Na briga de touro quem morre é o sapo

Por: GIFE| Notícias| 18/08/2008

Francisco de Assis Azevedo*

Toda discussão sobre os Fundos da Infância faz lembrar uma fábula do escritor grego Esopo, que tem o seguinte desfecho: “”na briga dos touros, quem morre é o sapo””. A estória conta que um sapo indefeso é pisoteado no campo por touros que travam uma luta entre si. Exageros à parte, isto nos leva a uma importante reflexão. A discussão entre empresas e fundações, Ministério Público e conselhos dos direitos da criança e do adolescente pode prejudicar os principais interessados, as crianças brasileiras?

Não há dúvida de que todas as partes envolvidas têm interesses idôneos na questão. A discussão, porém, não pode perder de vista a essência para ficar apenas no campo das formalidades, da burocracia e do legalismo.

A legislação brasileira permite que pessoas físicas e jurídicas deduzam do Imposto de Renda devido as doações feitas aos fundos da infância, limitados a 6% e 1% respectivamente. A discussão central é: pode alguém, que doa recursos aos Fundos da Infância, indicar a organização social que vai receber o recurso?

Os Fundos da Infância foram criados em 1991 com a finalidade de captar recursos para a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes, especialmente aquelas em situação de risco social. As empresas, entretanto, só passaram a olhar com mais atenção para os fundos quando, em 2001, dentre outras iniciativas, foi criado o Projeto Fundo Amigo. Parceria do então Instituto Telemig Celular com a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). O Fundo Amigo estimulava as empresas do Estado a destinar 1% do imposto de renda devido aos Fundos da Infância e a motivar seus funcionários a fazer o mesmo. Em apenas três anos, o volume de recursos destinados aos fundos em Minas Gerais aumentou em mais de 50 vezes.

Em função do sucesso do projeto, o Fundo Amigo tornou-se nacional a partir de 2004, por meio de uma parceria com a Secretaria de Direitos Humanos e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Percebendo esse potencial, outros estados iniciaram campanhas e criaram mecanismos mais eficientes de captação de recursos para os Fundos da Infância. Com o aumento de recursos, o Ministério Público, cumprindo seu papel, passou a ter mais atenção aos fundos.

Em parceria com empresas, alguns conselhos criaram formas de captação que permitiam ao doador escolher a organização ou projeto que receberia a totalidade ou parte dos recursos. Esse procedimento levou o nome de “”doação casada””, o que, na interpretação de alguns, fere a autonomia dos conselhos.

Aí está a questão. Hoje, existem duas formas de se planejar a aplicação dos recursos. Os conselhos podem selecionar projetos e destinar o dinheiro de acordo com o montante disponível ou podem dar às organizações proponentes a possibilidade de elas próprias atraírem recursos. No primeiro caso, cabe ao conselho ser o captador, ou aguardar pela boa vontade dos doadores. No segundo, cria-se uma grande e motivada rede de captadores.

Não é necessário conjecturar sobre os resultados práticos de um e de outro modelo. Basta olharmos para os fundos das cidades do Rio de Janeiro, que adota o primeiro modelo, e de São Paulo, que adota o segundo. No caso carioca, desde que se adotou essa postura, o volume de recursos só vem caindo. Passou de R$ 1,7 milhão em 2004 para R$ 332 mil em 2007, ao passo que na capital paulista, que adota o segundo modelo, os recursos aumentaram de R$ 3 milhões em 2004 para R$ 40 milhões em 2007.

Ainda é preciso avançar muito de ambos os lados. Os doadores precisam entender melhor o papel dos conselhos, e os conselhos precisam ser estruturados, para que possam exercer com mais eficiência o seu papel em relação aos fundos. Além disso, o poder executivo precisa ser mais ágil na liberação dos recursos dos Fundos da Infância.

Diante da discussão surge agora a proposta de Resolução do Conanda, que aponta caminhos que estimulam a doação pelas empresas e pessoas físicas aos Fundos da Infância, sem tirar a autonomia dos conselhos e, ao mesmo tempo, os orienta a fazer diagnósticos e planos de aplicação dos recursos dos fundos. Espera-se que a assembléia do Conanda, que deverá apreciar as contribuições da sociedade civil à resolução submetida à consulta pública- que se encerra dia 30 de agosto –, aprimore ainda mais a proposta e marque o início de uma nova história ao impulsionar organizações que utilizam recursos dos Fundos da Infância a atenderem a milhares de crianças e adolescentes em situação de risco social.

*Francisco de Assis Azevedo é diretor executivo do Instituto Camargo Corrêa, idealizador dos programas Pró-Conselho e Fundo Amigo.

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