ONGs de base comunitária – Um campo de cooperação

Por: GIFE| Notícias| 03/11/2004

JAQUELINE DE CAMARGO
Superintendente de projetos da ACJ Brasil

QUAL A RELEVÂNCIA de se identificar, sistematizar e disseminar boas práticas de capacitação de jovens para o mundo do trabalho, desenvolvidas por organizações sociais de base comunitária, pensando-se em investimentos públicos e privados voltados para o campo da JUVENTUDE POPULAR URBANA?

Esta pergunta tem sido refletida por um conjunto de atores em nosso país, e de modo bastante afirmativo por lideranças (jovens e adultos) de organizações sociais, apoiadas por lideres do mundo corporativo (ACJ Brasil/United Way)(1). Essa “”COMUNIDADE DE SENTIDOS“” vem investindo esforços coletivamente, há um ano.

Sabemos que a era das sociedades e mercados globalizados e pós- industriais produz UMA EQUAÇÃO QUASE ENIGMÁTICA: a inclusão e promoção social são grandemente relacionadas ao grau de escolarização e acesso às condições de aprendizagem continuada e, como é obvio numa sociedade extremamente desigual como a brasileira, os fatores econômicos são contundentes na exclusão escolar. NAS REGIÕES URBANAS, O GRAU DE COMPLEXIDADE É MAIOR E SE LIGA DIRETAMENTE À VIOLÊNCIA.

Para a juventude com escolaridade defasada e baixa renda, o universo representado pelas ONGs COMUNITÁRIAS revela-se capaz de criar respostas e modelos alternativos de inclusão social e no mundo do trabalho, como indicou o Prof. Antonio Carlos Gomes da Costa, em documento para o Conselho Deliberativo da ACJ Brasil (Juventude e renda).

Essas organizações comunitárias têm uma história enraizada nas origens da filantropia brasileira, mas um segmento crescente delas (que infelizmente não é possível ainda ser traduzido em números exatos) está se articulando em redes temáticas ou regionais, fortalecendo movimentos sociais democráticos e voltados a questões de desenvolvimento local, e sendo capacitadas tecnicamente por fundações e agências de investimento. Assim, estão cada vez mais “”unindo O MELHOR DOS DOIS MUNDOS“”: a solidariedade com práticas efetivas de inclusão social.

A BUSCA DE BOA GOVERNANÇA PARA OS PROGRAMAS DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL

Como propõe o Prof. Antonio Carlos, de fato, uma das POTENCIALIDADES mais fortes das ONGs COMUNITÁRIAS, caracteriza-se por seus procedimentos pedagógicos. Ao contrário das lógicas de capacitação profissional das economias clássicas, com os modelos taylorista e fordista que geram uma pedagogia fragmentada, essas ONGs mantiveram a RELAÇÃO EDUCADOR-EDUCANDO MAIS INTEIRA, mais ampla, mais atenta à integralidade do jovem e de sua circunstância.

De fato, sabemos que essas organizações, por sua flexibilidade frente a modelos educativos de escala massiva, se constituem numa VIA DE ACESSO a milhares de jovens que são excluídos das alternativas oficiais de capacitação profissional – desde o topo da pirâmide (educação tecnológica), passando pelas escolas técnicas e pelo sistema “”S”” (Senai, Senac, Sesi), todas essas alternativas se constituem em GARGALOS INTRANSPONÍVEIS para um importante segmento da juventude com escolaridade básica ou média, de má qualidade.

Não cabe às ONGs, entretanto, o papel de realizar capacitação profissional de forma exclusiva – NÃO HÁ TECNOLOGIA DISPONÍVEL PARA ISSO, em especial em nossa era — da sociedade do conhecimento — em que é a educação extensa e continuada a mais capaz de promover inclusão. Não serão as ONGs de base comunitária os agentes de solução dessa problemática hiper complexa(2).

Mas a realidade brasileira demanda respostas variadas, simultaneamente, a segmentos diversos da juventude hoje. E parece haver muito a aprender com as ONGs de base comunitária, que desenvolvem respostas de educação para e pelo trabalho como via de inclusão social, inclusive utilizando (ou preparando-se para assim o fazer) o mecanismo da “”LEI DO APRENDIZ“” que tem como objetivo inserir o jovem no mercado de trabalho, com idade entre 14 e 18 anos incompletos, visando o aprendizado e a formação técnico profissional articulada à vivência nas empresas (para mais informações sobre a Lei, ver www.degrau.org.br e www.fundabrinq.org.br).

Os DESAFIOS para as ONGs de base comunitária, conforme indica o documento do Prof. Antonio Carlos, para o Conselho da ACJ, concentram-se numa MUDANÇA DE PARADIGMA, que em síntese venha romper com a longa tradição de combate à pobreza, prevenção e redução do delito juvenil, e ENTRAR PELA PORTA DA FRENTE NUMA NOVA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL. Para tanto, ainda segundo o autor, os investimentos no campo da educação profissional deveriam CONSIDERAR MAIS ESTRATEGICAMENTE as ONGs comunitárias de capacitação profissional, e estas organizarem o trabalho realizado no sentido de TRANSITAR:

