O investimento social pode ser feito em rede e ser estratégico?

Por: GIFE| Notícias| 27/02/2013

Lori Bartczak e Diana Scearce*

É um sentimento que muitos de nós conhecemos bem. A ideia de trabalhar em redes tem apelo, mas a vida real se mete no caminho. Para os líderes de instituições sem fins lucrativos, os desafios diários de fazer as organizações funcionarem, competindo por financiamento e executando metas definidas, dificulta a tarefa de ver além dos muros das organizações. E mais ainda: em uma era onde o investimento social estratégico é a palavra de ordem, não parece muito lógico combinar o trabalho em rede e uma abordagem estratégica. A experiência da Fundação Barr, em Boston, sugere que nada disso precisa ser verdade.

Diana Scearce

Em 2004, a Fundação Barr lançou seu programa de bolsa, tendo duas metas em mente: oferecer aos líderes de instituições sem fins lucrativos tempo e espaço para descansar, refletir e se revigorar, de modo que suas organizações e, em última instância, suas cidades se beneficiem, e incentivar o estabelecimento de relações entre colegas, assim catalisando uma rede de líderes de instituições locais sem fins lucrativos.

Oito anos depois, os 48 líderes locais que formam a rede de colegas realizam a promessa das redes, ilustrando a teoria de líderes da Fundação Barr segundo a qual investir em redes, principalmente em relacionamentos, gera ótimos retornos – o que o Boston Globe descreveu como “uma rede de colaboração que amadurece através da comunidade sem fins lucrativos, com efeitos cada vez maiores”. Ao abrir espaço para que as pessoas cultivem conexões e criem relacionamentos, o programa facilitou a ação cooperativa que levou a um impacto ainda maior.
O programa envolve trabalhar com o que chamamos de rede, em oposição a uma mentalidade tradicional (veja a figura). Embora o financiamento da Barr tenha uma clara intenção, ele é controlado no longo prazo e é flexível. Os resultados são emergentes, determinados pela rede e fomentados pela fundação. O poder é distribuído: na realidade, a Fundação Barr capacita todo o sistema ao invés de fortalecer os esforços individuais.

Trabalhar com uma mentalidade de rede pode parecer incompatível com a filantropia “estratégica”, que é caracterizada por um foco rígido, resultados mensuráveis predeterminados e um claro rumo a seguir. Não é que a filosofia em rede não seja estratégica, ou que a filantropia estratégica ignore o valor das redes. O que acontece é que, sem querer, alguns dos passos que algumas fundações adotam para se tornarem mais estratégicas são contraditórios com a abordagem necessária para o sucesso das abordagens em rede. O que é necessário é uma abordagem que combine o que há de melhor nos dois mundos.

É claro que é mais fácil falar do que realmente integrar a abordagem estratégica e a em rede. Algumas das medidas que os financiadores adotam quando usam uma abordagem estratégica, como definir áreas de programa mais estreitas, se concentrar em estratégias dirigidas ao financiador e esperar impactos mensuráveis em curto prazo, podem inibir um trabalho mais cooperativo. Além disso, o trabalho com redes gera riscos. Ele é mais demorado porque geralmente requer investimento na construção de relacionamentos; o livre fluxo de informações por meio de redes eficazes pode levar ao mau uso da informação ou a quebras de confidencialidade; sempre há uma chance de a “multidão” não entender direito. Mas as potenciais recompensas superam os riscos.

O que os financiadores devem fazer?

No um ano que se passou desde que lançamos a publicação Catalyzing Networks for Social Change: A funder’s guide [1], pudemos observar um crescente interesse nas abordagens de rede para a mudança social, e sempre nos chegam informações sobre o trabalho de colegas em nossa área. Ao que parece, no ano passado a conversa passou de “por que as redes são importantes na filantropia?” para “como podemos trabalhar desta forma?”. Mais especificamente, como abraçamos o trabalho com uma mentalidade de rede e, ao mesmo tempo, nos mantemos focados e estratégicos? Em resposta, fazemos três recomendações: olhar à frente, permitir a participação dos outros e afrouxar as rédeas.

Olhar à frente
O apoio às redes requer que os financiadores expandam sua forma de pensar e coloquem a solução para o problema que estão lidando acima das regras ou das prioridades organizacionais. Olhar à frente também significa sentir-se melhor com o lento ritmo do progresso – um desafio para os financiadores que querem evidências do impacto em curto prazo.

