Marco regulatório da sociedade civil avança, mas desafios continuam

Por: GIFE| Notícias| 28/03/2014

O aperfeiçoamento do marco regulatório da sociedade civil tem ocupado lugar central nos debates sobre o fortalecimento das organizações sem fins lucrativos e do investimento social privado.

Em 2009, o GIFE lançou a publicação “Perspectivas para o Marco Legal do Terceiro Setor”, inspirado pelos princípios da Carta de Curitiba (2006), analisando quatro dimensões fundamentais: (1) Transparência e controle social; (2) Liberdade de organização e funcionamento; (3) Imunidades e isenções tributárias; e (4) Incentivos fiscais para iniciativas de interesse público.

De lá para cá, o tema ganhou espaço. Já no ano de 2010, um grupo de organizações e movimentos se articulou em uma Plataforma para um novo Margo Regulatório para as Organinzações da Sociedade Civil e apontou a necessidade de aprimoramentos nas leis referentes às parcerias com o governo.

Em 2011, o governo federal criou um Grupo de Trabalho Interministerial – comandado pela Secretaria Geral da Presidência da República – em conjunto com uma série de entidades para ampliar o debate. Na ocasião, foi elaborado um plano de ação com 50 propostas, em três eixos orientadores: contratualização, sustentabilidade econômica e certificação.

Mas, o que avançou de fato ao longo destes cinco anos nesta agenda que visa aperfeiçoar o ambiente jurídico e institucional relacionado às organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado?

De acordo com advogada Lais Figueirêdo Lopes, assessora especial da Secretaria para esta temática, 68% das propostas estabelecidas pelo documento inicial estão sendo implementadas ou já foram encaminhadas. A avaliação foi apresentada durante atividade promovida no Congresso GIFE, que contou ainda com a presença de Eduardo Pannunzio, do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada, Direito da FGV, e Flávia Regina de Souza, da Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Entre os avanços conquistados estão, por exemplo, a criação da Lei de Acesso à Informação, que regula transparência ativa pelas OSCs que recebem recursos públicos; a alteração na Lei do CEBAS (Certificado de Entidades Beneficientes de Assistência Social), a respeito da regulação sobre pagamentos de dirigentes; e a alteração da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) de 2014 com participação social, que fala das regras sobre o repasse dos recursos públicos para as OSCs.

Há ainda a tramitação do PL 7168/2014 (PLS 649/2011) que está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que traz várias questões importantes para regulamentação da relação entre Estado e OSC. “Estamos trabalhando para que ele seja aprovado ainda neste ano. Depois, temos a possibilidade de melhorar ainda mais a gestão de parceria entre o governo e a sociedade civil”, destaca Lais.

Segundo Flávia de Souza, apesar das diversas alterações nas legislações já realizadas, é preciso ainda avançar muito, pois há limitações nas normas, mesmo em mudanças já estabelecidas. No caso referente ao pagamento de dirigentes, por exemplo, as regras acabam se aplicando a poucas entidades e em questões muito específicas.

“Isso gera uma insegurança jurídica e enfraquece o poder das organizações frente a todos os atores que ela tem que interagir no dia a dia. A lei do CEBAS, por exemplo, mudou em 2009, foi regulamentada em 2011 e teve alteração em 2013. Os primeiros resultados e julgamentos do novo certificado começaram acontecer somente agora”, explica.

A especialista ressalta ainda a intensa fiscalização da Receita Federal sobre as organizações, sendo que muitas regras estabelecidas não são possíveis de serem seguidas pelas entidades devido às suas especificidades, ou a postura de prefeituras e estados que gerem contratos de gestão com as OSC como se fossem de prestação de serviços, atuando com impostos que não condizem.

Na opinião do advogado Eduardo Pannunzio, mais do que criar novos projetos de lei, seria mais eficiente focar todos os esforços no aperfeiçoamento de instrumentos que já estão estabelecidos como, por exemplo, decretos que poderiam ser estabelecidos rapidamente, dando agilidade aos processos.

Propostas de ação

Para avançar em relação ao estabelecimento de um marco regulatório, os especialistas apontam alguns caminhos a serem adotados.

Para Eduardo, a sociedade civil organizada deve ter uma postura mais autônoma e proativa, de autorregulação, e passar a definir algumas regras próprias e não esperar mudanças radicais vindas por parte do Estado. Um dos campos desta atuação poderia ser em relação às certificações, como já ocorre em outros países. Nesta proposta, um conselho estabelecido pelas próprias OSCs seria o responsável por definir boas práticas de transparência e controle e dar os devidos títulos e certificados às entidades.

Na avaliação da assessora pela Secretaria Geral da Presidência da República, existe a necessidade do país avançar no debate sobre a sustentabilidade econômica das organizações, como, por exemplo, em incentivos fiscais para as pessoas físicas que querem fazer doações. Outra legislação que poderia ser incorporada seria o esstabelecimento do Simples Social e também a criação de fundos públicos, estatais etc, para ampliar os recursos.

Lais Figueirêdo aponta ainda num olhar mais atento em relação à agenda de conhecimento que faz parte do plano de ação. Em sua opinião, muito mais do que reformas jurídicas, o que falta ainda é informação e conhecimento sobre esse universo, tanto por parte dos gestores públicos que não conhecem a realidade das ONGs, quanto dos gestores sociais que desconhecem a lógica de operação dos convênios públicos. Essa falta de informação dificulta os processos e a relação de transparência necessária para uma parceria efetiva.

A consequência disso, segundo os especialistas, é a criação de um ambiente de intensa desconfiança em relação às entidades. Para reverter esse quadro, a aposta é numa atuação mais estratégica, com uma incidência institucional por parte das OSCs, que vá além da busca por novas normas. “As propostas técnicas ajudam, mas tem um lado estratégico, da dimensão do simbólico, que normalmente não está dentro da sala, mas sim na sociedade como um todo. Isso diz respeito ao repertório sobre o papel das entidades. Precisamos construir um ambiente favorável de valorização do trabalho das organizações da sociedade civil como atores fundamentais da democracia. Essa visão precisa ser massificada”, acredita Lais.

Segundo Eduardo um esforço neste sentido é as OSC evidenciarem, cada vez mais, suas ações de forma sistemática e com indicadores de resultados. “Nunca conseguimos fazer comparações de fato interessantes, dizendo se tal organização em relação ao campo está avançada ou não, se suas práticas de governança e transparência são boas ou ruins. É necessário organizar estas informações dispersas e permitir comparações. Por isso, seria interessante criarmos um índice de transparência das ONGs que permitisse um benchmarking do terceiro setor”, acredita Eduardo.

Outro ponto central para os especialistas visando fortalecer o tema no Brasil é garantir a efetividade da implementação da agenda de modo permanente, com um constante monitoramento do que tem sido feito, assim como a criação de novos espaços para diálogo e interloculação entre todos os envolvidos.

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