Nem tudo são flores

Por: GIFE| Notícias| 27/07/2009

Maria Helena Escovedo*

No final da década de 1990 foi um momento de grande perplexidade das lideranças empresariais capixabas, diante da gradativa redução de investimentos por parte do Estado na área de assistência social. O que gerou desconfiança crescente do empresariado quanto à finalidade dos recursos recolhidos pelo Estado, em forma de pesados impostos, sob o discurso de melhoria da educação, saúde e segurança pública.

As organizações sociais se esforçavam em busca da sustentabilidade, através da captação de recursos junto ao poder público, empresariado local e organizações internacionais de cooperação e fomento. Os empresários se movimentavam em busca de respostas que os ajudassem a investir nas áreas, que entendiam prioritárias, e que fosse garantida a competência e segurança na aplicação dos seus investimentos.

Nascia, nesse contexto, em 1994 a Ação Comunitária Espírito Santo (ACES) que guardava em sua gênese a proposta de sustentabilidade que seria garantida pelo investimento dos sócios fundadores, através de um “”Fundo ACES””, com objetivo de auto-sustentação.

A estruturação dos programas e projetos da ACES, inicialmente, priorizou-se as demandas apresentadas por organizações da sociedade civil que realizavam atividades nas áreas de reforço escolar, saúde comunitária e atividades socioesportiva e culturais, na tentativa de suprir ações do poder público. A ACES se consolidava como mediadora das demandas socias e o investimento social privado.

Na visão da época um dos pilares da sustentabillidade estava garantido. A capacidade de investimentos privados e o desenvolvimento de “”boas práticas”” educativas e sociais, dando a sensação de sustentação duradoura. Com a ampliação do quadro com mais 15 novos associados, reafirmou-se esta “”certeza””.

Iniciava-se a busca coletiva de modernização na gestão e profissionalismo dos quadros técnicos, visando garantir a sobrevivência da organização. Foi nesse momento de inquietação que ampliamos a captação de recursos para a esfera internacional, firmando parceria com a Kellogg Foundation. Os investimentos eram voltados para a formação de gestores nas áreas estratégicas, de gestão e de captação de recursos. Temas estes nunca antes abordados nas organizações sociais no Estado.

A aproximação com esses temas impulsionou a equipe técnica a elaborar, em 1995, o planejamento estrégico da ACES, definindo como missão: “”Articular as organizações e realizar programas e projetos sócio-educativos com qualidade, ética e inovação, contribuindo para a promoção social””. Não houve participação da direção nessa construção e sem o devido respaldo nunca foi implementado.

Dizíamos em tom de brincadeira que o PIB capixaba encontrava-se presente nas reuniões da diretoria. Esta representatividade não se traduzia em participação dos dirigentes, que se limitavam às reuniões deliberativas, sem uma participação efetiva nas discussões de fundo, como se a sustentabilidade fosse o resultado esperado da intervenção técnico-gerencial da organização.

Outro dado relevante no caminhar da ACES foi a contribuição na formulação de políticas públicas, através da inserção em instâncias de controle social, estadual e municipal. Ato continuo foi a formação de conselheiros dos direitos da criança e do adolescente de Vitória, em conjunto com o poder público e a rede de atendimento municipal. Fomos convidados a coordenar o “”Projeto de Comunicação com o Terceiro Setor””, uma parceria com a Arcellor Mital Tubarão, que objetiva “”aprimorar os processos de gestão nas dimensões de governança, desenvolvimento de pessoas, administrativo, financeiro, contábil, jurídico e estratégico das organizações sem fins econômicos””.

Caminhamos em direção a “”sustentabilidade”” buscando a captação e diversificação de recursos, alcançamos a almejada credibilidade junto aos parceiros e diferentes atores sociais, contribuíamos na construção de políticas públicas nas áreas de assistência social, criança e adolescente, direitos humanos, pessoas com deficiência e consolidamos a articulação nas redes sociais locais. Ou seja, a construção de estratégias de atendimento às necessidades política, pedagógica e social estavam em desenvolvimento.

Será que não deixamos escapar nesta busca alguns pontos importantes, como o projeto político e pedagógico, que deveria estar intrinsicamente ligado aos valores e a missão e visão da organização, governança, comunicação com nossos públicos e um sistema de acompanhamento e avaliação?

Teriamos alcançado a tão almejada mobilização de recursos e o desenvolvimento institucional ?

No final de 2008 desencadeamos, em cumplicidade com a nova direção, um processo de análise e avaliação da história da organização e buscamos entender quais os fatores que deveriam ser agregados para o alcance de nossos objetivos.

Entendemos que precisávamos preparar-nos para a tarefa que está sendo assumida, alinhando a organização com suas crenças e os valores.

