Orgulho Autista: FEAC apoia projetos pela inclusão e bem-estar de crianças com TEA

Por: Fundação FEAC| Notícias| 03/07/2023
Mãe e filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA) fazem atividade juntos

Em um dia ensolarado, o pai brinca com o filho bebê no jardim de casa, quando descobre que a criança tem uma habilidade diferente: ela pode flutuar pelo espaço. O pai fica encantado, mas ao mesmo tempo percebe o olhar curioso e desconfiado dos vizinhos e sua primeira reação é tentar proteger o bebê, levando-o para dentro de casa.  

Este é o início do premiado curta-metragem de animação Float (Flutuar, em português), lançado em 2019, pelo estúdio norte-americano Pixar, para falar de pais e mães que possuem em casa crianças consideradas “diferentes”. Retrata com sensibilidade o papel de pais e responsáveis no desenvolvimento de uma criança e a importância de se trabalhar sempre em uma perspectiva inclusiva.

A inspiração para a animação da Pixar surgiu da história pessoal do diretor, Bobby Rubio, que é pai de um menino com TEA. A sua experiência é vivenciada por muitos pais, mães e responsáveis, que enfrentam diariamente uma diversidade de desafios nos territórios, como a falta de acessibilidade, o preconceito, os estereótipos e a falta de informação, para assegurar qualidade de vida e direitos a seus filhos com TEA.

“As pessoas olham para uma criança em momento de crise e as mães escutam que o filho é mal-educado, que não sabem dar limite. Nunca param para pensar que isso pode ser uma questão associada ao autismo pelo fato por exemplo, da criança estar exposta a vários estímulos sensoriais naquele ambiente, e não saber como lidar com tanta informação. E que se não for compreendida vai se refletir no isolamento da família”, aponta Viviane Machado, coordenadora do Programa Mobilização para Autonomia da Fundação FEAC.

A limitação não está nas pessoas, mas nos territórios

Um dos propósitos da organização é, justamente, garantir a inclusão e o bem-estar de crianças com TEA em Campinas. Para isso, a FEAC apoia projetos de Organizações da Sociedade Civil (OSC) que trabalham nessa área, como o Programa de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Paica), Pestalozzi e a Associação para o Desenvolvimento dos Autistas em Campinas (Adacamp). Neste mês em que se celebra o Dia do Orgulho Autista (18/6), a FEAC busca dar visibilidade ao tema e reforçar o entendimento de que as limitações não estão nas pessoas, mas nas comunidades, e que a inclusão é um dever de todos.

Acompanhe agora o relato de duas mães de crianças e adolescentes com TEA que contam um pouco de suas trajetórias e aprendizados, e apontam os desafios que a sociedade ainda enfrenta para avançar na inclusão em todas as esferas sociais.

Filhos de Susy: Miguel e Mateus, quando ainda eram crianças

Formada em Pedagogia em Educação Especial, Susy Mary Vieira Ferraz, coordenadora técnica do Paica, conviveu com crianças com Transtorno do Espectro Autista por muitos anos em escolas até se tornar mãe dos gêmeos Miguel e Mateus, diagnosticados com o transtorno ainda na infância.

Susy recorreu à Lei Berenice Piana, criada em 2012 e que protege os direitos das pessoas com TEA, para garantir aos seus filhos o direito ao tratamento necessário como acesso a fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo e psicopedagogo. Desde crianças, os meninos vão à escola regular e o Miguel conta com acompanhamento terapêutico especializado. A terapeuta faz a mediação das interações sociais na escola, dizendo o que é adequado ou não, e orienta os colegas de classe.

Lei Berenice Piana garante direitos a autistas desde 2012

Embora já tenha um conhecimento prévio da área e das deficiências, Susy diz que é diferente quando o cenário passa a ser no âmbito familiar. Desde quando receberam os diagnósticos dos filhos, ela e o marido estão sempre se informando para oferecer o melhor convívio a todos dentro e fora de casa.

