“Olga Toro: “”Sem marco legal favorável, não há mudança social”””

Por: GIFE| Notícias| 08/09/2003

CAROLINA TREVISAN
Especial para o redeGIFE

No início de agosto, empresários latino-americanos participaram do II Seminário Itinerante de Responsabilidade Social e Cidadania Empresarial, promovido pela Fundação Kellogg, a Ação Empresarial pela Cidadania de Pernambuco e a Save the Children/UK.

Em entrevista ao redeGIFE, Olga Lucía Toro, coordenadora do evento, fala sobre pobreza e terceiro setor na America Latina.

redeGIFE – Por que o Brasil foi escolhido para receber o II Seminário Itinerante de Responsabilidade Social e Cidadania Empresarial?
Olga Lucía Toro – O Brasil teve um grande desenvolvimento em diversos aspectos: juventude, pobreza e alianças entre setores. São pontos que permitem incidir numa mudança social verdadeira. O Brasil tem um Estatuto da Criança e do Adolescente muito importante, moderno e bem pensado e tem uma consciência social de que as crianças não podem ter fome. Existem 44 milhões de pessoas aqui que passam fome, há trabalho infantil e trabalho escravo. Diante dessa realidade, ainda falta muito, mas parece que a sociedade brasileira está se mobilizando.

redeGIFE – Como a senhora define o atual cenário da pobreza na América Latina?
Olga – O problema da pobreza na América Latina é muito grave. Não é um fenômeno casual, nem marginal, mas sim pandêmico e, até mesmo, cultural. Há fatores geradores e aceleradores de pobreza que têm relação com a desigualdade e com uma política econômica excludente. O Brasil vive um processo de transição democrática muito importante nos últimos 20 anos e há um clima mais favorável para desenvolver políticas públicas, ações da sociedade civil organizada e do setor privado. Mesmo assim, essas ações ainda não chegam a promover mudanças profundas, duradouras e sustentáveis nos setores excluídos. A pobreza é um fenômeno que tem múltiplas causas e vem se desenvolvendo e se reproduzindo progressivamente. Essas causas tendem a se repetir e se agravar se não houver uma intervenção de políticas públicas e dos setores organizados da sociedade.

redeGIFE – Como o Brasil e os demais países da América Latina estão agindo para erradicar a pobreza?
Olga – A história política recente do Brasil abriu espaços democráticos de participação para pessoas que antes não tinham voz. Isso foi conquistado por meio de diversas instituições e da abertura de alguns setores empresariais na compreensão da importância estratégica de combater a pobreza. Nesse sentido, também foi importante a vontade política dos setores governamentais e legislativos para estabelecer atitudes abrangentes que universalizassem os direitos. Para mim, uma das maiores lições que o Brasil pode dar hoje ao resto da América Latina é a consciência dos próprios direitos. É impressionante ver como uma menina da favela fala dos seus direitos, não porque ela tenha sido treinada para dizer aos visitantes, mas porque, a partir do processo de democratização, ela aprendeu uma nova linguagem e sabe que pode falar, participar e se comprometer. Acredito que essa consciência crescente dos direitos das crianças e dos jovens faz com que a esperança de mudança já esteja na cabeça das pessoas. Na cabeça dos colombianos excluídos, por exemplo, ainda não existe esse sentimento de esperança, de que a situação pode mudar e que isso também depende deles. Esse clima favorável no Brasil dá esperança a outros países latino-americanos.

redeGIFE – Como desenvolver programas que tenham impacto social efetivo?
Olga – Existem programas muito bons em diversos lugares. Alguns abrem muitas portas. Por exemplo, quando fazemos esse seminário itinerante, apostando em atrair os empresários para mostrar projetos que funcionam, esse encontro tem um potencial de disseminação incrível. Já tivemos uma experiência como essa há dois anos e surgiram duas organizações: o Centrarse (Centro de Responsabilidade Social Empresarial da Guatemala), criado há quatro meses por grandes e pequenos empresários para fomentar a responsabilidade social, e a Fundarse, em Honduras. Em El Salvador começa o mesmo processo. Os líderes empresariais da América Central são muito próximos, inclusive geograficamente, e mantêm um diálogo que funciona. Se esse seminário conseguir plantar uma semente, tenho certeza de que, em dois ou três anos, encontraremos ações muito importantes na Bolívia, na Colômbia, em El Salvador ou em Honduras. Estamos semeando.

