MP 870/2019: Pressão da sociedade civil garante retirada de inciso que permitia monitorar a atividade de organizações não governamentais

Por: GIFE| Notícias| 15/05/2019

Em sessão realizada na quinta-feira (09/05), os parlamentares da Comissão Mista da Medida Provisória 870/2019 – que reorganiza o Governo Federal – aprovaram uma nova redação para o artigo que determinava as competências do governo em sua interlocução com Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e organismos internacionais em atuação no Brasil. 

A nova redação do artigo 5º na MP 870/2019, elaborada pela FGV Direito SP e apresentada pelo Pacto pela Democracia, prevê que à Secretaria Geral de Governo da Presidência da República compete “coordenar a interlocução do Governo Federal com as organizações internacionais e Organizações da Sociedade Civil que atuem no território nacional, acompanhar as ações e os resultados da política de parcerias do Governo Federal com estas organizações e promover boas práticas para a efetivação da legislação aplicável”.

O texto da medida provisória, editada em janeiro, apresentava quatro pontos críticos do ponto de vista das organizações: feria a Constituição, que estabelece o livre direito à associação; ignorava a importância da sociedade civil para a democracia; apresentava uma proposta que, na prática, era pouco factível o monitoramento de milhares de organizações; e ignorava os já existentes órgãos de controle, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas.

Eduardo Pannunzio, da FGV Direito SP, afirma que a redação proposta examinou o texto original e a proposta da deputada Bia Kicis, observando também a tradição legislativa do Brasil nesse relacionamento entre Governo Federal e organizações da sociedade em diversos governos, de diferentes partidos. “Percebemos que essa relação foi ganhando uma evolução crescente, sempre compatível com a ideia do papel de uma sociedade civil autônoma em um regime democrático. E o que quebrava essa tradição era justamente essa nova regra [MP 870/2019]. A proposta é fruto do diálogo com um número grande de organizações e pessoas, mas sobretudo junto ao Pacto pela Democracia, que estava bem à frente dessa bandeira. Criamos uma proposta alternativa, que de alguma maneira reflete o que é o desejo declarado de parte do governo – não ser uma instância de controle -, mas que mantém um pouco essa tradição na relação entre estado e sociedade civil”.

Outro ponto destacado por Pannunzio é que o texto da emenda aprovada pela Comissão Especial acena para acompanhamento da política de parcerias do Governo, e não fiscalização de organizações. Além de verificar o cumprimento e promover a efetivação da legislação aplicada [MROSC], que é nova no país e demanda esforços no sentido de ajustar e aprimorar procedimentos em relação às organizações que contratualizam com o Governo Federal e recebem recursos públicos.

Sociedade Livre

Uma ampla mobilização foi realizada pelo Pacto pela Democracia, por meio da campanha Sociedade Livre, chamando a sociedade civil a enviar emails aos parlamentares e ao relator da matéria, pressionando por alterações na MP 870/2019, além de esclarecer os pontos da Medida Provisória em suas redes sociais. Diversas Organizações da Sociedade Civil se uniram a essa iniciativa, potencializando seu alcance. A campanha e a articulação realizada pelo Pacto foram decisivas para conseguir a nova redação da matéria.

Para Flávia Pellegrino, da secretaria executiva do Pacto pela Democracia, o texto excedia qualquer relação com as organizações e ignorava os já existentes mecanismos que zelam pela licitude na atuação das OSCs. É fundamental para a democracia que tenhamos uma sociedade civil livre, autônoma e plural. É papel da sociedade monitorar a atuação dos representantes políticos e não o contrário”.

Outros pontos importantes alterados na MP 870 pela mobilização da sociedade civil foram o retorno da Funai e da demarcação de terras indígenas ao Ministério da Justiça. O Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília no mês de abril, reuniu milhares de integrantes de diversas etnias, que se reuniram também com parlamentares a respeito dessa movimentação.

O retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que havia sido extinto pela MP 870, também é outro ponto importante. Ele passa a integrar a estrutura do Ministério da Cidadania.

Relembre

O texto original da MP 870/2019 trazia em sua redação que caberia ao Governo “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”.

Em janeiro deste ano, logo após a publicação da Medida Provisória, mais de 50 organizações enviaram carta ao ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, questionando a constitucionalidade da MP que dava ao governo poder de supervisão e monitoramento dessas instituições.

“A sociedade civil organizada cumpre o papel de locus da cidadania, é promotora de pautas e debates essenciais à construção do país e alimenta de forma efetiva a vida democrática ao redor do território nacional, não podendo ser tutelada pelo Estado”, diz trecho da carta.

A matéria ainda precisa ser aprovada nos plenários da Câmara e do Senado, podendo sofrer modificações, até 3 de junho, quando a MP perde a validade. As organizações da sociedade civil e movimentos sociais seguem mobilizados na pressão aos parlamentares para garantir que essas alterações sejam aprovadas também em plenário.

Projeto Sustenta OSC

A agenda das organizações da sociedade civil é pauta do projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil, que visa construir um ambiente legal, jurídico e institucional saudável para a atuação das OSC. O objetivo principal é incidir no fortalecimento da capacidade institucional da sociedade civil por meio da produção de conhecimento e alterações normativas e regulatórias que ampliem as condições para a sua sustentabilidade política e econômica. É realizado pelo GIFE e pela Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da FGV Direito São Paulo, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e com apoio da União Europeia, Instituto C&A, ICE, Instituto Arapyaú e Fundação Lemann.


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