Mitos e verdades sobre a primeiríssima infância
Por: Fundação FEAC| Notícias| 01/08/2022As últimas décadas registraram avanços importantes em relação à compreensão da aprendizagem dos bebês e o que eles são capazes de entender e comunicar. Descobertas da neurociência apontam que a vida do bebê, desde a gestação até os seus três primeiros anos, também chamada de primeiríssima infância, encerra o período mais sensível do desenvolvimento infantil.
Nessa fase, a garantia de condições adequadas de nutrição, cuidado, atenção, convivência e aprendizado faz toda a diferença para que as funções cerebrais do indivíduo floresçam ao longo de toda a sua jornada. Pesquisas também refinaram a percepção sobre o movimento corporal do bebê, o seu desenvolvimento cognitivo e tudo que ele está querendo nos dizer, nos perguntar e nos mostrar.
E para isso, nós, adultos, somos desafiados o tempo inteiro a um novo olhar sobre os pequenos. Já que muito antes de aprender a linguagem verbal, uma delicada comunicação sensório-corporal se estabelece entre bebês e pais, cuidadores e educadores. “A neurociência, através do mapeamento das atividades cerebrais, já mostrou o quanto essa ação da criança repercute em seu cérebro e constrói um caminho de aprendizagem”, ensina a educadora Maria Alice Proença, doutora em Educação pela PUC-SP e mestre em Didática e Metodologia pela Faculdade de Educação da USP.
Bebês conversam e brincam
A dificuldade em interpretar o gestual, choros e vocalizações dos bebês criou ao longo da história algumas falsas crenças sobre essa fase. A ideia de que os nenéns não conversam, não brincam e que dar muito colo faz mal ao bebê são só alguns desses mitos muito difundidos, mas também largamente desmentidos pelos especialistas.
Maria Alice Proença nos conta que um dos primeiros mitos que caíram por terra foi a ideia de que “bebês não conversam”. Desde a década 1950 e 1960, as observações vão mostrando que o bebê quando nasce está ávido por conhecer o mundo que ele tem ao seu redor. “Ele começa a se manifestar corporalmente e o nosso grande desafio é a aprendizagem da leitura corporal, para a qual mesmo os pedagogos não foram preparados durante seus estudos na faculdade”, diz Proença, que também atua como formadora de professores das redes pública e privada de São Paulo.
“Wallon [Henri Wallon, 1879-1962, médico, professor e psicólogo francês] vai nos ensinar que o corpo fala. Nessa linguagem corporal nós vamos perceber que o primeiro grande brinquedo que o bebê tem é exatamente o seu corpo. As mãozinhas, os pezinhos e os movimentos que ele faz para pesquisar vão formando a sua consciência corporal e definindo seu contorno no mundo”, explica a educadora.
Dar valor às pesquisas dos bebês
Uma das formas de conversar com o bebê nessa fase é dar continuidade às pesquisas dele. Por exemplo, se o bebê gostou de mexer em tecido, se foi algo prazeroso para ele, vale levar outras texturas de tecido para ele continuar sua exploração. Se uma tampa foi interessante, levar outra, um pouco diferente (sempre atento à segurança dos objetos).
“No momento em que eu crio a situação de continuidade, dou a ele a oportunidade de se aprofundar nesse espaço de pesquisa sensorial. Esse é um exercício muito potente, em que você diz para o bebê: ‘A sua pesquisa tem valor para mim’”, afirma Proença.
E é nesse movimento, nas pesquisas sensoriais, que a criança desenvolve as suas percepções de temperatura, texturas, gostos e cheiros. Informações fundamentais para que ela comece a entender o mundo no qual acaba de desembarcar.
“Eu acredito que a desmistificação dessas crenças de que o bebê não se comunica e não brinca, enquanto ele não fala verbalmente, passa pela forma como nós vamos dando visibilidade e importância a estas explorações realizadas pelo bebê”, diz a educadora, destacando que nas creches, escolas e berçários é importante que o professor crie uma documentação pedagógica do bebê, com fotos e pequenas histórias, que relatem suas pesquisas exploratórias.
