Nova política social do governo impacta atuação de OSC junto a comunidades
Por: Fundação FEAC| Notícias| 21/02/2022A substituição, que entrou em vigor em novembro de 2021, desfavorece parte da população pobre, analisa especialista (Foto: Agência Brasil)
A reformulação feita pelo governo federal nos programas sociais expõe as famílias dos territórios mais vulneráveis a novos desafios. A substituição do Bolsa Família e Auxílio Emergencial pelo Auxílio Brasil, que entrou em vigor em novembro de 2021, é uma “conta que não fecha” e desfavorece parte da população pobre, analisa a economista da consultoria Reconomizar e mestra em Economia Política Regiane Wochler.
Em outubro do ano passado, quando foi extinto, o Bolsa Família chegava a 14,6 milhões de famílias. Na primeira etapa, em 2020, o Auxílio Emergencial socorreu 68 milhões de pessoas. Na segunda, em 2021, foram quase 40 milhões de atendidos. De acordo com o Mistério da Cidadania, em fevereiro, o Auxílio Brasil passou a contemplar 18,05 milhões de beneficiários.
“Da forma como ele foi desenhado, estima-se que pelo menos 23 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade estão desassistidas dos programas sociais do governo”, observa Regiane. E isso em um cenário em que a economia do país não retomou o ritmo de crescimento, os juros seguem subindo e desestimulando ainda mais as atividades econômicas e o desemprego continua alto. Além disso, há uma queda significativa no rendimento médio das famílias e aumento do custo de vida com a elevação dos preços de alimentos, combustíveis e energia.
“O índice de miséria, soma do desemprego com inflação, mostra que estamos vivenciando uma situação dramática para os mais pobres”, alerta Regiane. Mesmo pagando um benefício médio em torno de R$ 400, acima do que concedia o Bolsa Família, o Auxílio Brasil não cobre o valor da cesta básica de uma família de 4 pessoas que, de acordo com dados de janeiro do Dieese, está em R$ 713,86. “Ou seja, não garante nem a segurança alimentar aos mais pobres nas regiões metropolitanas”, aponta a economista.
Alertas das comunidades
Embora ainda não existam estudos ou levantamentos direcionados para detectar os impactos do fim do Bolsa Família e Auxílio Emergencial, alguns sinais já começam a ser percebidos pelas Organizações da Sociedade Civil (OSC) parceiras da Fundação FEAC no contato com as populações dos territórios onde atuam.
Na região noroeste de Campinas, o Projeto Gente Nova (Progen) atende mais 2,4 mil pessoas e suas famílias com projetos que buscam o fortalecimento de vínculos sociais, familiares e comunitários, além da prevenção de situações de risco e vulnerabilidade de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Segundo a assistente social Marcela Egídio de Souza, coordenadora técnica da Unidade Vila Bela, o fim do Bolsa Família e do Auxílio Emergencial, em 2021, teve um impacto significativo nas famílias de extrema vulnerabilidade acompanhadas pela entidade.
“Em nossos atendimentos, notamos o avanço de demandas relacionadas à segurança alimentar, uma vez que 59% das famílias atendidas convivem com uma renda mensal entre um e dois salários-mínimos, o que é insuficiente, considerando o número de integrantes no grupo familiar”, observa ela.
Marcela explica que apenas 15% das famílias atendidas pela entidade estão sendo contempladas pelo Auxílio Brasil. “Embora uma parcela significativa de nosso público viva uma situação de vulnerabilidade social e econômica, nem todas as famílias se encaixam nos critérios de inclusão para esse benefício.”
A mesma dificuldade foi observada na OSC Movimento Assistencial Espírita Maria Rosa (M.A.E. Maria Rosa), que atua na região Norte de Campinas. “Encaminhamos para o Cras [Centro de Referência de Assistência Social] e tentamos ajudar a família a regularizar o cadastro para ver se consegue ingressar no programa. Mas nem sempre dá certo. Acompanhamos o caso de uma mãe desempregada, por exemplo, que mesmo atualizando os dados no Cadastro Único não conseguiu”, observa a assistente social da organização, Pamela Camilo Percio.
Em 2020, no início da pandemia, com doações de parceiros e ajuda do programa de segurança alimentar da prefeitura, o Viva Vida, a M.A.E. Maria Rosa chegou a distribuir até 400 cestas básicas mensais na comunidade que abrange. Com a retomada das atividades presenciais da entidade, essa ajuda emergencial diminuiu. Mas as demandas começaram a aumentar novamente. “Semanalmente, recebemos de 60 a 70 pessoas da comunidade querendo saber se vai ter doação de cesta básica”, observa Pamela.
O papel das OSC
Desde o início da pandemia, com a insuficiência de políticas públicas para aplacar as necessidades das famílias mais pobres que se viram ainda mais desamparadas, as OSC assumiram um papel essencial. “Elas ganharam enorme protagonismo na atuação para redução da insegurança alimentar das famílias mais vulneráveis ao longo da pandemia”, observa Regiane.
Bons exemplos são a Central Única das Favelas (Cufa) e a Frente Favela Brasil (FFB) que lideraram grandes campanhas para arrecadação de alimentos e recursos para aliviar os efeitos da pandemia sobre suas comunidades.
No atual cenário de retração econômica, com tantas pessoas fora do guarda-chuva de programas de transferência de renda, Regiane observa que as OSC precisam ir além de ações mais imediatas como a distribuição de cestas básicas.
“Acredito fortemente que a atuação das OSC e ações fundamentadas nos princípios da economia solidária devem se destacar como ferramentas efetivas de geração de renda nas comunidades”, explica. “Os instrumentos de economia solidária trazem às comunidades a possibilidade de crescer de dentro para fora, a partir de seus próprios saberes e valores, fora da lógica do mercado normalmente excludente para os mais pobres.”
Regiane cita o exemplo do Favelas Fundos, lançado recentemente pela Cufa, um fundo de capital de risco de R$ 50 milhões que tem por objetivo acelerar negócios criados em comunidades. “Outro exemplo de inovação para lidar com esse momento adverso são os bancos comunitários, criados a partir das especificidades de cada comunidade.”
Entre os parceiros da Fundação FEAC, o Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia (CCJSL), que atua na região sudeste de Campinas, está nos ajustes finais para lançar o projeto-piloto de uma iniciativa de geração de renda voltada para a comunidade.
A ideia é fazer uma horta comunitária em uma área de 1.000 metros quadrados da Transpetro, subsidiária da Petrobrás. “Já temos técnicos voluntários, precisamos agora do financiamento para a infraestrutura dos canteiros e iniciar o plantio”, explica Ricardo Leite de Moraes, coordenador geral do CCJSL.
Com o sucesso da horta piloto, o projeto pode ser ampliado, uma vez que a Transpetro tem pelo menos dez espaços como esse na região que podem ser aproveitados. “A ideia é dar trabalho a famílias da comunidade que necessitam de renda, criar um negócio social”, diz Ricardo.
Por Iracy Paulina