Municípios brasileiros enfrentam o desafio da implementação do MROSC

Por: GIFE| Notícias| 20/02/2017

Desde janeiro de 2017, está em vigor para todos os municípios brasileiros o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014) MROSC – as novas regras já valiam para União e Estados desde janeiro de 2016. Trata-se, em linhas gerais, de um novo regime jurídico que regula as parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil (OSCs).

O tema, talvez a principal mudança no ambiente legal que rege o campo social nos últimos anos, está no radar do GIFE há um tempo, orientando um debate presente em rodas de conversa, publicações e matérias especiais. O GIFE é membro do Comitê facilitador da Plataforma por um Novo Marco Regulatório – rede composta por diversas organizações da sociedade civil – e integrou, em 2010, o Grupo de Trabalho da Secretaria Geral da Presidência da República responsável por sua elaboração.

Com a virada do ano, os municípios de todo o país estão tendo que se adaptar a novas práticas, regidas por protocolos e instrumentos jurídicos. Para compreender melhor os desafios e obstáculos, além de apontar boas práticas dentro deste importante tema da agenda social, o redeGIFE conversou com uma representante do poder público que está participando do processo de implementação da lei em um município, uma fundação que atua com parcerias público-privadas em diversas localidades brasileiras e um especialista que nos mostra o caminho que percorremos até chegar a este momento. Os desafios ainda são grandes e diversos, mas já é possível afirmar que o campo tem gerado um valioso conhecimento sobre o tema.

 

Diálogo e implantação da lei

Com a finalidade de ver de perto a realidade dentro das prefeituras, fomos até Osasco, cidade da Grande São Paulo. A experiência do município paulista pode trazer pistas interessantes para outras localidades.

O município iniciou as discussões a respeito do MROSC com a instituição de um grupo de trabalho em setembro de 2014, que contou com representantes da Coordenadoria do Controle Interno, Procuradoria do Município e Secretaria de Planejamento. De acordo com Gisele Karina Santana, coordenadora de Controle Interno da Prefeitura, este passo foi determinante para o sucesso de algumas ações.

Ela conta que, em novembro de 2014, foi realizado um primeiro seminário, que contou com representantes da Secretaria de Governo da Presidência da República. Participaram cerca de 200 pessoas, entre gestores, servidores públicos e representantes das OSCs que atuavam em parceria com o município.

O objetivo central deste “encontro de largada” e de todos os outros diálogos estabelecidos a partir daí foi buscar uma solução local, mas intrinsecamente ligada à política nacional. Assim, o grupo de trabalho municipal promoveu uma série de estudos acerca da nova lei, leituras e análises de decretos regulamentadores publicados e/ou submetidos à consulta pública, de forma a apresentar uma minuta de decreto adequada à realidade local.

Nesse sentido, o diálogo envolveu uma série de secretarias municipais representantes das organizações sociais que atuavam no município. “Nossa proposta era angariar novas ideias, perceber desafios antes não identificados, colher contribuições e subsídios para a regulamentação local”, lembra Gisele.

Assim, depois de muito diálogo, incluindo uma consulta pública em outubro de 2016, o grupo chegou ao texto que resultou na publicação do Decreto Municipal nº 11.384/2016. Desde então, o grupo vem atuando fortemente na sistematização e disseminação de conhecimento sobre a implementação da lei e já publicizou alguns documentos, como o Manual de Procedimentos, que orienta sobre as fases de planejamento, execução, monitoramento e prestação de contas; e diversos modelos padrão de minutas, planos de trabalho e fluxograma de ações.

“Destaco que, não obstante um processo de ampla participação e discussão, a implementação da lei na prática tem trazido mudanças impactantes para o cotidiano do município. Isso significa quebra de paradigmas, muito planejamento, maior envolvimento das equipes técnicas, mais capacitação, estruturação de equipe responsável pelo monitoramento e pela avaliação das parcerias e o estabelecimento de novas rotinas, fluxos e procedimentos”, conta a coordenadora do Controle Interno do município.

Para Eleutéria Amora da Silva, Diretora Executiva da Abong, os desafios para as prefeituras são justamente conhecer o Marco Regulatório e promover a inclusão da sociedade civil no processo. “É preciso enfrentar esse desconhecimento para fazer a implementação no município. E essa implementação depende muito da sociedade civil. Onde a sociedade civil não participar desse processo e só o governo estiver à frente, a tendência é que essa implantação seja mais morosa”.

Ela dá o exemplo do município do Rio de Janeiro, que assinou o decreto do Marco no dia 26/12/2016: “A lei é muito ampla, serve para abrir esse espaço, para que todos os segmentos estejam ali e possam contratualizar com o poder público. É uma chamada de cidadania. E o Rio de Janeiro assinou o decreto sem nenhuma escuta das organizações. A sociedade civil que participou ativamente da construção da Plataforma, e mesmo as organizações que não participaram, todas são fundamentais nesse processo de implantação do MROSC”.

No campo do investimento social privado, um bom exemplo de como tem sido esse trabalho com as prefeituras no desenvolvimento e gestão de programas e projetos sociais é a Fundação CSN.

André Abrão, gerente jurídico da organização, explica que até a vigência do MROSC, a organização utilizava como instrumento o convênio, que proporcionava interação entre os diversos equipamentos públicos relacionados às suas atividades. Dessa forma, sempre buscou no poder público a cooperação junto às secretarias municipais de áreas como Assistência Social, Educação, Cultura e Esporte.

