Organizações da sociedade civil são privilegiadas para a reengenharia do tempo

Por: GIFE| Notícias| 17/11/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Lançado recentemente pela Editora Rocco, o livro Reengenharia do Tempo, de Rosiska Darcy de Oliveira, apresenta fatores históricos e sociais para explicar como a sociedade vem estruturando seu tempo, na vida privada e pública.

Em entrevista ao redeGIFE, Rosiska fala sobre a flexibilização dos horário de trabalho, a capacidade dos brasileiros de reorganizar seu tempo e a função das organizações da sociedade civil na melhoria da qualidade de vida da sociedade.

redeGIFE – O que é a reengenharia do tempo?
Rosiska Darcy de Oliveira – É uma proposta de reorganização do cotidiano, visando a aumentar o produto interno de felicidade bruto, que se traduz como um sentimento maior de bem-estar e uma redefinição das prioridades na vida das pessoas.

redeGIFE – Como a sociedade civil organizada pode ajudar, na prática, para que essa reengenharia do tempo aconteça?
Rosiska – As organizações da sociedade civil são, no meu entender, um campo privilegiado para fazer a reengenharia do tempo. O tipo de trabalho que realizamos se presta a isso. Ou seja, não estamos em uma cadeia de montagem e temos um trabalho com uma certa margem de liberdade. Portanto, temos toda a possibilidade de sermos exemplares nessa reengenharia. E acredito que as organizações da sociedade civil têm a responsabilidade política de fazer isso, já que trabalham visando à melhoria da qualidade de vida da sociedade. A reengenharia do tempo é um fator fundamental de melhoria da qualidade de vida. Assim, essas instituições são exemplos e devem começar a fazer experiências e promover debates. No site www.celim.org.br está havendo um debate sobre a questão do tempo e isso deveria ser multiplicado pelos diferentes meios. Precisamos ter interlocução e ajuda de todas as organizações para que isso realmente se torne um debate nacional. Com este livro, minha intenção é colocar o tema na agenda política nacional e que isso entre nas preocupações políticas da sociedade brasileira como um todo.

redeGIFE – Como a flexibilidade de horários de trabalho pode apoiar o combate ao desemprego e beneficiar a relação trabalho/vida privada?
Rosiska – São duas coisas diferentes. Acho que a reengenharia do tempo não é uma estratégia para combater o desemprego, isso é um problema muito mais complexo. Em alguns países, a flexibilização de horários foi vista como uma possibilidade, mas é muito cedo para se pensar nisso como uma solução e não é o que estou propondo. O que proponho é que isso seja uma estratégia para combater os engarrafamentos no trânsito! E isso realmente é possível, já que no momento em que se desordena os horários, consegue-se descongestionar o trânsito. Então, coloco isso como estratégia para melhorar a qualidade de vida. Não tenho a menor dúvida de que estamos todos sofrendo de exaustão e, indiscutivelmente, cada um de nós deve recolocar a questão fundamental do sentido da vida, o que está incluído no debate sobre a reengenharia do tempo. Hoje, quando uso a expressão “”ganhar a vida””, não estou querendo dizer apenas “”ganhar o sustento””, mas sim trazer a vida de volta. Tenho a impressão de que a vida está sendo completamente roubada por uma mentalidade exclusivamente produtivista.

redeGIFE – Qual seria o modelo ideal de jornada de trabalho para manter um nível adequado de qualidade de vida?
Rosiska – Acho que isso depende do setor em que se trabalha. Não penso em termos de jornada de trabalho, mas sim de modulação do tempo de maneira que se cumpram as metas, sem que elas estejam necessariamente dentro de uma jornada de trabalho. Isso é que é reengenharia.

redeGIFE – A tecnologia tem sido utilizada a favor de uma reordenação do tempo das pessoas?
Rosiska – Não suficientemente. A produção no Brasil continua organizada como se estivéssemos na era mecânica, considerando a presença das pessoas no local de trabalho, durante oito horas, como se fosse necessário ainda ter uma jornada que foi conquistada pelos operários no século XIX. Estamos na era virtual, então temos que adaptar os tempos da produção a essa era. Para que isso seja feito, é preciso que haja consciência do problema, formalização e debate público social para encontrar alternativas a tudo isso.

redeGIFE – Como a inserção das mulheres no mercado de trabalho modificou a questão da distribuição do tempo na sociedade como um todo?
Rosiska – Na medida em que se tem hoje o homem e a mulher trabalhando em tempo integral e pouco se ocupando com a vida privada, ou tendo que se ocupar dela além do tempo integral de trabalho. Antes havia uma mulher em casa e um homem no trabalho, como o provedor da família. Hoje não existe mais o homem como provedor, as mulheres também estão trabalhando e, evidentemente, continuam se ocupando da casa, o que causa um desequilíbrio de tempo muito grande.

redeGIFE – O Brasil e os brasileiros estão preparados para uma reengenharia do tempo?
Rosiska – Acho que o Brasil está preparado para tudo. Um problema só encontra solução quando ele é reconhecido como tal. Todos no Brasil temos problema de tempo, qualquer que seja a nossa classe ou profissão, estamos todos permanentemente correndo. Relaciono isso com a mudança do estatuto das mulheres e com as mudanças no trabalho. O Brasil tem hoje metade da população economicamente ativa feminina e isso configura uma mudança na sociedade que exige a reengenharia do tempo.

redeGIFE – Como está a posição do Brasil com relação a isso?
Rosiska – Há países muito mais avançados que nós, como a Holanda, por exemplo, que é uma sociedade praticamente a tempo parcial. A Itália tem feito esforços muito grandes nesse sentido. Aqui no Brasil, já tivemos debates sobre esta questão na Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) antes mesmo da publicação do livro, e o empresariado recebeu o tema muito bem. As empresas de ponta, modernas, estão mais voltadas hoje à questão da qualidade de vida. Portanto, acredito que o Brasil está preparadíssimo para entrar neste debate. Temos que parar de achar que somos atrasados, parar com essa história de que outros países podem e nós não. Tudo o que os outros países podem, nós também podemos. Basta querermos.

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