De uma SIMPLIFICAÇÃO DE CONTEÚDOS de formação específica, visando sua adaptação a educandos de baixa escolaridade, para o desenvolvimento de ESTRATÉGIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM ACELERADAS, que permitam o nivelamento dos educandos de baixa escolaridade aos patamares requeridos para o aprendizado de habilidades específicas; de uma DESCONSIDERAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO e dos dinamismos da economia local ou microrregional, para uma visão da formação específica com FOCO NO MERCADO LOCAL de trabalho e vínculo com as tendências micro-regionais de desenvolvimento; de conteúdos limitados à transmissão de conhecimentos, habilidades e destrezas necessárias à ocupação de um POSTO DE TRABALHO, para conteúdos ampliados e aprofundados, que possibilitem uma COMPREENSÃO DO PROCESSO DO TRABALHO EM SUA GLOBALIDADE, considerando variáveis como tempo, espaço, matéria-prima, gerenciamento e mercado; de uma capacitação voltada para o EMPREGO EM ATIVIDADES TRADICIONAIS do mercado regular, para uma educação profissional, que considere também o MERCADO INFORMAL, o TRABALHO AUTÔNOMO e a iniciativa e gestão de PEQUENOS EMPREENDIMENTOS.

Hoje vivemos um momento histórico para a causa da juventude em nosso país, como afirmou Neylar Lins (Instituto Aliança) em recente constituição do Grupo de Afinidade em Juventude, do GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas. Dentre alguns marcos, como a publicação do Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ), organizado pela UNESCO em março 2004, também são indicadores desse momento histórico em nosso país as políticas propostas no âmbito do Grupo Interministerial de Juventude, ligado à Secretaria Geral da Presidência, e da Comissão de Políticas Publicas de Juventude da Câmara dos Deputados(3).

Não seria esse um momento para aceitarmos mais claramente os desafios de GOVERNANÇA das ONGs – no sentido amplo de UM TRABALHO MAIS EFETIVAMENTE CONECTADO COM O OBJETIVO FIM de se viabilizar a juventude popular urbana, construir cidadania e sua entrada e permanência no mundo do trabalho, e que essas questões sejam colocadas de modo mais efetivo para um DIÁLOGO NECESSÁRIO com o Estado, as empresas e as agências de investimento voltadas para essa causa?

Assim, sem desconsiderar o macrocenário de exclusão social gerado pelo mundo pós-globalizado e outras lógicas de exclusão da juventude, mas atentos à necessidade e possibilidades de CONSTRUIR PONTES DE INCLUSÃO, e fortalecer e contribuir com as sinergias entre as políticas públicas e iniciativas da sociedade civil, para a juventude popular urbana, o Programa ACJ fez algumas opções.

INTERCÂMBIOS – UMA ESTRATÉGIA DE CAPACITAÇÃO

Com o objetivo de se CONSIDERAR AS DIVERSIDADES PRESENTES NO COLETIVO das ONGs parceiras da ACJ que representam o universo desse campo e, por acreditar que HÁ UM CONHECIMENTO A SER SISTEMATIZADO e que, se compartilhado, tem o potencial de alavancar as capacidades de todos, a ACJ optou por convidar as ONGs a desenvolverem INTERCÂMBIOS entre elas.

As organizações sociais parceiras, AÇÃO COMUNITÁRIA/ NÚCLEO CPA, ALDEIA DO FUTURO, ASSOCIAÇÃO CULTURAL PRÓ-MORATO, BOM PARTO/ NÚCLEO HENRY FORD, CASA DOS MENINOS, COMEC/ CAMPINAS, FALA PRETA! E GOTAS DE FLOR constituem o “”G-8“” e já realizaram dois ciclos de intercâmbios, desenvolvidos com base em referências técnicas precisas para MAPEAR COMPETÊNCIAS E FAVORECER APRENDIZADOS(4).

As pessoas (JOVENS E ADULTOS) que vivenciaram os INTERCÂMBIOS fizeram emergir coletivamente um conjunto de experiências que estão em processo de sistematização e publicação pela ACJ Brasil. O objetivo da sistematização é destacar determinadas competências do universo representado pelas ONGs de base comunitária e DIALOGAR COM VISÕES E PROJETOS DE JUVENTUDE E TRABALHO, sinalizando novas frentes de investimento e aportes de recursos privados e públicos.

(1) A ACJ Brasil é uma organização brasileira, afiliada a United Way International, e composta por comunidades corporativas de empresas como Bancos Morgan Stanley e CSFB; DuPont; Invista; Leo Burnett; Gillette; Johnson′s; Pinheiro Neto; PriceWaterhouse Coopers; Rohm and Haas; Procter & Gamble entre outras. Para mais informações visitar o site www.acjbrasil.org.br.
(2) Ver a esse respeito Marcio Pochmann, em “”Juventude em Busca de Novos Caminhos no Brasil””. Em Novaes, R e Vannuchi, P. Juventude e Sociedade, Instituto Cidadania, 2004.
(3) Também o Ministério da Educação tem uma linha de política voltada especificamente para a educação profissional, considerando as políticas para a juventude com educação básica. Por outro lado, a SAS – Secretaria de Assistência Social do Município de São Paulo lança grandes desafios para a sustentabilidade das ongs de base comunitária, frente à capacitação profissional (sendo que a própria questão da faixa etária sempre foi um fator limitante, ao estabelecer a idade de 18 anos para investimentos nessa área).
(4) A base metodológica dos intercâmbios segue o “”Ciclo de Ação Aprendizagem”” conforme proposto pelo Instituto Fonte. Outros parceiros técnicos contribuem com linhas de ação do Programa ACJ, como Ficas; Comunidade Ellerni; Núcleo Maturi e a avaliação externa de Thereza Cury e Neide Nogueira.

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