O enfoque de direitos humanos na Primavera Árabe

Por: GIFE| Notícias| 28/02/2012

Fateh Azzam*

Atravessamos uma revolta e quase a metade da população dos estados árabes protesta contra o fracasso das políticas sociais e a repressão política existente há décadas. Em vez de ter como objetivo um compreensivo desenvolvimento social e político para beneficiar o povo, as políticas estatais estavam orientadas ao mercado global e ao crescimento macroeconômico. Os recursos nacionais eram dilapidados pela corrupção e abertamente roubados por alguns privilegiados. O preço pago tem sido muito alto: um eloquente aumento da pobreza, aumento das disparidades e praticamente uma negação dos direitos de cidadão.

As demandas das revoluções árabes são, igualmente, o estado de direito, o direito social, o direito econômico e a justiça política. Eles criaram um novo contexto e neste as fundações precisam rever seus conceitos sobre o seu papel e as responsabilidades a desempenhar. Já não é mais suficiente tratar do desenvolvimento dos programas e projetos isoladamente dos aspectos políticos e ambientais mais amplos. Devemos incluir o conceito de economia, do social e da justiça política na primeira linha de ações; isto é; se estamos seriamente determinados a atingir um desenvolvimento sustentável.

Os princípios e os padrões de direitos humanos constituem o conteúdo substancial de “justiça” que as sociedades árabes estão demandando; os direitos humanos são de fato chave para alcançar um desenvolvimento humano abrangente e sustentável. A Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento diz tudo ao afirmar que o desenvolvimento é um direito e não apenas uma necessidade e que a pessoa humana é o centro do desenvolvimento. A Declaração ainda chama os países para “… eliminar os obstáculos ao desenvolvimento resultantes da falha em não respeitar os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”.

Para que seja sustentável, o foco do desenvolvimento deve ser o ser humano que participa, contribui e se beneficia dos projetos. O ser humano pode fazer isso desde que desfrute de liberdades civis e políticas. Precisa-se de liberdade para criticar as políticas e práticas de desenvolvimento do governo, associar-se a outros para articular e organizar modelos alternativos de desenvolvimento e se engajar como parceiro integral e independente no processo de desenvolvimento. Este é o tema de todos os direitos humanos: econômico, social e político. Este é o apoio necessário que as fundações podem fornecer.

A lição que podemos aprender dos recentes eventos no Oriente Médio e na África do Norte é que as fundações precisam focalizar o desenvolvimento a partir da perspectiva dos direitos humanos. Mas o que isso significa no nosso dia-a-dia? Eles nos fornecem quatro princípios básicos que devemos levar em consideração quando analisamos qualquer proposta para o desenvolvimento de um projeto.

Precisamos nos orientar por seus princípios
Cada um dos projetos desenvolvidos está relacionado a um ou mais temas dos direitos humanos; todos possuem padrões, critérios, escopo e até mesmo restrições que nós devemos saber muito bem. O direito à moradia, por exemplo, é de fato um direito a uma moradia adequada, que inclua o acesso à água, saneamento, proximidade a transporte, comunicação, proteção e acesso à saúde. O direito à saúde não é apenas um direito teórico à saúde mental e física; também inclui tratamento médico financeiramente acessível.


Longe das violações de direitos
O princípio de “não causar danos” requer isto. Se a eliminação da discriminação não está claramente especificada entre os objetivos da agência ou do doador filantrópico, então essa agência é cúmplice do aprofundamento da discriminação.

Participação dos beneficiários
Outro princípio é a participação que constitui um dos elementos mais importantes do direito ao desenvolvimento. Significa que os beneficiários devem participar de um projeto a partir do desenho, do planejamento e da identificação das prioridades na implementação (monitorando e avaliando).
A participação permite não só que os beneficiários contribuam em vez de serem apenas os receptores, como também estimula a prática da participação democrática. Dá a eles “senso de propriedade” e uma significante parte da responsabilidade pela implementação e controle do sucesso ou fracasso. Dá ao projeto legitimidade social, enfim. A agência que o implantar tem também a responsabilidade de ser transparente perante o grupo beneficiado e à doadora.

Visão da transparência e da responsabilidade.
A maioria das instituições ainda exige descrições e relatórios financeiros como a única forma de cobrar responsabilidades. Estes são necessários, sem dúvida, mas como fica a responsabilidade do próprio doador? A organização doadora deve se responsabilizar quanto ao seu desempenho, e não apenas em relação às leis do país que devem ser seguidas, tal como perante os beneficiários.
Agora, é comum falar sobre aqueles que damos apoio, mas ainda não temos uma parceria transparente de fato na relação desigual entre investidores e apoiados. Seria interessante pesquisar quantas fundações de fato consultam os seus parceiros beneficiados quando tomam as decisões sobre as prioridades a financiar ou sobre o enfoque a seguir ou ainda incluí-los nas avaliações de suas próprias estratégias e métodos de trabalho.

Como podemos integrar estes princípios?
Podemos integrar ativamente os princípios dos diretos humanos no critério de aceitar as propostas de doações. Ao revisar qualquer projeto proposto é importante basear-se em padrões para avaliar a viabilidade e o potencial de sucesso do projeto em longo prazo. Questões relevantes podem ser incluídas nos formulários de requerimento e agregadas nos mecanismos de participação e fazer parte de nossa negociação de doações.
Os oficiais da programação precisam ter um mínimo de conhecimento dos padrões de direitos humanos para fazerem o seu trabalho adequadamente. Também é possível estabelecer uma parceria entre as agências doadoras e ativistas/organizações dos direitos humanos para que estes últimos possam desenvolver a capacitação do pessoal das fundações ou fornecer uma base adequada para avaliar projetos.
Grupos de discussão podem ser organizados sob o tema geral de educação de recursos humanos e de como desenvolver mecanismos para assegurar a participação efetiva e práticas padronizadas em fundações. Nós da Arab Human Rights Fund certamente estamos prontos para contribuir nestes temas.
Resumindo: o desenvolvimento é um direito humano e em vários elementos constitutivos estão os direitos humanos. O inverso é também verdadeiro: para que as pessoas alcancem um desenvolvimento abrangente e sustentável, todos os direitos humanos devem ser desfrutados, inclusive os direitos políticos, como a liberdade de expressão e o direito de participar na condução de assuntos de interesse público.
As fundações não podem mais isolar o político do desenvolvimento ou do humanitário. Devemos começar ativamente a discutir os métodos de assegurar que o nosso apoio ao desenvolvimento é também um ato “político” no sentido mais amplo a ter um sistema democrático de igualdade, equidade e autodeterminação do seu presente e do seu futuro.
Esta interdependência está amplamente demonstrada pelas revoluções que no ano passado estremeceram pelos menos sete países árabes. Estas revoluções foram não só contra governos, repressão e políticas injustas como também lançaram um desafio perante todos nós. Nos clamam a rever os nossos objetivos constantemente e também o nosso método de trabalho para que claramente o nosso trabalho possa ser dirigido à justiças social, econômica e política. As leis de direitos humanos podem constituir a base e a orientação de este trabalho e os levantamentos nos lembram de que devemos colocar a nossa fé na sociedade civil porque as pessoas sabem o que desejam e o que têm direito a ter.

*Fateh Azzam é membro do diretório da Arab Human Rights Funds. Email: [email protected]. Mais informações: www.ahrfund.org

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