MRC: uma ferramenta útil para o investimento social privado
Por: GIFE| Notícias| 13/02/2006RICARDO VOLTOLINI*
Especial para o redeGIFE
O Marketing Relacionado a Causas (MRC), atividade a partir da qual uma empresa associa sua marca a uma causa social, visando benefícios mútuos, ainda enfrenta no Brasil uma certa desconfiança dos dois atores que poderiam se beneficiar da sua aplicação coerente e estratégica. Enquanto organizações da sociedade civil temem, de um lado, que suas bandeiras acabem aviltadas pela vinculação a produtos e serviços, as empresas receiam, por sua vez, parecerem oportunistas ao utilizarem causas públicas para fins promocionais ou institucionais.
Dilemas como este, que, na verdade, inserem-se no mesmo campo de reflexão sobre os limites da comunicação do investimento social privado, são absolutamente compreensíveis. Além de novo, o tema vem cercado de complexas variáveis de natureza técnica, ética e ideológica. Falta-nos, sobretudo, experiência e prática.
Mas o consumidor, ao que parece, já tem o seu julgamento. E, ao contrário do que sugerem os reticentes, é bastante favorável ao MRC. Pesquisa Enfoque-IDIS (Instituto do Desenvolvimento do Investimento Social) de 2005 revelou que apenas 7% dos consumidores brasileiros deixaram de comprar um produto por desconfiança a uma ação de Marketing Relacionado a Causas. Por outro lado, 91% dos entrevistados disseram achar importante o apoio de empresas a causas sociais e surpreendentes 88% manifestaram-se a favor de que elas comuniquem os seus apoios.
Os números brasileiros confirmam uma tendência mundial. Há quatro anos, a ONG Business in the Community ouviu seis mil consumidores na Inglaterra e nos EUA: 98% consideraram mais confiáveis as empresas que usam o MRC, 83% já participaram de alguma ação e mudaram de marca por causa disso e 95% desejavam ver mais empresas atuando em apoio a causas sociais e ambientais.
O comportamento do “”novo”” consumidor, surgido nos anos 90, vem influenciando o modo como se constroem as marcas. E – ao que tudo indica – será decisivo nas próximas décadas. O desafio de branding tornou-se mais complexo: como os benefícios racionais e emocionais já não são mais suficientes para gerar distinção, as marcas começam a buscar substrato em uma terceira dimensão, de natureza ética, crescentemente valorizada pela sociedade.
O consumidor moderno demonstra querer se relacionar com marcas “”mais humanas”” que “”pensam e agem como ele””; com crenças e valores sólidos, capazes de assumir compromissos éticos em relação à qualidade de vida das pessoas e do planeta. Vive-se um tempo de colapso da confiança em empresas. Atitudes que a reforcem representam, portanto, um fator distintivo de marca para consumidores mais exigentes, menos fiéis e mais conscientes de que o seu poder de escolha pode definir o sucesso ou o fracasso das corporações no mundo globalizado.
Este cenário explica, em alguma medida, a ascensão dos conceitos de responsabilidade social corporativa e consumo consciente, e também a importância do MRC como ferramenta para o investimento social privado.
Mas se o “”novo”” consumidor mostra-se receptivo ao envolvimento de marcas com causas sociais por que 47% (pesquisa Enfoque-Idis de 2003) das empresas que fazem investimento social temem o estigma do oportunismo em ações de MRC? Das três, uma. Ou não estão completamente convencidas da coerência de suas práticas sociais e receiam expor contradições e fragilidades. Ou não encontraram uma causa ou parceiro suficientemente fortes para adicionar valor às suas marcas. Ou simplesmente preferem não se arriscar em terreno desconhecido.
A experiência internacional ensina que alguns pontos são especialmente importantes para o sucesso de uma ação de MRC. O primeiro refere-se à escolha da causa e da organização parceira. Do ponto de vista técnico, o resultado tende a ser melhor para a empresa quanto maior for a afinidade “”tema”” com a “”vocação”” da marca, algo que pode ser definido a partir de um estudo, por exemplo, da proposição de valor de um produto, da história da companhia ou dos temas mais valorizados pelo consumidor.
Um bom exemplo é a Avon e a sua ação “”Um Beijo pela Vida””: pesquisas mostraram que o câncer de mama era a maior preocupação de seu público de interesse (mulheres entre 18 e 60 anos). Participar da solução de um problema tão grave foi visto pelas consumidoras, desde logo, como importante sinal de respeito, o que conferiu à marca uma aura “”ética”” que ela não possuía, extrapolando o campo das recompensas racionais e emocionais proporcionadas pelo uso de cosméticos.
Os resultados tendem a ser melhores também quanto mais claros são os objetivos da empresa e o alinhamento destes com a causa ou a organização selecionadas. Afinal, uma boa ação de MRC precisa gerar vantagens mútuas.
Ao definir como meta reduzir drasticamente o número de mortes decorrentes do câncer de mama, hoje em torno de 25% dos casos diagnosticados no Brasil, a Avon mobilizou a força de sua marca, colocou os seus recursos e o seu exército de consultoras a serviço de uma causa de evidente interesse para a sociedade. E o fez com a coerência necessária para gerar confiança: o seu compromisso é de longo prazo, produz resultados concretos, não se resume a um evento isolado, está inserido na cultura organizacional e conta com o envolvimento dos colaboradores.
Uma ação de MRC será efetivamente mais bem sucedida quanto mais legítimas forem as práticas de responsabilidade social da empresa que a realiza. Uma campanha de MRC deve sobretudo ter legitimidade pública. E isso exige transparência. Se o objetivo de uma ação for a geração de renda para uma causa, com base na venda de produtos, a empresa deve ter o cuidado de informar a quantia arrecadada e a forma como os recursos serão aplicados na solução do problema social.
O caso do McDonald´s é um exemplo ilustrativo. No McDia Feliz de 2005, a empresa levantou R$ 8,6 milhões, resultado da venda de 1,2 milhão de sanduíches. O dinheiro beneficiou 65 instituições que prestam assistência a crianças e adolescentes em tratamento de câncer. Desde 1988, quando começou no Brasil, a campanha já captou cerca de R$ 55 milhões, graças aos quais foi possível ampliar de 35% para 70% o índice de cura dos casos diagnosticados de câncer entre crianças e jovens.
Os mais céticos em relação a ferramentas como o MRC defendem que a “”intenção de vender ou de reforçar a imagem”” macula “”o interesse legítimo pela causa””. Sustenta este ponto de vista a idéia de que uma empresa sempre “”ganha mais”” nesse tipo de parceria, na medida em que vende mais produtos como conseqüência da maior predisposição emocional dos consumidores diante do apelo humanitário da causa.
Cabe aqui uma reflexão: na hipótese de que não existisse o MRC, é certo que as empresas continuariam a utilizar suas estratégias convencionais de marketing para jogar o jogo do mercado. Enquanto essas estratégias beneficiam apenas quem as propõem, gerando nos consumidores a sensação muitas vezes ilusória de que ganham algo, as que envolvem o Marketing Relacionado a Causas, desde que bem realizadas, com ética e compromisso elevado, podem beneficiar as empresas, as organizações sociais e toda a sociedade.
*Ricardo Voltolini é consultor de comunicação organizacional, especializado em Terceiro Setor e Responsabilidade Social e professor de Marketing Social da FIA-USP.E-mail: [email protected]