Oded Grajew: empresas têm de atuar em políticas públicas para mudar o país

Por: Fundação FEAC| Notícias| 05/07/2021
Oded Grajew

Oded Grajew

Segundo o Monitor das Doações Covid-19, criado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos para acompanhar ações de combate à pandemia, foram doados, desde abril de 2020, mais de R$ 7 bilhões. Com mais de R$ 1,2 bilhão, o Itaú puxa um grupo de 11 empresas, responsável por mais de 50% do total.

O enorme volume de recursos corporativos mobilizados, no entanto, não basta para enfrentar o principal problema do Brasil, ainda mais agravado pela pandemia: suas desigualdades. E estas só poderão ser combatidas quando as empresas começarem a colocar seu peso sobre políticas públicas. Quem faz o alerta é o empresário Oded Grajew, pioneiro da responsabilidade social empresarial, à qual tem se dedicado desde a década de 1980.

Fundador do Instituto Ethos e da Fundação Abrinq, Oded Grajew também foi assessor da presidência da República, em 2003, e, atualmente, é membro do conselho do Pacto Global, da ONU, que busca mobilizar empresários de todo o mundo em torno de políticas de responsabilidade social e sustentabilidade.

Oded conversou com a Fundação FEAC sobre como evoluiu a responsabilidade social empresarial nos últimos anos no Brasil e o que ainda falta para que ela tenha um impacto maior no país.

Fundação FEAC – Em que momento as empresas nacionais começaram a entender que poderiam ter um papel social?

Oded Grajew – No final dos anos 1980, surgiu um grupo chamado Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), formado por alguns empresários que não estavam de acordo com o pensamento conservador de algumas entidades, como a Fiesp. A iniciativa conclamava os empresários a adotar uma gestão mais socialmente responsável, tentando ajudar a diminuir as mazelas brasileiras, preservar o meio ambiente, manter uma relação mais ética com os trabalhadores. Logo depois, enquanto eu era presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo (Abrinq), criamos, nos anos 1990, a Fundação Abrinq, engajando empresários de vários setores na defesa dos direitos das crianças. Em 1997, fui para a Europa e os Estados Unidos para conhecer iniciativas na área social, e me deparei com a cultura da responsabilidade empresarial social. Há uma diferença em relação a investimento social empresarial. As empresas investiam em filantropia um valor que não chegava a 1% do faturamento. Passamos, então, a falar de responsabilidade social empresarial, passando desse 1% para 100%, abrangendo, sob o comando do presidente da empresa, todas as suas áreas, todas as suas relações, avaliando todos os seus impactos.

FEAC – Como se deu essa virada no entendimento das empresas sobre seu papel social?

Grajew – Em 1998, criamos o Instituto Ethos para promover a cultura da responsabilidade social empresarial. Nem a palavra e nem o conceito existiam na época. Sua missão era incentivar o setor empresarial, tão poderoso, a adotar uma gestão socialmente responsável, para que se tornasse parceiro na construção de uma sociedade justa e sustentável.

FEAC – A questão do legado também explica a responsabilidade social de empresários?

Grajew – Sim, especialmente entre empresários mais jovens, que pensam no sentido do que estão fazendo. Pode ser que empresários que estão envelhecendo também estejam pensando no legado. A sociedade também está demandando. Negativamente, no sentido de recusar empresas que se metam em atividades não éticas, e, também premiando empresas socialmente responsáveis.

FEAC – Você percebe alguma mudança de paradigma na forte mobilização das empresas em torno da pandemia?

Grajew – Essas iniciativas todas são bastante meritórias. Mas o que estamos tentando fazer é que as empresas deem um pulo. As iniciativas empresariais na área social melhoram a vida das pessoas impactadas, são muito importantes. Mas o que muda um país são as políticas públicas. Estamos tentando fazer que as empresas se interessem por políticas públicas, usem seu poder para impactá-las. As empresas têm muito poder político. Tem um ponto que acho fundamental, e que as empresas têm dificuldades de assumir. A grande chaga brasileira, que está na raiz de todos os nossos problemas, são as desigualdades. Enquanto não tocar nessa questão, o país melhorar será apenas um sonho. As estatísticas mostram que países com menores desigualdades são aqueles com melhor qualidade de vida. Há estruturas que alimentam essas desigualdades.

FEAC – Você pode dar um exemplo?

Grajew – Uma delas é o sistema fiscal e tributário. Aqui, quem ganha mais paga menos, quem ganha menos paga mais. É totalmente regressivo. Há esforços para tornar o sistema progressivo. Mas isso é muito difícil, nenhuma empresa está usando seu poder político para influenciar o parlamento. Eu tenho vergonha de pagar menos imposto do que a minha secretária. É como enxugar gelo. Estamos tentando fazer com que haja um abaixo-assinado de empresários demandando um sistema tributário mais progressivo. Também estamos tentando que empresários advoguem pela causa da renda básica, mas não temos conseguido. Os empresários também precisam refletir bem na hora de apoiar uma candidatura. Houve empresários que apoiaram e continuam apoiando Bolsonaro.

FEAC – Qual o papel que as empresas terão num cenário pós-pandemia, com o agravamento das desigualdades?

Grajew – Tem eleição em 2022. Os empresários precisam pensar no que vão fazer. Esse é o momento de participar. O setor empresarial é o mais poderoso da sociedade, e quanto mais poder, mais responsabilidade. Que tipo de país vai sair das eleições de 2022? Presidente, governadores, deputados. Eles é que vão definir a regra do jogo, encaminhar as políticas públicas.

Por Frederico Kling

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