Onde estavam as fundações quando mais precisávamos delas?
Por: GIFE| Notícias| 18/01/2010 Marta Rey*
Especial para Alliance Brasil (www.gife.org.br/alliancebrasil)
Uma interpretação superficial da crise e o seu impacto nas fundações concentram-se na diminuição do valor dos ativos e das utilidades. O Foundation Center, nos EUA, estima que os valores de mercado dos ativos combinados de todas as fundações norte-americanas diminuíram aproximadamente de 670 bilhões de dólares em 2007, para 561 milhões até o fim de 2008, o que representa uma diminuição de 16% e, algumas pessoas acrescentam [1] que, quando estiverem disponíveis, a redução será em torno de 25%.
No entanto, a obsessão pelas suas próprias perdas está levando as fundações a ignorar a ameaça maior: a redução dos gastos e o abandono dos seus beneficiários num momento de crise fazendo com que o público as considere egoístas e ineficazes para a vida pública.
Muitas fundações têm reagido dando uma atenção sem precedentes na eficácia e na revisão de todos os programas e projetos, reduzindo os aportes em muitos deles e abandonando outros. As instituições filantrópicas que não tinham estratégias de saída antes da crise ou não tinham uma idéia clara de onde desejavam estar no dia seguinte, provavelmente cometerão erros nesta “febre de eficiência”. Quais serão os erros mais freqüentes? Cortes uniformes em programas, projetos e gastos no exterior; corte de pessoal levando-se em consideração quem é mais fácil de despedir em vez de quem agregará maior valor uma vez que a crise acaba? Cortes nos projetos de alto risco que dariam resultado em longo prazo para ficar com os de curto prazo? Iniciativas com pequeno risco? E, em geral, praticar qualquer corte que não esteja baseado numa profunda avaliação do rendimento organizacional e de impacto social.
Basicamente, isto significa que num momento em que as fundações deveriam estar desempenhando um papel contra-cíclico, fazem exatamente o oposto: atuam como agentes pró-cíclicos, contribuindo com a espiral descendente da demanda, com menos investimentos, menos consumo e menos despesas em iniciativas para o bem público, tudo o que contribui para um maior desemprego e exclusão social num ciclo de retroalimentação daninho.
Quais são as novas oportunidades?
Em minha opinião, uma crise não é uma oportunidade por si só. Requer muita preparação e também uma dose de boa sorte para convertê-la numa oportunidade. Não restam dúvidas de que a crise atual é tão profunda que muitos dos protagonistas sociais e econômicos atuais não sobrevirão a ela.
O processo da destruição da riqueza representa algo mais do que a deteriorização dos ativos; representa quebra de empresas, longo desemprego de trabalhadores e fechamento de organizações sem fins lucrativos e seus programas, deixando seus beneficiários abandonados.
Algumas destas organizações e alguns trabalhadores serão capazes de retornar ao mercado quando a crise findar ou melhorar, mas um grande número destes corre o risco de não voltar mais a ser parte do sistema. Para eles, será muito difícil voltar à ativa como trabalhador, consumidor ou cidadão ou ainda serem bem sucedidos como empresários ou em novas organizações sem fins lucrativos.
Do ponto de vista institucional, é muito provável que o conhecimento, os procedimentos e os produtos criados por estas organizações simplesmente desapareçam: se perderão para sempre.
Este agudo processo irreversível de exclusão social e destruição da riqueza se combinarão com o surgimento de novos modelos de produção e novas formas de trabalhar, criando redes em cada aspecto da vida. Apenas as pessoas e as organizações que estiverem preparadas para surfar neste tsunami, sobrevirão e terão sucesso.
Nas palavras de Charles Darwin, “não são as espécies mais fortes nem as mais inteligentes que sobrevivem; mas sim as que melhor se adaptam às mudanças”. Ou como expressava uma publicação anônima que vi há um par de semanas atrás, num quadro negro de um café em Harvard Square, “a mudança pode acontecer a você ou pode acontecer através de você”.
Quando se enfrenta um tsunami, pode-se adotar várias atitudes. A primeira é negar que existe uma enorme parede de água aproximando-se. Esta atitude, não faz muito tempo, predominava em muitas organizações, fazendo-as perder tempo valioso na tomada de decisões que se tornou residual.
A segunda consiste em brigar ferozmente contra o tsunami. O mais provável é que fique exausto e logo se afogue! A terceira atitude, consiste em tentar manter-se boiando, deixando-se levar para onde o tsunami desejar. O ruim desta opção é que chegará a uma costa desconhecida, sendo obrigado a começar do zero para poder sobreviver nessa terra incógnita.
A quarta atitude, e que eu de fato recomendo, consiste em surfar o tsunami: observá-lo, tentar pegar a onda e utilizá-la para chegar à costa que deseja alcançar.
Acho que a única maneira das fundações reverterem esta crise numa oportunidade é traçando uma estratégia pós crise e implementando-a de forma efetiva. Isto requer não só identificar cuidadosamente os ativos tangíveis e intangíveis de cada organização como também administrá-los de forma realmente eficiente e responder à difícil pergunta do que deseja fazer e onde deseja estar na organização uma vez que acabe o tsunami.
No meio da crise, a principal ameaça para as fundações origina-se no fato de não serem capazes de responder, no dia seguinte a ela, esta pergunta: Onde estavam as fundações quando mais necessitávamos delas? Há um risco de vermos as fundações como entidades egoístas e paralisadas, organizações socialmente sem substância e mais preocupadas pela sua sobrevivência imediata do que pelos problemas daqueles que devem servir.
Quem sabe este é o momento para que as fundações corram risco. Risco no sentido de estarem dispostas a solicitar dinheiro emprestado, se for necessário, para manter os programas e as despesas correntes; adotar esquemas com menores gastos para responder às situações urgentes de pobreza e exclusão entre seus beneficiários; atuar como entidades que convocam para um debate público e inteligente sobre soluções para a crise além das opiniões politicamente corretas e sórdidas; associar-se de forma mais ativa com outras organizações sem fins lucrativos, empresas e governos uma vez que o resultado total poderá ser maior que a soma das partes e apostar naquelas iniciativas criativas, de longo prazo e muito incertas que não contam com o apoio nem das empresas nem do governo quando surgem outros temas mais urgentes que clamam por suas atenções e recursos.
Será que as fundações serão capazes de superar seu enraizado conservadorismo e tomar as medidas necessárias para que o público as considere socialmente importantes para a geração de soluções à esta crise? Na minha humilde opinião, nisto reside a principal oportunidade que a crise oferece às fundações.
1Craig, John E (2009) New Financial Realities: The response of private foundations. Informe anual 2008 do Fundo Commonwealth.
*Marta Reyé professora adjunta da Universidade de La Coruña, Espanha.
E-mail: [email protected]