Nossos quadros técnicos ressentiam-se com a carência de diálogo interno e formação, os projetos não se comunicavam e não tinham a mesma orientação teórico-prática. Nossos processos de gestão, nas dimensões de governança, administrativa e financeira não estavam estruturados para responder ao imperativo do desenvolvimento institucional. Éramos uma “”bela”” colcha de retalhos.

Nessa ebulição institucional buscamos cooperação de parceiros que contribuíssem com apoio técnico e financeiro e nos estimulasse a “”desenvolver competências organizacionais a fim de manter sua sustentabilidade; aumentar a eficiência e eficácia de seus processos de gestão”” . Ao lançar seu edital de seleção de projetos, o Instituto C&A de Desenvolvimento Social desponta como parceiro que corresponde às nossas ansiedades “”institucionais””.Elaboramos o “”Projeto Faces”” e fomos selecionados para a difícil tarefa encontrar as respostas para o nosso desenvolvimento, passando pela mobilização e fortalecimento institucional.

O projeto FACES, se consolida como uma estratégia formativa de revelar a identidade, o processo de organização e a dinâmica do funcionamento da ACES em sua integralidade e multidimensionalidade. Tem se mostrado um instrumento de busca e, ao mesmo tempo, uma oportunidade coletiva de reflexão sobre os sentidos das práticas, em suas várias dimensões. Uma imagem da realidade vivida e, ao mesmo tempo, o querer construir mais e melhor. Por isso, sua elaboração não pretende como resultado um documento frio, estático ou estanque, e sim um documento mobilizador em relação à utopia de uma sociedade mais igual.

Para dar conta do processo iniciado, entendemos que havia um caminho a ser percorrido para alcance dos resultados já explicitados. Teríamos que criar uma metodologia participativa e aglutinadora com o público (organizações parceiras, diretoria, conselho fiscal, usuários e colaboradores) envolvido na atuação da ACES.

O primeiro passo foi se apropriar de toda a história da ACES. Construímos uma dinâmica que contou com depoimentos de integrantes do público-alvo, além de acessarmos os documentos, relatórios, revistas e materiais fotográficos.

Movimentamos-nos a passos largos em direção a atualização do planejamento estratégico. Propusemos como missão: “”Promover o desenvolvimento institucional da rede social por meio do fortalecimento de programas que contribuam para a transformação social””. E como visão: “”Ser referência em tecnologia social para o gerenciamento de projetos de desenvolvimento institucional””, o que foi referendado pela Diretoria em sua última reunião.

Está sempre presente nessa formulação o conceito de desenvolvimento institucional que comungamos:

“”… o desenvolvimento institucional permanente é condição sine qua non da sustentabilidade. Isto quer dizer que é inescapável para uma ONG encetar um processo permanente de atualização e qualificação de sua missão e de seu projeto político, das bases de sua legitimidade, de sua capacidade de gestão estratégica, da adequação de sua estratégia de intervenção e metodologia, de sua habilidade e força para influenciar o processo das políticas públicas, de seus mecanismos de governança institucional, de sua disposição e preparo para gerar conhecimentos socialmente úteis e de administrar pessoas e recursos””. Armani, Domingos – Sustentabilidade: desafio democrático.

O “”World Café”” foi a metodologia adotada para elaborarmos as diretrizes para a reformulação do Estatuto Social da ACES e que, segundo Chris Corrigan, “”é o processo que uso quando queremos descobrir o que o coletivo sabe””.

Torna-se cada vez mais presente a constatação sobre como estávamos distantes de alcançar a sustentabilidade. Deparamos-nos com mudanças simples e tão significativas na cultura institucional, como as questões estratégicas sendo discutidas nas reuniões de colaboradores, ou a participação da diretoria no desenvolvimento de temas relevantes, como a comunicação e diretrizes metodológicas, em conjunto com a equipe técnica.

A democratização dos processos decisórios. Ou até mesmo o desnudamento da organização quando reflete suas dificuldades e tropeços com as organizações parceiras e que tinha na ACES um farol onde deveriam se espelhar. O projeto político pedagógico sendo discutido calorosamente por estagiários e empresários na mesma mesa e com o mesmo objetivo: a transformação social!

Entendemos que estamos engatinhando na direção para alcançarmos a nossa utopia de uma sociedade mais igual. Olhando para o novo horizonte a ser perseguido e algumas tarefas tornam-se vitais. A co-participação com a rede social da concepção política de enfretamento da pobreza, o valor social do projeto institucional, a árdua tarefa de ampliar os investidores e que se tornem “”cúmplices”” dessa busca pelo desenvolvimento, ampliar o poder de interferir na elaboração de políticas públicas que correspondam a minimize as desigualdades sociais.


* Maria Helena Escovedo é a gerente geral da Ação Comunitária Espírito Santo (ACES).

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