Mecanismos de renúncia fiscal devem ser democráticos e simples

Por: GIFE| Notícias| 07/07/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

As discussões a respeito das mudanças nos mecanismos de incentivo à cultura têm mobilizado a sociedade civil na formulação de propostas para novas políticas públicas para a área. O representante do Ministério da Cultura (MinC) no Rio de Janeiro, Sérgio Sá Leitão, fala ao redeGIFE sobre mudanças nas leis de incentivo e políticas culturais.

redeGIFE – O Ministério da Cultura está desenvolvendo uma série de consultas nas quais busca propostas para aperfeiçoar os atuais mecanismos de incentivo à cultura. O senhor não acredita que seria prioritário, então, discutir uma política cultural, para então balizar os mecanismos?
Sérgio Sá Leitão – Não se trata apenas de um processo de consultas para aperfeiçoar os mecanismos atuais de financiamento da produção e da circulação dos bens culturais, mas de uma ampla mobilização do setor para a elaboração coletiva e participativa de um novo modelo de financiamento público da cultura para substituir o atual, que se encontra em uma crise de esgotamento. As diretrizes são as mesmas das políticas públicas que estão sendo ou serão elaboradas pelo Ministério da Cultura.O programa de seminários Cultura para Todos começou em junho, em Brasília (DF), com um debate interno ao qual compareceram todos os técnicos do Ministério da Cultura. Já fizemos um encontro com os secretários estaduais e municipais de cultura e passaremos agora à etapa de seminários voltados para artistas, produtores e gestores culturais. O primeiro será no Rio, no teatro da UERJ, em 11/07. Todos os cidadãos podem participar deste processo, por meio do site www.cultura.gov.br.

redeGIFE – O senhor acha que os mecanismos de incentivo à cultura não têm sido bem utilizados?
Leitão – O Ministério da Cultura transformou-se parcialmente em um grande balcão das leis de incentivo à cultura, limitando sua atuação à apreciação técnica de projetos. Este processo produziu uma série de distorções. De certo modo, as prerrogativas do poder público foram transferidas para o mercado, a quem cabia decidir como e onde as verbas incentivadas seriam aplicadas. Estamos falando de dinheiro público e de um setor estratégico para o país. Os mecanismos de renúncia fiscal não podem ser os únicos instrumentos de atuação do poder público na cultura. Eles devem ser complementares a ações diretas do governo e do mercado. E precisam ser reformados, de modo a se tornarem mais democráticos, amplos e simples, além de estarem em consonância com as políticas públicas do Ministério da Cultura. Temos que elevar o volume de recursos públicos e privados na área, sem prejuízo do espírito público.

redeGIFE – Na Reforma Tributária, que está em tramitação no Congresso Nacional, as leis estaduais de incentivo à cultura correm o risco de serem extintas. Por que o Ministério da Cultura não agiu antes que isso acontecesse?
Leitão – Não procede a informação de que o Ministério da Cultura não teria agido a tempo. Nem a suposição de que seria possível evitar o fim das leis estaduais de incentivo. Assim que o texto da Reforma Tributária, formulado pelo governo federal e pelos governos estaduais, foi divulgado, tratamos de compreender a sua natureza e avaliar suas conseqüências para a cultura. Depois, agimos rapidamente no sentido de empreender uma negociação com o Ministério da Fazenda. Em conjunto, formulamos uma proposta que, se aprovada, ampliará de cerca de R$ 170 milhões para cerca de R$ 500 milhões o volume de recursos disponíveis para a cultura nos estados. Ou seja: o que supostamente era um problema, tornou-se uma solução, principalmente em estados onde não há lei de incentivo. É preciso entender que a Reforma Tributária elimina todos os subsídios e incentivos feitos com ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), para evitar a guerra fiscal entre os estados. Essa proposta mantém o espírito da Reforma e atende ao interesse da produção cultural.

redeGIFE – Como alternativa à extinção das leis estaduais de incentivo à cultura, pensa-se em destinar uma porcentagem fixa de ICMS de cada estado para um fundo de cultura. Como funcionaria esse fundo? Ele substituiria as leis estaduais de incentivo?
Leitão – Segundo a proposta formulada em conjunto pelo Ministério da Fazenda e pelo Ministério da Cultura, e recentemente apresentada em Brasília para cerca de 100 secretários estaduais e municipais de cultura, o equivalente a 0,5% da arrecadação de ICMS de cada estado será destinado a um fundo estadual de cultura. Esse fundo não poderá ser contingenciado. Acreditamos que, por várias razões, este mecanismo substitui com vantagens as leis de incentivo estaduais.

redeGIFE – Em entrevista ao redeGIFE, o então presidente e agora conselheiro do Instituto Pensarte, Leonardo Brant, afirmou que o Ministério da Cultura deveria ter uma função articuladora, desenvolvendo a capacidade de criar políticas conjuntas com outras pastas do governo, sobretudo educação, turismo e trabalho. O senhor acredita que isso seja possível?
Leitão – De fato, a transversalidade é fundamental em qualquer governo. Estamos rompendo o isolamento a que o Ministério da Cultura foi submetido no passado recente, buscando estabelecer canais institucionais de relacionamento com os demais ministérios e outros órgãos da administração direta e indireta, no sentido de ampliar o alcance da nossa atuação. Há sinergias claras com o Ministério da Educação, o Ministério do Turismo e o Ministério das Cidades, entre outros.

redeGIFE – O senhor disse, durante seminário promovido pelo Instituto Pensarte, que nunca foi feita uma apresentação das políticas públicas culturais, mas que isso não significaria que elas não existam. O novo governo pretende elaborar essas políticas? Como se dará a participação da sociedade civil neste processo?
Leitão – Na verdade, eu disse no evento do Instituto Pensarte que o Ministério da Cultura teve sim, nos últimos anos, políticas públicas para o setor, algumas claras, outras nebulosas. E que mesmo nas áreas em que elas não foram formuladas explicitamente, pode-se dizer que a omissão era uma forma de fazê-la, pois implicava a transferência para o mercado de prerrogativas do poder público, por meio dessa omissão.O novo governo e o ministro Gilberto Gil estão enfrentando o desafio de estabelecer políticas públicas transparentes, democráticas e descentralizadas para a cultura, elaboradas e implementadas de modo participativo, com controle por parte da sociedade. São políticas marcadas pela ação e pela necessidade de mudança, e não pela omissão ou pela manutenção do status quo. Queremos construir um novo modelo, que amplie o acesso à produção e ao consumo de bens culturais.

redeGIFE – Em documento apresentado no site como base para discussões da reforma, o MinC demonstra sua preocupação com a capitalização de fundações privadas através de mecanismos previstos em lei. O que se entende por isso?
Leitão – Entendemos que as leis de incentivo à cultura tratam da aplicação de dinheiro público por meio de mecanismos de renúncia fiscal. E que o dinheiro público não pode ser usado para beneficiar interesses exclusivamente privados. Esses recursos podem e devem ser usados por fundações privadas, desde que em consonância com o interesse público e sob o controle do poder público e da sociedade. Os recursos públicos não podem ser usados para bancar ações de marketing que pouco ou nada trazem de retorno para a cultura brasileira. Precisamos encontrar uma convergência de interesses.

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