Com chegada do MROSC, a fundação passou a observar certa dificuldade de assimilação e adoção das alterações legislativas em termos conceituais e, agora, operacionais por parte de seus parceiros locais. Uma das razões foi o próprio momento de implantação da lei nos municípios, que coincidiu com o período de posse das novas administrações – nas cidades onde não houve reeleição de prefeitos. “Isso impediu que houvesse um diálogo mais fluido e propositivo, impondo, em muitos casos, uma ruptura e a retomada do diálogo ou o recuo em certas questões para alinhar as demandas”.

O cenário exigiu ajustes de percurso. Assim, a Fundação CSN, que encampa diversas ações de advocacy e participa de iniciativas como a Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, resolveu multiplicar e disseminar a expertise acumulada em tantos anos de ação. Este tem sido um compromisso dos últimos anos.

“Depois de profundos estudos, discussões internas e acompanhamento de fóruns de debate, promovidos principalmente pelo GIFE, temos nos aproximado dos gestores municipais para oferecer capacitação sobre o MROSC. Mais do que orientar, procuramos informar e esclarecer os principais impactos que os eixos temáticos do Marco Regulatório implicam. Tudo isso que vincula, verdadeiramente, como parceiros corresponsáveis o poder público e as OSCs, ampliando o espectro sobre as questões de conformidade e transparência que nortearão, da concepção à execução, os planos de trabalho, o chamamento público e a fixação e medição de metas”.

 

Desafios frente a mudanças estruturais

Apesar de algumas imprecisões que ainda estão sendo debatidas, o MROSC é considerado uma conquista social que representa um novo ciclo de políticas públicas para o campo social brasileiro. Trata-se de uma vitória democrática que é resultado de um processo de muito diálogo e negociações entre atores sociais de diversos setores.

Rogério Silva, sócio fundador e diretor de pesquisa da Move Social e professor do MBA em Gestão de Negócios Socioambientais da USP, aponta avanços importantes como: a possibilidade de que sejam estabelecidos mecanismos de colaboração entre diferentes entes em uma parceira; a possibilidade que as cooperações sejam feitas em rede ou em grupos de organizações; e a pactuação de resultados em termos muito mais avançados do que já feito até aqui.

“O desafio é evidentemente grande [no sentido de estruturar parcerias que contem com mecanismos de colaboração e cooperação entre diferentes organizações sociais e setores da administração pública], mas enorme também é a oportunidade de orientar os convênios, parceiras e cooperações para o genuíno interesse público”, analisa.

Outro avanço diz respeito ao ambiente institucional e jurídico que acomoda estas parcerias. Especialistas explicam que, anteriormente à publicação da Lei 13.019/2014, a ausência de uma política pública estruturante no campo gerava um cenário de insegurança, com interpretações distintas e analogias indevidas com os entes federados. A nova lei apresenta regras e princípios adequados às especificidades das relações de parceria entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, aumentando a segurança jurídica.

Aproximando a lupa para o caso de Osasco, já é possível apontar boas práticas que servem a diversos municípios que enfrentam hoje o desafio de se adaptar à nova lei. Gisele chama atenção para o devido alinhamento às políticas públicas e atualização constante de documentos básicos para a celebração de convênios e cooperações. “Para as organizações sociais estarem aptas à celebração das parcerias, destaco dois pontos relacionados ao artigo 33 da lei: o primeiro deles é a necessidade da adequação dos estatutos sociais; o outro é a preparação de relatórios de atividades que permitam demonstrar sua experiência, incluindo aspectos como sua área de atuação, as ações desenvolvidas e os resultados já alcançados”.

Outra importante dica para as organizações da sociedade civil é manter atualizada a documentação – como as certidões de regularidade fiscal -, em atendimento ao artigo 34 e, por fim, a necessidade de atentarem às vedações e aos impedimentos previstos no artigo 39.

 

Transparência, controle e avaliação

Além das parcerias serem orientadas para resultados, o MROSC dá atenção às práticas de monitoramento e avaliação. “Esta orientação é consequência do desejo de que a gestão da coisa pública seja cada vez mais baseada em evidências, que seja voltada para aprendizagem permanente e que permita que os agentes públicos e a sociedade civil manejem, de forma inteligente e adaptativa, o curso das ações. Para isso espera-se que existam matrizes de resultados e indicadores, e que tais matrizes se desdobrem em práticas de monitoramento e avaliação”, explica Rogério.

Trata-se de um processo que busca avançar em melhores práticas de transparência. Rogério lembra que o MROSC segue a esteira da Lei nº 12.527/11 para regulamentar o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas junto aos três Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. “Em linhas gerais, o Marco Regulatório fortalece a demanda por avaliação porque quer que os convênios e cooperações produzam resultados e requer que tais resultados sejam monitorados, avaliados e publicizados. Nada virá do dia para a noite, mas virá”.

A coordenadora da experiência de Osasco concorda que se trata de um caminho em construção. “De fato, é um processo. Avalio que a nova lei aumenta ainda a transparência na relação, na medida em que dispõe sobre obrigações de publicidade, seja para o órgão público, seja para a OSC parceira, incluindo a divulgação do plano de trabalho. Isso garante o controle social, uma vez que dispõe que a prestação de contas e todos os atos que dela decorram serão realizados em plataforma eletrônica, permitindo a visualização por qualquer interessado”.

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