Nova Cofins pode causar sérios prejuízos à atuação do terceiro setor brasileiro

Por: GIFE| Notícias| 08/12/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Em processo de conversão de lei na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória 135, de 30 de outubro de 2003, altera a legislação relacionada à Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e pode causar sérios impactos ao terceiro setor brasileiro. Ela prevê que, a partir de fevereiro de 2004, diversas pessoas jurídicas – inclusive algumas do terceiro setor – passarão a recolher a Cofins à alíquota de 7,6% sobre a totalidade de suas receitas. Isso representa um aumento de 153% sobre a alíquota atual, que é de 3%.

Somente ficaram isentas da Cofins as “”receitas próprias”” das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos. As demais entidades sem fins lucrativos – sejam elas de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico ou associações – passarão a ser taxadas em 7,6%.

Na legislação anterior (MP 2185-35), entidades sem fins lucrativos que não fossem de educação ou assistência social também tinham suas receitas próprias isentas da Cofins. Porém, no artigo 10 da nova MP, que prevê a manutenção do sistema antigo para certos tipos de personalidades jurídicas, elas foram excluídas.

Na última segunda-feira (1º/12), o GIFE enviou uma manifestação ao relator da MP, deputado Jamil Murad (PCdoB-SP), visando a alertar o governo sobre esses aspectos da medida e buscando suas alterações. Procurados pela reportagem do redeGIFE, tanto o deputado como a Receita Federal não se pronunciaram até o fechamento da edição.

Para Alexandre Ciconello, advogado da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), o maior problema é que a medida permite interpretar que todas essas organizações devem passar a recolher a Cofins sobre o total de suas receitas. “”Nos últimos anos, o governo tem buscado elevar a sua receita a qualquer custo. Nessa cruzada fiscalista, algumas vezes, nem mesmo as ONGs que atuam na esfera pública são poupadas. Acredito que isso ocorre por desconhecimento do Estado da importância do papel e dos trabalhos desenvolvidos por essas organizações na construção de um país mais justo, democrático e sustentável””, avalia Ciconello.

O consultor jurídico do GIFE, Eduardo Szazi, afirma que as entidades que não se dedicam à educação e à assistência social, em geral, não têm o direito de deixarem de pagar as contribuições destinadas à seguridade social – cota patronal, INSS, CPMF e PIS. “”Acredito que se a organização investe seus recursos em uma causa pública, não deveria pagar impostos e contribuições que, em última análise, serão destinados ao atendimento de causas públicas pelo governo.”” (Clique aqui para ler artigo inédito de Eduardo Szazi sobre a MP 135)

Raul Telles do Valle, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), conta que o valor que a organização deverá pagar com a Confins equivale, em seu orçamento anual, ao que se gasta para manter uma equipe dedicada a um dos programas institucionais. “”Portanto, pode significar, no limite, a desativação de um programa inteiro, ou a diminuição de pessoal em praticamente todos os projetos, com óbvios prejuízos para a nossa missão institucional.””

Ele observa que, além de drenar diretamente parte dos recursos que seriam aplicados nos projetos ou na manutenção da infra-estrutura institucional das organizações do terceiro setor, a tributação de qualquer receita pela alíquota de 7,6% afastará muitos doadores privados e impossibilitará o acesso de muitas ONGs a fundos públicos. “”Tanto os doadores como os fundos têm muita resistência em aceitar que os recursos por eles financiados sejam gastos com tributos””, lembra.

Receita própria – Szazi também aponta como um problema o conceito de “”receita própria”” adotado pelo governo. Ele acredita que a definição é questionável e visa, na verdade, a restringir a isenção. “”É importante que esse conceito seja revisto para livrar as entidades de uma controvérsia com a fiscalização. Tenho notado que muitas não estão adotando o mesmo critério da Receita e, por isso, correm o risco de serem autuadas.””

A Receita Federal exclui do conceito de “”receita própria”” os programas de geração de renda – como prestação de serviços e venda de produtos – e investimentos em imóveis, por exemplo. Mesmo que esses recursos sejam destinados inteiramente à atividade social, eles ainda são tributados em 3%. Com isso, o governo federal coloca em risco o desenvolvimento das entidades que dedicam a totalidade de suas receitas a causas de interesse público.

“”A interpretação da Receita Federal é ilegal e abusiva, pois considera como receitas derivadas de atividades próprias somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades. O aumento da alíquota vai prejudicar todas as organizações não-governamentais que prestam serviços ou vendem algum tipo de produto como forma de garantir a sua sustentabilidade financeira””, afirma Alexandre Ciconello, da Abong.

De acordo com o capítulo brasileiro da pesquisa Global Civil Society – Dimensions of the Nonprofit Sector, feito por Leilah Landim para a Jonhs Hopkins University, em 1999, 68,3% dos orçamentos das organizações sem fins lucrativos vêm da geração de renda auferida pela prestação de serviços.

Hélio Mattar, presidente do Instituto Akatu e conselheiro político-estratégico do GIFE, acredita que, se realmente existe uma intenção em taxar a totalidade das receitas das entidades do terceiro setor, o governo está declarando pouca estima pelo que fazem as organizações sociais.””Um governo que fala ativamente em parcerias com a sociedade civil deveria se preocupar em criar condições crescentemente melhores para essas organizações, e não o inverso””. (leia a entrevista completa)

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