O papel das organizações não governamentais no século 21
Por: Fundação Amazonas Sustentavel| Notícias| 24/10/2015Por Virgilio Viana, publicado na Carta Capital
O século 21 será marcado pela rapidez das mudanças derivadas de inovações tecnológicas disruptivas – com enormes consequências para os padrões de consumo; e pelo agravamento das tensões sociais – relacionado aos conflitos armados, superpopulação, desigualdades sociais, mudanças climáticas e degradação dos ecossistemas naturais que sustentam a vida no planeta terra. Esse cenário aumentará a complexidade dos problemas e tornará o seu enfrentamento uma tarefa extremamente desafiadora. Nesse contexto, qual será o papel das organizações não governamentais no século 21?
Antes de responder essa pergunta é necessário considerar que existe um amplo espectro de organizações não governamentais, com perfil, missão, estratégia e escopo de atuação muito diferenciada. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010[1], existem 290.692 Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil. A ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais) possui 226 afiliados. O GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) possui 130 afiliados e categoriza seus membros em Fundações e institutos empresariais (FIEs), Fundações e associações familiares, independentes e comunitárias (FICs) e Empresas. Os afiliados do GIFE investem anualmente R$ 2,2 bilhões por ano em projetos sociais, culturais e ambientais[2]. Os movimentos sociais representam um outro segmento – muito mais numeroso e com menos recursos financeiros – reunindo associações de moradores e de classe, sendo muitas informais. As empresas também possuem organizações de representação de classe.
Considerando a heterogeneidade da paisagem institucional, é muito desafiador apontar o papel das organizações não governamentais no século 21. Por outro lado, considerando a relevância dessas instituições para o futuro de nossas sociedades, trata-se de uma análise de importância estratégica. Assim, peço escusas antecipadas pelo nível de abstração necessário e pela eventual não aplicabilidade desta análise a determinadas instituições.
O primeiro papel das organizações não governamentais é como centros de inovação e criatividade no desenvolvimento de soluções para problemas complexos. Ao contrário dos governos, as organizações não governamentais são menos burocráticas e mais flexíveis. Ao contrário das empresas privadas, as organizações não governamentais têm menos medo dos riscos financeiros e são mais propensas a experimentar. Soma-se a isso o fato de terem mais jovens nas suas equipes, o que dialoga mais facilmente com a inovação e o espírito de mudança.
O segundo papel das organizações não governamentais é a articulação de parcerias tri-setoriais, envolvendo governos, empresas privadas e organizações não governamentais. Essas parcerias serão fundamentais para resolver os complexos problemas dos tempos modernos. Parcerias tri-setoriais representam a tônica do pensamento das instituições multilaterais globais. Situa-se aqui o conceito de valor compartilhado, de grande importância nesse contexto.
O terceiro papel é aproximar as instituições de ensino, pesquisa e inovação tecnológica da realidade. Essas instituições tendem a se distanciar da realidade e se isolar de forma autocentrada. Contribuem menos do que poderiam contribuir, dado o seu elevado nível de qualificação acadêmica e técnica.
O quarto papel é denunciar os problemas e incomodar os tomadores de decisão, tanto nos governos quanto nas empresas. A maior liberdade, jovialidade e inquietude das organizações não governamentais tornam-as mais capazes de denunciar a corrupção, o abuso aos direitos humanos, as injustiças sociais e as tragédias ambientais.
O quinto papel é contribuir para o aumento da eficiência das políticas públicas. Os governos estão sendo cada vez mais cobrados pela baixa qualidade dos serviços prestados. A máquina pública é caracterizada pela ineficiência e pela dificuldade de inovação. As organizações não governamentais podem prover análises inovadoras, articular a contribuição das instituições de pesquisa e experimentar soluções inovadoras em escala piloto.
O sexto papel é contribuir para a cooperação em redes de conhecimento, inovação e ação – com especial atenção para a cooperação sul-sul entre países. A revolução tecnológica aumentou brutalmente a conectividade global. As organizações não governamentais possuem um perfil mais flexível e dinâmico para animar redes de inovação e intercâmbio de soluções.
O sétimo papel é alimentar a utopia. As crises globais, especialmente aquelas associadas às mudanças climáticas e conflitos armados, colocam uma nuvem de desesperança no ar, alimentando angústia, apatia e alienação – especialmente dos jovens. As organizações não governamentais podem servir como vetores de esperança e criação de um senso de propósito na vida das pessoas. Isso é muito importante para a felicidade humana.
Essa lista não pretende ser exaustiva. Os sete papéis apresentados aqui apontam para a óbvia necessidade de valorizarmos o papel das organizações não governamentais no futuro de nossas sociedades. Cabe a essas instituições um papel estratégico para galvanizar a energia necessária para desenvolver soluções inovadoras para os complexos problemas e desafios do século 21.
[1]Engenheiro Florestal pela ESALQ, PhD pela Universidade de Harvard, Ex-Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, é Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável.
[2] FONTE: As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil 2005. Disponível no link
[3] FONTE: Censo GIFE 11 > 12. Disponível no link