redeGIFE – Quanto tempo demora até que essas iniciativas sociais comecem a dar resultados?
Olga – É necessário ter paciência. É investindo em pessoas que se consegue o desenvolvimento econômico e social. Custa e demora mais, é mais difícil e trabalhoso, mas gera muito mais estabilidade. Apenas o crescimento econômico não resolve o problema social. Porém, a solução das temáticas sociais, com certeza, gera mais crescimento econômico. Primeiro porque cria investimento em capital humano, segundo porque fortalece o capital social de maneira estável e sustentável. Vai demorar, mas isso não é argumento para não apostar. Temos que começar a fazer agora, com políticas adequadas e com a visão clara de que o processo é longo.

redeGIFE – A senhora conhece algum programa como o Fome Zero?
Olga – Para acabar com a fome não conheço nada parecido com o Fome Zero, que é muito inovador. Estamos todos na expectativa de que esse programa dê resultado. Mas há outras iniciativas muito interessantes. No Chile, por exemplo, onde a pobreza cresceu muito durante a ditadura militar, criou-se uma comissão nacional para a erradicação da pobreza, com a participação de empresários, chamada Fundação Nacional para a Superação da Pobreza.

redeGIFE – A senhora acredita que o Brasil está mais desenvolvido na questão do investimento social privado?
Olga – Acredito que em toda a América Latina existem experiências antigas que são expressões do compromisso social das empresas. No México, na Colômbia e na Argentina existem fundações com mais de um século. As fundações empresariais entraram em moda na metade do século passado, como uma maneira de canalizar recursos para o social. Esse modelo foi importado dos Estados Unidos, mas não se compara com os processos conceituais e mentais que temos agora. Hoje temos uma clareza que nos permite entender que deve haver um acompanhamento das ações sociais das empresas com a comunidade que legitime essas ações e não seja apenas ajuda financeira. Deve haver uma participação que leve em consideração as possibilidades da empresa e o que a comunidade necessita. Ou seja, é um aprendizado de via dupla. Se não há um marco legal favorável a isso, se não há uma visão do Estado e se não se conjugam essas situações, não há transformações.

redeGIFE – E onde começam as transformações?
Olga – Estou convencida de que a mudança social começa no coração e na mente das pessoas. Se eu não acreditar que é possível mudar o entorno em que vivo, não acontece nada. Também é preciso que haja um ambiente favorável para que a transformação ocorra. Não dá para alguns empresários continuarem dizendo que pagam impostos para que o Estado cubra essas necessidades, e o Estado não pode continuar afirmando que recolhe impostos para pagar o déficit fiscal. Também não se pode mais conceber que as ONGs sigam dizendo que os empresários são todos egoístas, capitalistas e exploradores. Esses são discursos que emperram o processo social.

redeGIFE – Qual é a tendência atual no terceiro setor?
Olga – O terceiro setor é um fenômeno recente. Há países que ainda não o denominam dessa forma. No Brasil, há uma identidade e a linguagem se expandiu. Em outros países, não é tão evidente. Na medida em que a sociedade civil se organiza em torno de causas e propostas de reflexões, de ações e de transformações sociais, fortalece o setor, porque tem mais voz e plataforma de ação. Assim, constrói um tecido social. Mas se no Brasil o terceiro setor aumentou como um fungo, em outros países encolheu. Na Colômbia, onde havia um terceiro setor desenvolvido, a situação que o país vive está fazendo com que ele fique pequeno. Em outros lugares, creio que também houve uma contração por causa da crise. O terceiro setor continua sendo frágil, está na primeira adolescência e precisa de muito mais esforço para assegurar sua solidez. Ainda há uma grande mobilidade de gente e uma alta volatilidade. O fato de existirem cursos de formação contribui para que se legitime como profissão.

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