cargo de Presidente da JustGiving.com, da qual retém algumas opções de ação.
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