Membro do Comitê Popular da Copa discute legado da Copa do Mundo para o Brasil

Por: GIFE| Notícias| 24/06/2014

O redeGIFE entrevista Francisco Carneiro, 34, economista e integrante da ANCOP (Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa) pelo comitê do Distrito Federal. Organização horizontal, ou seja, sem líderes e cargos, os comitês reúnem atingidos direta e indiretamente pela realização do megaevento.

Entendemos por atingidos diretamente aqueles que perderam sua moradia, trabalho, direito de ir e vir”, diz ele. “Indiretamente somos todos atingidos, basta dizer que os patrocinadores da Copa não pagam ICMS (Imposto sob Circulação de Mercadoria e Serviços; estadual) e ISSQN (Imposto sob Serviço de Qualquer Natureza; municipal).”

Os comitês das 12 cidades-sedes da Copa são organizados nacionalmente através da ANCOP. O objetivo, explica Carneiro, é atuar no fortalecimento das lutas sociais, realizar formação de lideranças populares, produzir materiais informativos, além de realizar atos públicos e mobilizações de alcance nacional, regional e local.

Esta é a segunda edição especial do boletim redeGIFE sobre a Copa do Mundo. A primeira publicação trouxe uma conversa com Toninho Nascimento, secretário nacional de futebol e defesa dos direitos do torcedor do Ministério do Esporte.

Desta vez, damos a voz a uma organização da sociedade civil. A seguir, veja principais trechos da entrevista.

redeGIFE – Quem ganha e quem perde com a Copa?

Francisco Carneiro – Ao fazer avançar um modelo de cidade de exceção, cidade em favor dos grandes negócios, a Copa privilegia todos os setores envolvidos no processo de valorização imobiliária da cidade. São as empreiteiras em primeiro lugar, mas também as máfias do transporte, os setores que defendem a maior militarização da cidade e vários ramos de serviços ligados a estes setores.

É possível dizer que, de certa forma, a classe mais alta da sociedade também sai favorecida ao ver aumentar seus espaços de entretenimento e sociabilidade sem precisar “”se misturar”” com o resto do povo. Para nós, o pior e mais visível legado da Copa é a maior militarização da sociedade. Hoje a polícia está autorizada a reprimir violentamente qualquer ato de protesto ou reivindicação, bem como para abusar da violência nas periferias da grandes cidades. Isso define muito quem ganha e quem perde.

Centenas de milhares de pessoas perdem diretamente. São aquelas que foram removidas a força, que perderam seu emprego, que tiveram parentes e amigos(as) mortos(as) nos estádios ou nas abordagens policiais, moradores de rua que sumiram aos montes, famílias que veem suas filhas sendo abusadas ou traficadas.

redeGIFE – Em Londres, bairros tiveram melhorias significativas em temas de mobilidade e bem-estar social devido à realização da Olimpíada. Como você vê essa questão em relação à Copa do Mundo no Brasil?

Francisco Carneiro – A maior parte das obras de “”mobilidade”” nas 12 cidades-sedes atenderam ao trajeto aeroporto – hotéis – estádios – pontos turísticos. São obras que não viabilizaram o direito à cidade. O ir e vir das pessoas. Pelo contrário. Essas obras, ao priorizarem o trecho ligado ao turismo, favorecem a especulação imobiliária e a cidade de exceção, onde uma parte da cidade, transformada em mercadoria, é tratada com um conjunto de políticas enquanto outra fica relegada a um plano segregado fisicamente distante de outra, seja pela própria geografia, pela dificuldade de transporte ou pelas novas regras de “”segurança”” que usam da violência policial como meio de separar as pessoas e impedir seus direitos.

redeGIFE – Muitos dos protestos e discursos críticos à Copa mencionam gastos exorbitantes do governo para a realização do megaevento. Em contrapartida, dados publicados na grande imprensa sugerem que, percentualmente, o montante desse dinheiro público não é “”tão grande”” se comparado aos investimentos totais efetivos em saúde e educação, por exemplo. O que você pensa sobre isso?

Francisco Carneiro – Primeiramente, é necessário fazer uma auditoria das contas da Copa do Mundo. Quando se decidiu pelo Brasil, a promessa do governo era de que a Copa seria financiada em 97% do total por investimento privado. Hoje, sabemos que, na verdade, essa proporção é invertida: mais de 90% são de recursos públicos.

