“O ISP no Brasil precisa abandonar a prática de apoiar a democracia apenas em momentos de crise aguda”, diz Flávia Pellegrino, diretora do Pacto pela Democracia
Por: GIFE| Notícias| 24/02/2025
Exposição “Evandro Teixeira. Chile, 1973” , no Centro Cultural Banco do Brasil(CCBB). Além dos registros feitos no Chile, a exposição traz imagens produzidas por Evandro durante a ditadura civil-militar brasileira, em um diálogo entre os contextos históricos dos dois países. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O ano de 2025 marca os 61 anos do golpe militar de 1964, um período sombrio da história brasileira que instaurou uma ditadura de mais de duas décadas, marcada por censura, perseguição política e torturas. “Muitos desafios persistem”, destaca Flávia Pellegrino, diretora executiva do Pacto pela Democracia, ressaltando a importância histórica e atual das organizações da sociedade civil (OSCs) na luta pelos direitos humanos no Brasil.
Este trabalho torna-se ainda mais relevante quando considerado o contexto histórico que moldou o país e permitiu diversas investidas antidemocráticas ao longo dos anos. “Nós fomos o último país a abolir a escravidão e também o que mais incorporou mão de obra escravizada. Ou seja, essa herança colonial na construção das nossas instituições resultou em um país extremamente verticalizado e autoritário”, explica Moisés de Melo Santana, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Culturas e Identidades da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
Diante desse passado, o lema “lembrar para que não se repita” ganha força, enfatizando a necessidade de preservar a memória dos períodos de repressão e autoritarismo para evitar que erros semelhantes voltem a ocorrer. O cinema tem desempenhado um papel fundamental nesse resgate histórico, com obras como o premiado “Ainda Estou Aqui”, do diretor Walter Salles. “Esse filme tem permitido que muitas pessoas, por meio de uma abordagem familiar, compreendam a brutalidade do período militar e a importância de valorizar, fortalecer e defender a democracia de forma constante”, afirma Flávia Pellegrino.
Reconhecimento
O longa-metragem é estrelado por Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva, símbolo da luta contra a ditadura militar no Brasil. Sua atuação lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama e a colocou entre as favoritas ao Oscar na categoria de “Melhor Atriz”, cuja premiação acontecerá em 2 de março. O filme também concorre nas categorias de melhor filme, e melhor filme estrangeiro.
“Assim como Eunice, muitas outras mulheres, como Therezinha Zerbini e Nilce Azevedo, tiveram papel fundamental na busca por mortos e desaparecidos durante a ditadura e na reivindicação por ‘memória, verdade e justiça’”, destaca Flávia Pellegrino.
Para reconhecer a relevância dessas mulheres, o Memorial da Resistência de São Paulo realizou a exposição “Mulheres em Luta! Arquivos de Memória Política”, com curadoria de Ana Pato, que ficou em cartaz de outubro de 2023 a julho de 2024.
Essas perspectivas, segundo Moisés de Melo, chamam atenção para desafios mais amplos e urgentes. “Precisamos retomar a luta em torno da nossa Constituição e buscar um Estado mais descentralizado, menos concentrador de poder político”, reflete.
ISP em Ação
Nesse cenário, instituições como o Memorial da Resistência, em São Paulo, e a Associação Pernambucana de Anistiados Políticos, juntamente com mais de 200 organizações da sociedade civil que integram a coalizão Pacto pela Democracia, têm se dedicado a fortalecer a participação cidadã e a construção de uma sociedade mais justa.
“O diálogo entre governo e sociedade civil permite a formulação de políticas públicas mais eficazes, alinhadas às necessidades da população. Esses espaços também atuam como barreiras contra retrocessos autoritários que restringem direitos e liberdades”, observa Flávia Pellegrino, reforçando a necessidade de garantir a sustentabilidade dessas iniciativas.
O investimento social privado (ISP) se apresenta como um aliado estratégico nesse processo, proporcionando recursos e estrutura para que as OSCs ampliem seu impacto, desenvolvam projetos de conscientização e atuem pelo direito à memória. Porém os investimentos tendem a ser pontuais e emergenciais, como alerta Flávia Pellegrino. “O ISP no Brasil precisa abandonar a prática de apoiar a democracia apenas em momentos de crise aguda.”
A diretora defende que o caminho para o fortalecimento dessas organizações perpassa por investimentos contínuos, o que resulta em transformações sociais necessárias. “É fundamental que essa agenda seja trabalhada e apoiada de forma robusta e permanente, permitindo que essas organizações promovam transformações contínuas e sustentáveis, protegendo-as contra ameaças de retrocessos”, conclui.