A Rede RE-AMP, um grupo de mais de 144 financiadores e ativistas, tem uma meta que desafia os ciclos de doação de curto prazo: reduzir as emissões de aquecimento global no centro-oeste dos EUA em 80% até 2050. Depois de nove anos, eles obtiveram vitórias impressionantes, inclusive ajudando os legisladores a aprovarem políticas de eficiência energética em seis estados, promovendo um dos programas mais rigorosos de limitação e comércio nos EUA e impedindo o desenvolvimento de 28 novas usinas a carvão (consulte o documento “Usando as redes para lidar com problemas complexos” para obter mais detalhes sobre a Rede RE-AMP).

Permitir a participação de outros

Abraçar uma mentalidade de rede significar ouvir vários espectadores, usar novas fontes de ideia e, até mesmo, a criação conjunta de estratégias. A Fundação Wikimedia – uma organização sem fins lucrativos dedicada a incentivar o desenvolvimento e a distribuição gratuita do conteúdo de seus projetos – envolveu sua comunidade mundial em um processo que durou um ano e que visava desenvolver uma orientação estratégica para o movimento Wikimedia. Ao final, mais de 1.000 pessoas contribuíram com o Projeto de Estratégia da Wikimedia. O alinhamento ao redor de um conjunto de cinco metas estratégicas dos membros da Wikimedia em todo o mundo deu à fundação um mandato para ação que contava com o apoio da comunidade, abrindo caminho, por exemplo, para uma decisão de aumentar o investimento no mundo em desenvolvimento.

Afrouxar as rédeas

O maior interesse na filantropia estratégica significa que muitas fundações selecionam os beneficiários e medem os resultados com base em suas próprias teorias de mudança. Trabalhar com uma mentalidade de rede significa afrouxar as rédeas e dar espaço para investir nas possibilidades à medida que elas surgem.

Por quase uma década a Fundação David and Lucile Packard apoiou uma rede de líderes em saúde reprodutiva que incentivava a ação coletiva para melhorar as opções de saúde reprodutiva (o Programa de Desenvolvimento de Liderança para Mobilização em Saúde Reprodutiva, ou LDM em inglês). Mas trabalhar apenas em como fomentar a ação coletiva já era um desafio. Nos estágios iniciais do trabalho, os grupos de colegas foram incentivados a elaborar planos de ação. Mas quando os participantes começaram a se preocupar com a execução de seus planos, os líderes do programa LDM passaram a incentivar os membros a usarem a rede para expandir o trabalho que já estavam realizando. Os resultados foram positivos. Os líderes de saúde reprodutiva em cinco países começaram a melhorar o apoio e os serviços diretos com insumos uns dos outros via Wiki, Facebook, YouTube e mensagens de texto. Antes, a rede demandava a participação exaustiva da maioria os membros. Depois, os membros da rede começaram a usá-la para atender às suas necessidades e os resultados foram obtidos mais rapidamente com o envolvimento das pessoas, das sub-redes ou de toda a rede, conforme o caso. Com menos controle central, a rede conseguiu fazer mais.

O que o futuro nos reserva?

Nos últimos anos, vivenciamos o advento e a adoção de ferramentas digitais que expandem exponencialmente nossa capacidade de compartilhar informações, conectar com novos e antigos colegas, e coordenar a ação. Ao mesmo tempo, houve avanços significativos em nossa capacidade de entender complexas redes de relacionamentos. Há um reconhecimento cada vez maior que as redes são parte inerente de todas as comunidades e sociedades e, ao aumentarmos seu poder, elas podem gerar grandes impactos. Vendo mais além, esperamos que as abordagens da filantropia meramente de cima para baixo sejam consideradas a antiga forma de fazer negócios, enquanto a participação e o apoio às redes sejam considerados a prática padrão das fundações. A filantropia será estratégica e em rede.

1 Lori Bartczak e Diana Scearce (2011) Catalyzing Networks for Social Change: A funder’s guide, publicado em conjunto pela GEO e o Instituto Monitor.

*Lori Bartczak é diretora de programas e comunicação na Grantmakers for Effective Organizations. E-mail: [email protected]

* Diana Scearce é diretora de avaliação e aprendizagem na Fundação David and Lucile Packard. E-mail: [email protected]

Para mais informações acesse www.geofunders.org para baixar a publicação Networks for Social Change: A funder’s guide.

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