Medidas tomadas para conter avanço da COVID-19 podem infringir direitos humanos, aponta ICNL
Por: GIFE| Notícias| 09/04/2020Em razão da pandemia do novo coronavírus, o International Center for Not-for-Profit Law (ICNL), em parceria com o European Center for Not-for-Profit Law e com apoio de pesquisas e dados da Organização das Nações Unidas (ONU), acaba de lançar o COVID-19 Civic Freedom Tracker.
A ferramenta é um rastreador de determinações oficiais adotadas pelos governos como resposta à pandemia. A ideia é mapear ações que afetam liberdades civis e direitos humanos ao redor do mundo. Segundo o levantamento, 68 países contam com declarações de emergência, nove com medidas que afetam liberdade de expressão, 72 com medidas que afetam reuniões ou encontros públicos e 11 com medidas que envolvem vigilância da população.
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O site contém um mapa mundi, onde os países que disponibilizam informações sobre leis emergenciais estão em azul. A consulta pode ser feita por nação, pelo tema da determinação oficial (acesso a informação, associação, discriminação, desinformação, eleições, emergência, acesso a internet, liberdade de imprensa, monitoramento, entre outros), por tipo (leis, ordens, regulações, políticas ou práticas adotadas) e por data.
O Brasil, que, segundo o último boletim do Ministério da Saúde, conta com mais de 15 mil pessoas infectadas e mais de 800 mortes causadas pela doença, conta com uma ordem emitida no dia 20 de março que declara estado de emergência nacional devido à pandemia do coronavírus.
Já a Itália, onde passa de 139 mil os casos confirmados e de 17 mil o número de vítimas fatais pela Covid-19, segundo mapeamento da Johns Hopkins University, expediu três ordens: em 31 de janeiro, declarando estado de emergência; em 8 de março, concedendo poderes ao presidente do Conselho de Ministros para tomar medidas para conter a disseminação acelerada nas chamadas ‘zonas vermelhas’; e no dia seguinte, 9 de março, impondo restrições rígidas a viagens e movimentações pelo país, proibindo toda e qualquer tipo de aglomeração ou reunião em locais públicos e sancionando a vigilância de pessoas que tiveram contato com indivíduos infectados.
A França, por sua vez, foi um dos poucos países retratados no rastreador a adotar uma lei. Sob o número 2020-290, a norma de 22 de março decreta estado de emergência na saúde por dois meses. De acordo com a Constituição francesa, isso significa que o primeiro ministro pode emitir decretos que restrinjam liberdades individuais da população, entre outras medidas, para endereçar a crise sanitária.
A sociedade e os poderes durante emergências mundiais
Para endereçar as consequências de medidas como o distanciamento social para combater uma pandemia em nível mundial, conforme declarou a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ICNL produziu o artigo “Coronavírus e o espaço Cívico: preservando direitos humanos durante a pandemia”.
Segundo o texto, é necessário refletir sobre como leis internacionais promovem uma estrutura que pode ajudar governantes a tomar decisões que levem em conta os direitos humanos durante um estado de emergência, considerando que muitos governos tiram proveito de situações como essas para infringir direitos humanos ou prolongar vantagens obtidas no contexto da emergência, mesmo depois que esta já passou do estado crítico.
Durante emergências de qualquer natureza, sejam epidemias, ataques terroristas ou outras, os países tendem a conceder grande parte do poder a figuras do executivo, o que, segundo o artigo, é, em parte, compreensível, uma vez que os governantes precisam de certa flexibilidade para lidar com ameaças em tempos de emergência.
Entretanto, Fionnuala Ní Aoláin, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), no âmbito da luta pela preservação de direitos humanos e liberdades fundamentais no contexto de terrorismo, chama atenção para a atração que os poderes concedidos em tempos de emergência geram a Estados e instituições do setor de segurança, uma vez que oferecem ‘atalhos’. “Como resultado, os poderes tendem a ‘persistir e se tornar permanentes’. Por isso, nas palavras de Ní Aoláin, ‘Emergência ou não, Estados devem buscar o mesmo limite de legalidade, legitimidade, necessidade e proporcionalidade para cada medida tomada.’”
O artigo vale-se de exemplos para reforçar que, mesmo que seja para proteger a saúde pública, as restrições impostas a reuniões e aglomerações devem ser avaliadas com cautela. O primeiro ministro do Iraque baniu todas as aglomerações em locais públicos, incluindo eventos sociais, culturais, religiosos, tribais e esportivos. “A decisão foi elaborada de forma ambígua, com o governo interpretando a necessidade de fechamento de cafés. Além disso, apesar da referência a locais públicos, houve invasão de casas onde pessoas estavam realizando um funeral pelas forças de segurança”, afirma o texto. É nesse sentido que o texto reforça a importância de as restrições considerarem o princípio de legalidade, ou seja, estarem de acordo com a lei.
A legitimidade é outro fator que deve ser observado. No Quirguistão, reuniões e aglomerações foram banidas durante quatro meses. A corte local publicou o decreto dias antes de uma marcha em razão do Dia Internacional das Mulheres. O coronavírus foi citado como motivo para o banimento, mesmo que o país não tivesse nenhum caso confirmado. As mulheres que prosseguiram com o ato foram presas, enquanto aos homens foi permitido participar de outro evento. Nesse sentido, é questionado se a doença era o real motivo da proibição do evento ou se serviu apenas para mascarar outros objetivos.
Além de listar outros direitos humanos afetados pelas leis internacionais, como não discriminação, liberdade de expressão, acesso à informação e direito de participação, o artigo apresenta recomendações quando o assunto é promover medidas governamentais que respeitem os direitos durante uma emergência de saúde.
Entre elas estão: prover informações corretas sobre o estado de saúde do país para a sociedade civil, possibilitar a participação da sociedade civil na elaboração e implementação de respostas à crise, promover o acesso às medidas expedidas para que indivíduos possam decidir o que é proibido e permitido, publicar medidas motivadas apenas por objetivos legítimos de saúde, submeter as medidas a avaliações legislativas e judiciais, limitar o tempo das medidas temporárias com necessidade de revisão depois de expirado o prazo, entre outras.
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