“O bebê brinca o tempo inteiro. Muito antes de ele desenvolver a preensão palmar, ou seja, quando aprende a segurar um brinquedo com a mão, ele se diverte com o seu dedinho, a sua mão, o corpo da mãe, o seio da mãe, enquanto ele vai sendo amamentado. Tudo isso para a criança é um grande brinquedo e fonte de muitos estímulos”, explica.
Educação é o melhor caminho
Para Andréa Maria Campedelli Lopes, coordenadora do programa de Saúde da Criança, de Campinas, e integrante do Primeira Infância Campineira (PIC), já se percebe no contexto dos serviços públicos de saúde uma mudança positiva em relação ao conhecimento sobre o que é bom ou não na primeiríssima infância.
“A educação é o melhor caminho. Já existe uma ampla rede de divulgação, não só dentro das Unidades Básicas de Saúde (UBS), mas em todos os meios de comunicação, que ajuda a desfazer alguns mitos que perduram a respeito da primeiríssima infância”, diz ela, e exemplifica: “Por exemplo, deixar a criança chorando no bercinho até dormir é uma prática que hoje em dia ninguém mais orienta, porque já foi comprovado que isso gera uma sensação de abandono na criança e ninguém quer que o bebê chegue ao mundo se sentindo abandonado”, afirma.
Andréa destaca a importância das equipes de Saúde da Família, das UBS e dos bancos de leite na orientação das mães que chegam com dúvidas e queixas pontuais, como a de que “o leite é fraco” e por isso o bebê chora muito, por exemplo. “É fundamental ter uma equipe sensibilizada para isso. E esse trabalho está sendo feito de maneira muito profunda porque entendemos que isso é a prioridade das prioridades”, diz Andréa.
Ela aponta que, no Brasil, a licença-maternidade favorece o vínculo mãe-bebê e o aleitamento materno, com todos os benefícios que ele traz ao garantir melhor desenvolvimento cerebral, prevenir doenças e promover um crescimento saudável. No entanto, as dificuldades socioeconômicas vivenciadas pelas mães das classes sociais mais vulneráveis e a falta de orientação e apoio à mãe favorecem o desmame precoce. A atuação dos profissionais da saúde e a veiculação de campanhas educativas são fundamentais para ajudar a prevenir que isso ocorra.
Outro elemento importante neste cuidado é a educação permanente dos trabalhadores de saúde, alerta Andréa, ponderando que existem muitas mudanças na área, e muito do que era considerado adequado 20 anos atrás, hoje não é mais. “Quem lida com um ser em desenvolvimento tem a responsabilidade de se atualizar. Sempre embasado na ciência. Hoje existem muitos estudos em relação à primeiríssima infância”, diz a especialista.
E uma das descobertas importantes no campo da neurociência diz respeito, justamente, à interação social entre adulto e bebê desde a gestação. “A formação do apego entre o recém-nascido e um adulto, pode ser a mãe, o pai, um cuidador, é a base para o desenvolvimento socioemocional e da inteligência. Estudos da neurociência evidenciam a importância de a criança ter, desde o útero e o nascimento, um vínculo emocional e afetivo com um adulto”, ensina Andréa.
Campinas: amamentação nas creches
Existe atualmente, em Campinas, um programa desenvolvido pelas secretarias da Educação e da Saúde, que enfoca especificamente os cuidados com a maternidade e a primeiríssima infância. Trata-se da criação de espaços de amamentação, com poltrona adequada e ambiente agradável, dentro das creches, para as mães que precisam voltar ao trabalho, mas têm disponibilidade para ir à instituição em alguns momentos do dia para amamentar.
Outra iniciativa que está sendo implementada nas creches municipais é a capacitação dos funcionários para receber o leite materno e armazená-lo adequadamente. Assim, o bebê pode continuar sendo alimentado com o leite materno.
“Agora em agosto estamos promovendo ações para vincular cada vez mais as creches aos centros de saúde para que uma equipe ajude a outra, tudo em prol desta mãe e deste bebê, para que não aconteça o desmame precoce”, explica Andréa. “Esta rede está sendo construída. Não é homogênea na cidade inteira, mas é um passo muito importante que foi dado e nós entendemos que Campinas está sendo muito pioneira nessa área”, completa.
Por Natália Rangel