Ministro acredita em aliança entre Estado e empresas pela educação

Por: GIFE| Notícias| 31/03/2003

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

Em entrevista exclusiva ao redeGIFE, o ministro da Educação, Cristovam Buarque, fala sobre o papel das empresas na melhoria da educação no Brasil.

Para ele, uma aliança entre Estado e setor privado pode ser muito benéfica na busca pela escola de qualidade. Cristovam esteve presente na última semana no lançamento do Guia GIFE sobre Investimento Social Privado em Educação, em São Paulo.

redeGIFE – O senhor tem uma história de prestígio seja na área educacional, seja na Academia, como reitor da UnB, seja no terceiro setor, como diretor da ONG Missão Criança. Qual é a sensação de agora estar no Ministério da Educação, tendo em mãos a possibilidade de colocar a teoria em prática? Muda de alguma maneira a forma como você enxerga as dificuldades do país?
Cristovam Buarque – O que muda realmente é a dimensão. A UnB era uma instituição localizada, pequena. Mesmo como governador do Distrito Federal, cobria uma área pequena. No Missão Criança, apesar do Bolsa-Escola hoje já atingir a Tanzânia, El Salvador e a Guatemala, também era uma entidade pequena. O Ministério da Educação é uma entidade nacional. Isso é o que muda realmente. De resto, acho que a missão é a mesma: colocar as crianças na escola, melhorar a qualidade dessa escola e mudar a universidade.

redeGIFE – O senhor acha que os projetos educacionais da iniciativa privada e do terceiro setor têm um papel importante nessa missão?
Cristovam – Sem dúvida alguma. A iniciativa privada, por meio de seus institutos e fundações, tem condições até de fazer sozinha. Mas, avançando, ela pode fazer muito mais se der as mãos ao setor público. Não apenas para apoiá-lo, mas para o setor público apoiar a iniciativa privada. As ONGs têm uma criatividade que muitas vezes o governo não tem. Formulam idéias que o governo não formula. O governo é muitas vezes uma coisa meio amarrada e por isso eu sou um entusiasta do terceiro setor.

redeGIFE – O senhor apontou o lado bom do terceiro setor. E as críticas? O senhor acha que o terceiro setor ainda comete erros em seus projetos educacionais?
Cristovam – Claro. Até porque o terceiro setor é uma abstração. O que existe é cada uma das entidades. E existem aquelas que são boas e outras que são ruins. A filantropia é algo maravilhoso. Mas há “”pilantropia””. Eu creio que o terceiro setor tem erros, mas dificilmente tem mais erros que o governo. Nem tem mais erros que o setor privado. Cada um destes três têm suas entidades sérias e “”não-sérias””.

redeGIFE – Em entrevistas e discursos, o senhor vem falando que vivemos um momento de histórica mudança no país em relação à educação. Por quê?
Cristovam – Se soubermos trabalhar bem, formos firmes e se não perdermos a capacidade de nos indignarmos, o legado desta nossa geração será completar a abolição e a República. Por exemplo: não é República uma sociedade que gasta R$ 250 mil para formar os filhos da classe média e R$ 3.000 para formar os filhos dos pobres. Isso não é uma República, é uma aristocracia. Não houve ainda a abolição se nós não colocamos os filhos dos escravos na escola de qualidade. Creio que nosso legado não vai ser o socialismo, a revolução industrial ou fazer do Brasil uma sociedade que vai ter viajantes para o espaço. Qual é o nosso legado, então? Completar a abolição e a República. E isto se faz sobretudo pela educação.

redeGIFE – E quais são os desafios para atingir este objetivo?
Cristovam – Em primeiro lugar é a abolição do analfabetismo. Os 20 milhões de analfabetos podem ser alfabetizados em quatro anos. O segundo desafio é fazer com que o Brasil possa ter uma escola que trate as crianças com seriedade e respeito, formando seres humanos competentes para o futuro. Mas isso não se faz em apenas quatro anos. Talvez em quinze, mas tem que começar já. O terceiro é formular um projeto alternativo para a universidade, pois ela não está nada boa. E o último é o que chamo de educação da rua. A educação da urbanidade, do comportamento. O brasileiro está ficando um povo das pequenas violências, isso sem falar da grande, na qual a educação é de polícia. Mas há as pequenas violências do trânsito, do desrespeito aos direitos do outro, do jogar o lixo na rua. Há uma necessidade de educação de comportamento da população brasileira, pobres e ricos.
Estive recentemente em uma inauguração de uma escola que fica dentro de um container que é levado de um lado para outro para alfabetizar adultos, em Recife, e um fato me chamou a atenção. Uma senhora disse que não tinha inveja de quem tem dinheiro. Ela tinha inveja de quem sabia ler. E por isso eu, como brasileiro, não sinto também a menor inveja dos Estados Unidos terem uma renda alta. Mas me sinto mal de eles, como a Europa, terem uma alta escolaridade.

redeGIFE – De que forma o Ministério pretende utilizar a experiência adquirida pelos projetos sociais desenvolvidos pelo setor privado?
Cristovam – Nós temos interesse sim. O Instituto Ayrton Senna, por exemplo, está fazendo um trabalho belíssimo em Pernambuco para resolver em quatro anos o problema das crianças que estão atrasadas na formação. Hoje, 40% das crianças com 10 anos não aprenderam a ler ainda. A Hortência, ex-jogadora de basquete, também tem um bom projeto de levar o esporte para as escolas. É raro o dia que eu não recebo alguém com alguma proposta vinda do terceiro setor e da iniciativa privada.

redeGIFE – E o Ministério tem a vontade de transformar estes bons projetos em políticas públicas?
Cristovam – Muitas idéias temos vontade de transformar em políticas públicas. Outras queremos manter no terceiro setor, mas apoiar para avançarem.

redeGIFE – E o que o senhor acha da reivindicação de muitas organizações por mais incentivos fiscais para o terceiro setor?
Cristovam – Sou favorável, desde que o dinheiro não saia da Educação. É possível que o setor público comece a achar que já está dando dinheiro a estas entidades e portanto não seja necessário direcionar recursos para o Ministério. Aí não pode. Mas se forem incentivos a custa de outros gastos, eu sou favorável.

redeGIFE – Com interesses e prioridades tão diferentes e difusas, o senhor acredita em uma conjunção de forças entre Estado, mercado e sociedade civil para a superação das dificuldades encontradas na educação brasileira? Isto é possível?
Cristovam – Não tenho a menor dúvida. Todos podem se mobilizar em torno de uma educação de qualidade. Eles se mobilizaram em outros momentos, por outros motivos. E agora não será diferente.

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