Susy diz que tem sido um grande aprendizado. “Na primeira festa junina que teve em uma escolinha que eles estudavam, o Miguel só chorava. Hoje eu entendo que ele sempre teve uma hipersensibilidade auditiva e visual e uma hipossensibilidade tátil. Para ele, uma festa junina com um monte de pessoas e música alta era muito sofrido, mas eu não sabia”.

Foi a partir desses acontecimentos, mais os diagnósticos, que Susy e o marido foram aprendendo como proporcionar bem-estar aos filhos em ambientes não adequados. “A hora dos parabéns nos aniversários, por exemplo, incomodava Miguel. Em alguns anos eu perguntava se ele queria sair da sala nesta hora, e ele optava por sair”, conta Susy. Depois das palmas todas, ele voltava às brincadeiras. Aos 11, 12 anos isso passou a não incomodar mais.

Hoje, os meninos já são adolescentes, têm 16 anos. Miguel está no primeiro ano do Ensino Médio e Mateus no segundo ano do Ensino Médio Técnico em Tecnologia da Informação. Estão integrados e enfrentando os novos desafios à medida que vão surgindo.

A busca de um diagnóstico precoce e conclusivo

A coordenadora administrativa do Paica, Paula Baggio, enfrentou uma dificuldade muito comum nos relatos de famílias que têm crianças com TEA: a imprecisão ou demora no diagnóstico. O seu primeiro filho, Otávio, começou a apresentar mudanças de comportamento a partir de 1 ano e meio de vida.

Paula percebeu que ele andava agitado: dormia mal, acordava no meio da noite, não prestava atenção e não respondia quando era chamado. Ouviu de especialistas consultados diferentes diagnósticos e foi informada, equivocadamente, que só poderia ter um laudo conclusivo após os 4 anos de idade. “Naquela época, 12 anos atrás, não tinha informação, não tinha acesso como hoje. Não tínhamos a menor noção”, diz.

Filhos de Paula: Otávio e Arthur, quando ainda eram crianças

Até os 2 anos de Otávio a família não tinha certeza do diagnóstico. Eles começaram a observar mais de perto e entender comportamentos do filho que antes passavam despercebidos. Otávio não gostava de barulho e de estar cercado de pessoas, não ligava para brinquedos e só respondia o que fosse de seu interesse. Os dois levaram o filho a um novo neuropediatra, que após três encontros e exames confirmou que Otávio tinha Transtorno do Espectro Autista.

A difícil experiência que passaram para descobrir o que acontecia com Otávio gerou um conhecimento que Paula e o marido não tinham até então sobre o TEA. Quando tiveram o segundo filho, Arthur, que também tem o transtorno, o processo até o diagnóstico se deu de forma mais rápida e tranquila.

Hoje, Otávio tem 14 anos e Arthur tem 10. Regularmente, os meninos fazem terapia ocupacional, terapia ABA e fonoaudiologia. Já na escola especial, ou clínica escola, como Paula chama, são atendidos por profissionais de outras áreas como psicomotricista, fisioterapeuta e musicoterapeuta.

Os dois chegaram a frequentar uma escola regular por muitos anos, mas Paula comenta que era difícil para eles. Otávio ficava sozinho e se irritava com o barulho, enquanto Arthur não conseguia ficar sentado por muito tempo e fazer as atividades.

Acessibilidade além de barreiras físicas

Mas outro motivo que levou Paula a retirá-los da escola regular foi a falta de estrutura do estabelecimento. “Cansei de tentar fazer a escola fornecer um acompanhante terapêutico para os meninos”, diz ela. No entanto, este é um direito previsto pela Lei Berenice Piana (lei nº 12.764).

Paula e Otávio, seu filho mais velho

Paula não descarta a importância da inclusão, não só dos seus filhos, mas também de outras crianças com TEA no espaço escolar. “Eu acho que estar na escola regular é importante. É importante para eles verem os pares, poderem imitar o comportamento das crianças típicas, ter um modelo. Mas para alguns tem limite. Para o Otávio não dava mais”, observa Paula.

Para Paula, a noção que as pessoas têm sobre acessibilidade ainda se limita apenas à redução de barreiras físicas. Ela conta da vez que inauguraram um parque inclusivo em Campinas e se decepcionou pela falta de inclusão às crianças com TEA. “Eu cheguei e fiquei tão frustrada porque imaginei que tivesse uma equipe. Na terapia ocupacional tem todo um ambiente preparado, uma pessoa que adapta as brincadeiras e os conduz”, desabafa.

