O Estado é necessário, imprescindível, mas não é suficiente

Por: GIFE| Notícias| 15/04/2002

Augusto de Franco, conselheiro do Comunidade Solidária, será o palestrante da conferência Novos papéis, novas representatividades – obstáculos e interações entre Estado, Mercado e Sociedade Civil no Brasil durante o II Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado. Em entrevista ao redeGIFE ele fala sobre o tema.

redeGIFE – A redução do papel do Estado – a quem ainda compete a universalização dos serviços públicos – e o maior poder atribuído ao Mercado é um caminho sem volta? Com este ganho de poder, que responsabilidades são conferidas ao Mercado sobre as questões sociais?
Augusto de Franco – Na verdade está em curso na contemporaneidade uma modificação do papel do Estado, e não necessariamente uma redução. Além dos papéis clássicos que deverão ser mantidos – emitir moeda, deter o monopólio do uso da força dentro da lei -, existem novos papéis, reguladores e indutores, que deverão ser exercidos mais intensamente pelo Estado. Tudo indica que precisaremos de Estados mais fortes e não mais fracos. O que não quer dizer que ele deva arcar com funções que devem ser exercidas, em parte, pelo Mercado e, em outra parte, pelo terceiro setor – e isso não porque o Estado está se retraindo, se desresponsabilizando de suas funções, e sim porque existem coisas que devem ser feitas por outros sujeitos. A “”fórmula”” aqui é: o Estado é necessário, imprescindível, insubstituível mesmo, mas não é suficiente. Ou, mais resumidamente: o Estado é tão necessário quanto insuficiente.

redeGIFE – Como dinamizar a organização da Sociedade Civil para que ela possa exercer efetivamente o seu papel complementar e de controle do Estado e de interlocutor qualificado para questões sociais junto ao setor privado?
De Franco – Quem disse que o papel da sociedade civil é o de complementar e controlar do Estado e o de ser interlocutor junto ao setor privado para questões sociais? Colocaria a questão em outros termos. As organizações da Sociedade Civil têm uma função própria no processo de desenvolvimento social, e não apenas um papel que possa ser definido a partir da ótica do Estado, ou seja, pensado a partir do que ele faz ou deixa de fazer. Existem razões para isso. Como todo desenvolvimento é social (uma vez que o conceito de desenvolvimento se aplica propriamente a sociedades humanas), o terceiro setor tem um papel necessário, insubstituível, imprescindível mesmo – embora não suficiente – no desenvolvimento (em todas as suas dimensões). O setor social é em parte privado e em parte público – se definirmos esse caráter (público/privado) pelo regime de funcionamento e pela finalidade de suas ações. Nestes termos, a porção pública do terceiro setor tem um papel fundamental de interlocutor sim – e, mais do que isso, de parceiro – tanto do Mercado quanto do Estado para a realização de ações de desenvolvimento. Essa “”divisão de trabalho”” que coloca as organizações da Sociedade Civil como uma espécie de “”legião dos preocupados”” com questões sociais, em geral de corte assistencial, ainda existe. Mas é uma herança a qual temos de renunciar se quisermos que a Sociedade Civil alcance sua maioridade política. Por outro lado, esta Sociedade Civil não tem apenas um papel de controle do Estado, mas também de orientação (social) do Mercado.
Trata-se então de dinamizar a organização da Sociedade Civil para que ela possa exercer efetivamente o seu papel de sociedade, e não papéis que supostamente foram abandonados pelo Estado. No que tange à porção pública do terceiro setor, trata-se de assumir responsabilidades, tomar iniciativas e alavancar recursos de toda ordem para, autonomamente e em parceria com o Estado e com o Mercado, realizar ações de desenvolvimento.

redeGIFE – O senhor acha que é possível um equilíbrio de forças entre Estado, setor privado e Sociedade Civil em nosso país?
De Franco – Não sei o que podemos entender por equilíbrio de forças. Só tem sentido essa expressão se estivermos falando da interação de sujeitos em conflito. Mas Estado, Mercado e Sociedade Civil são esferas da realidade social, e não sujeitos políticos em conflito. Por outro lado, o conceito de equilíbrio não é bom para sistemas complexos como as sociedades. Sociedades são sistemas que só se desenvolvem se estiverem afastados do estado de equilíbrio. O que não quer dizer que não sejam sistemas estáveis. Mas estabilidade nada tem a ver com equilíbrio. O que é necessário alcançar não é um “”equilíbrio de forças””, mas uma sinergia entre iniciativas provenientes desses três setores. Por quê? Porque nenhum deles, isoladamente, é suficiente para promover o desenvolvimento desse sistema complexo e estável, afastado do estado de equilíbrio chamado de sociedade humana.

redeGIFE – Existe participação efetiva da Sociedade Civil organizada na formulação de políticas públicas para a área social no Brasil? Por quê?
De Franco – Diria que há uma crescente participação da sociedade civil. Mas é preciso ver que política pública não é sinônimo de política governamental. Assim, se o público fosse somente o estatal, não haveria modo de ampliá-lo a não ser expandindo o Estado e pervertendo o funcionamento do Mercado e da sociedade. A Sociedade Civil organizada, e sobretudo aquela julgada desorganizada, está participando crescentemente de iniciativas públicas, e esse é o fenômeno mais promissor. Um exemplo disso é a proliferação dos conselhos. Por outro lado, é claro que o terceiro setor precisa participar mais da formulação de políticas governamentais em todas as áreas, e não somente na área social. Mas isso depende da capacidade propositiva e pró-ativa e de uma mudança do padrão de relação entre Estado e Sociedade Civil o qual depende, por sua vez, da mudança do marco legal e de mudanças na cultura política e na cultura burocrática.

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