“”Mídia traz sucessos e fracassos; nós focamos o processo””, diz Caroline Hartnell

Por: GIFE| Notícias| 03/10/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Caroline Hartnell é a editora da Alliance Magazine, publicação inglesa que traz reportagens e artigos analíticos sobre filantropia e investimento social privado em diversas partes do mundo. Formada em filosofia pela Universidade de Kent, foi a responsável pela estabilização da revista na forma como é hoje. Até 1998, trabalhou como editora e designer free-lance para diversas publicações sobre terceiro setor.

Em entrevista ao redeGIFE, ela fala sobre a importância da cobertura da mídia em relação ao investimento social privado, como isso acontece no Reino Unido e as diferenças entre o material publicado pela Alliance e outras publicações – da grande mídia e especializadas em terceiro setor.

redeGIFE – Qual a sua visão sobre a importância da mídia cobrir questões relacionadas ao investimento social privado?
Caroline Hartnell – Penso que a mídia deveria cobrir essas questões a fim de criar uma conscientização e um entendimento sobre os problemas a serem tratados na sociedade e sobre o potencial de resolução a partir do investimento social privado.

redeGIFE – Como a mídia tem coberto a filantropia no mundo? Há espaços especiais para este tipo de informação nos jornais? Qual foco os jornalistas costumam dar a este material (falam sobre a doação em si ou abordam os problemas que ela busca solucionar)?
Caroline – Eu não posso responder esta questão em relação “”ao mundo”” e, mesmo no Reino Unido, o que digo é principalmente relacionado à leitura do Guardian. A grande mídia cobre doações públicas em resposta a desastres como o Tsunami, focando largamente na quantidade e, algumas vezes, em tendências, como o aumento do uso de doações online. Também há alguma cobertura sobre grandes doações individuais, por exemplo, uma recente doação de um filantropo escocês, sr. Tom Hunter, para a Clinton Foundation. Aqui, a cobertura focou na sua história pessoal, nos valores da doação e também na causa à qual foi destinada. Pouco se fala sobre como os problemas devem ser tratados.
Há alguma cobertura nos jornais quando são publicados estudos sobre doações – como a pesquisa anual da Charities Aid Foundation, sobre doações para instituições de caridade por diferentes tipos de doadores – e prêmios muito prestigiados – como a Carnegie Medal for Philantropy. O Guardian tem uma sessão semanal especial (“”Sociedade””) na qual podem surgir doações não muito usuais, e também podem aparecer projetos de ONGs, mas as histórias tendem a mostrar rostos sorridentes, ao invés de analisar os meios utilizados para obter sucesso nas ações.
Tablóides regularmente publicam “”escândalos””, com o objetivo de chocar os leitores, como uma doação para ajudar porquinhos-da-Índia em fazendas no Peru – estes bichos são populares no Reino Unido, então a história foi designada a causar indignação e transtorno. Já eventos de arrecadação de fundos, como o Red Nose Day (que levanta fundos para a Comic Relief), são freqüentemente acompanhados pela televisão com programas que mostram trabalhos das organizações beneficiadas. Mas geralmente são histórias que causam bem-estar, sem análises do processo ou das dificuldades encontradas para a resolução dos problemas.

redeGIFE – Quando a Alliance foi criada, quais são seus objetivos?
Caroline – A Alliance, como é apresentada hoje, teve início há oito anos. Seu objetivo era cobrir novos pensamentos e novas práticas em filantropia e investimento social em todo o mundo. Queríamos cobrir atividades dos mais diferentes tipos de doadores, incluindo organizações multilaterais – como o Banco Mundial e a ONU – governos, empresas, fundações e organizações não-governamentais internacionais. Essas organizações também eram nosso público-alvo, embora nossa audiência seja maior e inclua acadêmicos e pessoas que criam políticas neste campo. Mais recentemente, começamos a olhar mais para o rol dos doadores individuais e esforços para atrair mais indivíduos ricos a investirem seriamente em desenvolvimento social.
Nosso ponto de partida é que muito dinheiro tem sido investido ao longo dos anos – não o suficiente, claro, mas ainda assim muito – mas não aconteceu um grande progresso. Algumas das razões-chave para isso são muito bem conhecidas: doadores do Norte tentaram impor programas que não foram adaptados aos países e sociedades envolvidos e que nunca foram adequadamente apropriados por aquelas comunidades. Por exemplo, enquanto programas de vacinação de sucesso quase eliminaram certas doenças, elas mais tarde começaram a reaparecer, porque os sistemas de vacinação continuada nunca foram criados. Então, a Alliance tenta abrir a discussão: o que podemos aprender das abordagens tradicionais para a filantropia? Quais são os modelos de filantropia comunitária? Nós queremos levantar a discussão, encorajar as pessoas de diferentes regiões e países a trocar experiências sobre o que já fizeram e, crucialmente, sobre o que não foi feito.

redeGIFE – Como é o trabalho?
Caroline – Temos uma equipe pequena baseada em Londres, mas contamos com colaboradores e leitores de todo o mundo. Temos um conselho editorial internacional, que recomenda temas e sugere idéias, além de editores especialistas convidados para cada tema especial. Exploramos grandes redes de trabalho para adquirir notícias regionais, examinamos muitas outras publicações, o máximo que podemos, e nos mantemos atentos ao que está acontecendo. Eu freqüento conferências sobre filantropia em todo o mundo e costumo tentar me manter atualizada e encontrar novos escritores.

redeGIFE – Qual a diferença entre o material publicado pela Alliance e outras publicações da grande mídia e especializadas em terceiro setor?
Caroline – A Alliance publica mais ou menos as notícias que outras mídias deixam de fora. Em outras palavras: o processo. Enquanto a grande mídia publica a história, escândalos ou sucessos que aquecem o coração, nós focamos no processo que leva aos sucessos e aos fracassos, e utilizamos histórias para ilustrá-lo. Além disso, a Alliance tem conteúdo global, enquanto que a maioria das outras publicações do terceiro setor faz cobertura nacional. Claro que focamos em filantropia e investimento social privado, ao invés do terceiro setor mais profundamente, mas há outras publicações que fazem isso. Cobrir filantropia globalmente é, de fato, o nosso nicho.

redeGIFE – Por que trazer o material da Alliance para o Brasil?
Caroline – Nós pretendemos que a Alliance seja lida em todo o mundo, porque acreditamos que o investimento social privado será beneficiado pelo intercâmbio de idéias e experiências com outros países. O Brasil é um grande país, com um rápido crescimento do terceiro setor, e tenho certeza que poderá se beneficiar tendo acesso a algumas das experiências de outros países. Mas esta é uma via de duas mãos: igualmente, há algumas coisas muito animadoras acontecendo no Brasil que o setor filantrópico de outros países deve conhecer. Nós gostaríamos de ver a Alliance criando uma ponte e ajudando este intercâmbio a acontecer.

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