Hoje, com acompanhamento terapêutico regular, Paula diz que o bem-estar de Otávio e Arthur melhorou bastante e muitas coisas mudaram. Aos poucos, ela e o marido ganharam confiança para fazerem programas diferentes juntos, como levá-los a espaços sociais, ao mercado ou uma lanchonete.

“Num sábado à tarde, eles queriam sair e fomos a uma rede de pastéis. Eles sentaram-se à mesa, comeram o pastel, tomaram refrigerante. Foi gostoso e bastante tranquilo”, conta Paula.

A individualidade do Transtorno do Espectro Autista (TEA)

“Estamos falando de um transtorno, então existem vários aspectos que as pessoas podem apresentar. Cada um é de um jeito. Não quer dizer que se eu conhecer uma pessoa com TEA, eu conheci todas. Existe uma individualidade que a gente precisa entender”, afirma Viviane Machado, da FEAC.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Transtorno do Espectro Autista é um transtorno de neurodesenvolvimento que afeta as áreas de comunicação, sociabilidade e comportamento. Uma pessoa com TEA pode apresentar, em conjunto ou não, ações repetitivas, hiperfoco para objetos específicos, restrição de interesses e alterações sensoriais, como alta ou baixa sensibilidade.

A 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5), referência mundial de critérios para diagnósticos de saúde mental, classifica o TEA em três níveis, de acordo com a necessidade de apoio identificada para cada caso. Para saber mais sobre o Transtorno do Espectro Autista e suas especificidades, acesse a cartilha “DSM-5 e o diagnóstico de TEA” da instituição Autismo e Realidade (AER) em parceria com o Instituto Pensi – Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil.

A importância do diagnóstico precoce

Os primeiros sinais se manifestam ainda nos primeiros meses de vida, sendo possível determinar se a criança tem TEA por volta dos 18 meses de idade. O diagnóstico precoce permite que a criança receba um tratamento personalizado e adequado ao seu quadro. Por isso, quanto mais cedo realizado, mais favorável é para um desenvolvimento saudável ao longo da vida.

Viviane lembra que, ainda assim, muitas pessoas são diagnosticadas apenas na fase adulta. Nestes casos, as dificuldades de interação social na infância e adolescência são encaradas erroneamente, não propiciando um diagnóstico e apoio adequado.

Inclusão é proporcionar bem-estar

Normalmente, quando se pensa em acessibilidade vem à mente exemplos como rampas de acesso, vagas de estacionamento, banheiros adaptados, audiodescrição e janelas de Libras. Mas é preciso olhar para além disso: acessibilidade é mais do que simplesmente remover barreiras, é promover o bem-estar da pessoa no ambiente.

“A gente pensa muito nas coisas visíveis como uma rampa, um elevador, piso tátil. E se eu falar de autismo? Como a sociedade pode trabalhar a acessibilidade para o autismo?”, questiona Viviane Machado.

Desde 2012, a Lei Berenice Piana (lei nº 12.764) garante às pessoas com Transtorno do Espectro Autista os mesmos direitos de pessoas com deficiência, como acesso à educação, diagnóstico precoce, tratamentos, terapias e medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas para pessoas com TEA é importante olhar para a sua individualidade. Se uma criança possui hipersensibilidade auditiva, por exemplo, em lugares com som alto ela tampará os ouvidos e ficará agitada. Nesta situação, o ideal é proporcionar a ela um ambiente tranquilo e sem ruídos.

Susy, a mãe dos gêmeos Miguel e Mateus, está mais otimista hoje. Ela diz perceber que a inclusão e o reconhecimento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista na sociedade vêm progredindo. Mas não deixa de considerar que ainda há um importante caminho pela frente: “A sociedade vai aprender convivendo. A gente tem que encarar isso e entender que o mundo é neurodiverso. Não só em relação à questão do autismo. Temos que entender e respeitar cada um do jeito que é”, ensina.

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