Independente do quanto se gasta em isso ou aquilo, o processo de escolha e definição das prioridades rompeu todos os parâmetros de participação popular que se construiu no Brasil recente. Nada foi consultado à população e tudo decidido com a FIFA e os grandes empresários. Diante disso, é legítimo sim que a população veja estádios caríssimos sendo construídos enquanto ela passa 12 ou 15 horas na fila do hospital ou seu filho fica quatro meses sem material didático.

redeGIFE – A imagem do Brasil nunca esteve tão presente no exterior como agora. As cores da bandeira estão em supermercados, embalagens de produtos e outdoors. Mas também se fala muito sobre problemas e protestos. Você acha que uma imagem negativa de nosso país pode se sobressair em relação às demais?

Francisco Carneiro – Eu não associo protestos à imagem negativa. Vejo protestos como símbolos de democracia, de organização e participação popular. Por outro lado, vejo a repressão policial como símbolo de um estado ditatorial que não sabe construir canais de diálogo.

A Copa do Mundo nunca esteve tão pouco presente no dia a dia do povo. Esta é a Copa com menos bandeiras e cores do brasil. A exposição começou tarde porque as pessoas não se sentiram parte no processo de construção. Se sentem representadas pelo futebol, não pelo organização da Copa.

redeGIFE – Exatamente por tantas atenções estarem voltadas ao Brasil, pode-se dizer que esse é o momento certo para reivindicações sociais? Como você analisa o que tem sido feito em relação a isso até agora?

Francisco Carneiro – Sempre é o momento certo para o povo se organizar, ter ciência dos seus problemas e buscar formas de solucionar que atendam não somente a si, mas a população em geral. O fato de as atenções estarem voltadas pra cá ajudam, sim, e isso deve ser levado em conta. Um governo que quisesse ser democrático iria se apresentar para o mundo com a capacidade de ouvir esses protestos e buscar formas de diálogo.

redeGIFE – Haveria sondagens por parte do Comitê Olímpico Internacional (COI) para tirar as Olimpíadas do Rio de Janeiro. Qual é a sua opinião sobre isso?

Francisco Carneiro – O Rio de Janeiro é a cidade que mais sofre com os megaeventos. Todas as estruturas do Pan de 2007 já foram desativadas e destruídas para construir outras. Do ponto de vista da cidade, isso não faz sentido. As remoções atingem dezenas de milhares de pessoas, assim como a violência policial. Penso que estamos num momento importante para o Rio parar e se repensar enquanto cidade símbolo do Brasil. Se for necessário abrir mão da Olimpíada, que seja. Se não, ainda é possível modificar os rumos da cidade e, mesmo assim, organizar um evento olímpico.

redeGIFE – Recentemente, a Suécia retirou a candidatura de sua capital, Estocolmo, para sediar os jogos olímpicos de 2022 alegando três motivos: para os políticos suecos a cidade tem prioridades mais importantes, a conta dos gastos para realizar o evento na cidade seria alta demais, e um eventual prejuízo com a organização dos jogos teria que ser coberta com o dinheiro dos contribuintes. Na sua opinião, quais três motivos poderiam ser usados para a não realização da Copa do Mundo no Brasil?

Francisco Carneiro – O Brasil tinha todo o direito, legitimidade e capacidade para organizar a Copa do Mundo. O problema é a forma que foi feita e isso é um mix de pressão da FIFA com interesse dos grandes grupos políticos e empresariais do país, fazendo avançar seus interesses. Era possível sediar um campeonato de futebol com 32 seleções e com segurança e qualidade sem precisar gerar o conjunto de violações que estiveram associadas à Copa do Mundo. Em 2007, em vez de negar, nós iniciamos o processo de outra maneira.

Mas, se fosse pra negar, primeiro, eu teria dito à FIFA que ela teria que esperar um processo real de consulta ao povo ainda em 2007 e colocando as questões e exigências principais. O segundo motivo eram as violações aos direitos humanos. A partir dos primeiros sinais de violação, já tínhamos elementos de sobra para dizer que a Copa não serviria ao povo. O terceiro elemento seria sim os gastos e prioridades. Só se poderia realizar a Copa com alterações pequenas nos estádios já existentes, que servem muito bem ao futebol.

redeGIFE – E o pós Copa? Quais são os planos de atuação de vocês?

Francisco Carneiro – Continuaremos buscando apoiar a luta por direitos, em especial aqueles violados pelos megaprojetos e megaeventos, buscando apoiar essa luta e continuar a construir um projeto alternativo de país, mais democrático e participativo. Em especial, daremos apoio à resistência no Rio de Janeiro até e durante os jogos olímpicos.

Ademais, os comitês cumpriram seu papel de deixar um legado de luta e organização não para si, mas para a classe trabalhadora e a juventude brasileira. A história agora pode ser contada também por outras lutas. Não precisamos ser protagonistas.

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