Organizações do terceiro setor e projetos sociais
Por: GIFE| Notícias| 30/11/2011Maria Cecília Prates Rodrigues*
Recentemente deparei com a missão de avaliar os resultados de projetos sociais de organizações do terceiro setor. Normalmente tido como um campo que congrega instituições com preocupações e práticas voltadas ao bem comum, de imediato, somos levados a associar o setor com projetos sociais. Mas será que todas as elas devem necessariamente criá-los?
Para responder a essa indagação, é importante, primeiro, entender os diferentes campos de atuação das organizações; e, segundo, ter clareza acerca do entendimento do que são projetos sociais.
De modo resumido, o terceiro setor é definido como o conjunto de organizações da sociedade civil de direito privado e sem fins lucrativos que realizam atividades em prol do bem comum. E que atividades são estas? O último levantamento disponível sobre as FASFIL (fundações privadas e associações sem fins lucrativos) no Brasil, baseado em critérios internacionais comparáveis para aferição do terceiro setor, nos dá uma boa visão sobre esse perfil.
Assim, do número total de FASFIL existentes em 2005, as organizações atuando no desenvolvimento e defesa de direitos e interesses dos cidadãos tiveram maior peso (35%), aí incluídos, dentre outros, associações de moradores, centros e associações comunitários, associações profissionais e associações de produtores rurais. Outra forte participação foi a das instituições de cunho religioso – como igrejas, paróquias, seminários, templos e centros espíritas (25%). Em seguida vieram as organizações voltadas para cultura e recreação (14%), para assistência social aos mais vulneráveis (11,6%), para educação e pesquisa, incluindo desde o ensino infantil até o superior (6%) e, por último, as organizações no campo de habitação, saúde, meio ambiente e proteção animal (2,1%) .
Além do perfil diversificado, o que chama a atenção é que nesse setor podem conviver, lado a lado, instituições de ponta e que são referência no cenário internacional como também outras organizações com ações bastante incipientes. Alguns exemplos: uma instituição de ensino superior de excelência, um hospital privado – com ou sem convênio público, uma grande fundação de arte, um instituto de pesquisa inovador, uma pequena associação de produtores familiares rurais em situação de pobreza, uma associação de catadores de material reciclável, uma pequena organização beneficente para crianças de comunidades pobres, ou uma grande fundação empresarial para o desenvolvimento local.
Quando se afirma que a finalidade dessas organizações é atender ao bem comum, deve-se distinguir entre aquelas que são destinadas ao benefício mútuo dos próprios associados (natureza endógena) daquelas que são dedicadas ao benefício público (natureza exógena). A título de exemplificação, no primeiro caso podem estar tanto os clubes de lazer e esportes voltados para pessoas de classe média alta, como também uma associação de assentados.
Já no segundo caso podem ser incluídos um museu histórico, um teatro, um instituto para crianças e adolescentes com deficiência física/mental ou uma fundação para recuperação de áreas ambientalmente degradadas. Seja de benefício mútuo ou público, em ambos os casos se encontram organizações com o foco em necessidades dos mais diferentes grupos da sociedade, indo dos muito ricos àqueles vivendo em situação de extrema pobreza.
Uma vez vista a diversidade das organizações do terceiro setor, cabe agora conceituar o que são projetos sociais. A definição geral para projeto é a de que se trata de “um empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades inter-relacionadas e coordenadas para alcançar objetivos específicos dentro dos limites de um orçamento e de um período de tempo”. Mas, e o projeto social?
O que caracteriza o projeto social é o seu foco no combate à pobreza e às diferentes formas de exclusão social. Ou seja, trata-se de uma ação organizada e planejada com a finalidade de enfrentar um problema social de pobreza e exclusão, e de promover uma mudança nessa realidade social. Normalmente, o projeto social está voltado para satisfazer necessidades de grupos que não possuem recursos para solucioná-las autonomamente através do mercado.
De onde se conclui que, quando as organizações do terceiro setor desenvolvem projetos (pois não necessariamente precisam tê-los!), certamente todos eles são voltados para o bem comum, em suas respectivas áreas de atuação – educação, pesquisa, saúde, meio ambiente, cultura, esporte, empreendedorismo, assistência social e defesa de direitos. Porém, apenas parte desses projetos podem ser considerados como projetos sociais.
Sob a ótica da avaliação, essa é uma distinção importante. Para ilustrar, toma-se aqui dois exemplos na área de educação. Um projeto de educação superior – do tipo implantação de um novo curso de pós-graduação ou uma nova linha de pesquisa em uma universidade privada sem fins lucrativos – pode ser avaliado em função do gerenciamento técnico do processo de sua implantação (método PMI), do poder de atração da clientela e do atendimento de requisitos estabelecidos pelo governo ou por padrões internacionais para julgar a excelência do referido curso ou linha de pesquisa. Aqui o que, no final, vai estar em julgamento é a qualidade do produto/ serviço oferecido, segundo os critérios vigentes.
Já um projeto social de educação – do tipo curso de capacitação para produtores familiares de baixa renda – vai ser avaliado sobretudo em função da forma como o projeto interage com o público-alvo e contribui, via educação, para a redução da pobreza. A metodologia do marco lógico vem sendo bastante usada para avaliar projetos sociais, tanto a nível nacional como internacional. Se adotada de forma adequada, tem o mérito de servir como instrumento orientador para analisar o contexto social inicial, formular o projeto, monitorá-lo e avaliar os seus impactos. No marco lógico, o foco está em entender as especificidades do problema social e atuar para gerar a transformação social desejada junto ao público-alvo do projeto.
Concluindo, o fato de ser uma organização do terceiro setor não necessariamente significa que ela tenha que ter um projeto social. Vejo quatro possibilidades: a organização atua mediante a condução de atividades básicas de rotina dentro do seu campo de atuação, sem ter projeto nenhum; a instituição desenvolve projeto(s) em sua área específica, que não são projetos sociais; a organização atua exclusivamente via projetos sociais; e, por último, a organização trabalha usando uma combinação de duas ou de todas as três alternativas anteriores.
*Maria Cecília Prates Rodrigues é autora dos livros “Ação social das empresas privadas: como avaliar resultados? Editora FGV, 2005; “Projetos sociais corporativos – como avaliar e tornar essa estratégia eficaz” Editora Atlas, 2010. Site: www.estrategiasocial.com.br.