Modelo atual de controle externo do Judiciário prejudica participação da sociedade civil

Por: GIFE| Notícias| 26/04/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No início deste mês, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado concluiu a votação da proposta de emenda constitucional (PEC nº 29/2000) que trata da reforma do Poder Judiciário brasileiro. Um dos pontos mantidos no texto e que tem causado grande debate é a questão do controle externo. De acordo com a proposta, deve ser criado o Conselho Nacional de Justiça, que será responsável, entre outras coisas, por receber reclamações e apurar fatos relativos ao Judiciário e a seus membros, podendo aplicar sanções disciplinares e elaborar relatórios sobre sua situação no país.

Pelo projeto aprovado na Câmara dos Deputados, o Conselho Nacional de Justiça terá 15 membros, sendo nove magistrados, dois advogados, dois representantes do Ministério Público e dois da sociedade civil. Os representantes da sociedade civil serão indicados pelo Senado e pela Câmara.

É justamente por conta desta indicação que há quem entenda que existem falhas no desenho da comissão. A Procuradora do Estado de São Paulo e professora de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mônica de Melo, considera que estão previstos poucos membros da sociedade civil e de outras áreas do conhecimento. “”A maioria pertence ao próprio Poder Judiciário e todos devem ter formação jurídica. Mesmo os cidadãos escolhidos pelo Senado e pela Câmara necessitam ter notável saber jurídico.””

Para ela, seria necessário incluir pessoas que não tivessem necessariamente essa formação, mas que estivessem ao lado daqueles que buscam proteção judicial e acesso à Justiça, como integrantes de organizações não-governamentais, fundações e instituições que investem recursos em projetos sociais.

Além disso, Mônica tem dúvidas se a sociedade civil terá espaço suficiente neste modelo. “”Este não é um movimento de aproximação da população que vem de dentro para fora. Pelo contrário, enfrenta bastante resistência e está sendo muito negociado””, atenta. A professora explica que não estão previstos mecanismos explícitos de participação no Conselho.

“”Não se prevê expressamente a possibilidade de participação da sociedade civil organizada na construção e na elaboração de políticas públicas no âmbito do Poder Judiciário. Portanto, ficará na dependência do Conselho estabelecer vias de acesso para que essa aproximação aconteça.””

Aproximação – A diretora regional Nordeste III (Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí) da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), Lia Cavalcante, lembra que a comissão deve ser um novo espaço de controle, agora externo, mas que não revoga nenhum dos outros mecanismos, que permanecem funcionando. “”O Judiciário continuará prestando contas à sociedade por meio dos espaços já existentes, mas será instaurado um Conselho que tenta aproximá-lo da população.””

Assim, o controle externo deve servir de canal de diálogo com a população, afim de que o Judiciário possa exercer seu papel conhecendo melhor as demandas, as insatisfações e as críticas da população. Para Mônica de Melo, o Conselho Nacional de Justiça representará um grande avanço se realmente se colocar como um interlocutor da comunidade usuária do serviço público prestado pelo Judiciário. “”O sucesso do modelo dependerá, em grande parte, da postura que vier a ser adotada pela comissão, pela manifestação da vontade de realizar um trabalho que possa tornar o Poder Judiciário mais próximo da população que atende.””

Eduardo Sabo, procurador-geral do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, concorda que a sociedade civil organizada precisa ter voz ativa em todos os conselhos de políticas públicas. “”O terceiro setor é fundamental para o trabalho dos nossos poderes constituídos. A colaboração na formulação de políticas públicas, na participação em debates, na apresentação de dados, na coleta e na divulgação de informação é essencial para a sedimentação da democracia.””

Transparência – A criação do Conselho como órgão de controle das atividades do Judiciário e de acompanhamento da execução orçamentária de cada tribunal, segundo Sabo, é medida essencial para a democratização da Justiça e para oferecer maior transparência.

Ele e outros defensores do controle externo argumentam que o Conselho torna os procedimentos e a atuação do Judiciário mais próximos à população. Isso porque, enquanto os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo são eleitos por meio de voto direto e periódico, no Poder Judiciário foi adotado um modelo que prevê o concurso público de provas e títulos, com funções vitalícias. Assim, não há a possibilidade de controle na escolha de seus membros.

Segundo o presidente da comissão de reforma na Câmara, deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP), o Conselho muda este cenário. “”Essa reforma é uma questão que vem sendo discutida há décadas, principalmente no que se refere à possibilidade de se estabelecer um controle externo com múltiplas funções. Há um consenso de que o Poder Judiciário não pode permanecer como está.””

Ele explica que a proposta de controle disciplinar é defendida pela maioria dos juízes brasileiros de primeira instância, que vêem neste mecanismo a possibilidade de garantir a não ocorrência de perseguições dentro do próprio Judiciário. A comissão também deve auxiliar nas questões relativas às finanças e à administração, além de possibilitar que haja maior disponibilidade de tempo para que os magistrados se dediquem às suas funções de juiz (prestação jurisdicional).

A possibilidade de ser um órgão de planejamento do Poder Judiciário como um todo é o que o Secretário de Reforma no Ministério da Jusitça, Sérgio Renault, aponta como ideal. “”Hoje não existe nenhum órgão que cumpra este papel. Porém, não haverá interferência na atividade jurisdicional dos magistrados, pois isso é proibido pela Constituição.””

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