Os impactos da nova Cofins no terceiro setor

Por: GIFE| Notícias| 08/12/2003

EDUARDO SZAZI
Consultor jurídico e sócio emérito do GIFE, autor do livro “”Terceiro Setor – Regulação no Brasil””

A partir de 1º de fevereiro de 2004, diversas pessoas jurídicas, inclusive algumas do terceiro setor, passarão a recolher a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) à alíquota de 7,6% sobre a totalidade de suas receitas por força da Medida Provisória 135, de 30 de outubro de 2003. Um aumento de 153,4% sobre a alíquota atual de 3%.

O caso da Cofins representa um alerta sobre a razão pela qual o terceiro setor deve lutar com todas as forças para impedir a instituição de novos tributos sobre suas atividades. Para aqueles que gostam de história, lembramos que a Cofins é, de certa forma, o sucessor do Finsocial, que havia sido criado em 1982 com o intuito de resolver a crise da Previdência Social. A alíquota da época? Apenas 0,2% do faturamento. Hoje, 21 anos depois, 7,6% da receita bruta e crise na Previdência. A lição? Não se pode confiar no canto da sereia de alíquotas baixas.

Bem, efetuado o desabafo, vamos aos fatos.

O (bom) propósito apresentado para a nova regulação da Cofins é a extinção da cumulatividade da contribuição, que ao incidir sobre a receita de toda a cadeia produtiva onerava excessivamente a produção. Assim, seguiu a Cofins a mesma tendência compensatória do PIS, introduzida pela Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002. Por essa lei, algumas pessoas jurídicas tiveram sua contribuição ao PIS majorada de 0,65% para 1,65%, mas com a possibilidade de compensar o PIS pago nas etapas anteriores de seu processo produtivo.

Todavia, embora apresentada com um bom propósito (desoneração da cadeia produtiva) e sem entrar no mérito da violação do artigo 246 da Constituição, que proíbe a edição de Medida Provisória para regulamentar artigo constitucional modificado desde 1995 – como é o caso do artigo 195, base para a cobrança da Cofins – a MP 135 aumenta o debate já existente em relação à cobrança da Cofins de entidades do terceiro setor em sua legalidade e mérito. De acordo com seu artigo 10º, a nova sistemática não se aplica às certas pessoas jurídicas, entre elas as pessoas jurídicas imunes a impostos e cooperativas, para as quais continuam a vigorar as regras da MP 2185-35.

Desta forma, as entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos e as cooperativas possuem suas receitas próprias isentas da Cofins (art. 13 da MP 2185-35). As demais entidades sem fins lucrativos passarão a ser regidas pela MP 135, o que significa que, por não haver na nova MP qualquer isenção, sofrerão um brutal aumento da carga fiscal devido à incidência da alíquota de 7,6% sobre toda a receita auferida.

Em relação às imunes

1) Entidades beneficentes de assistência social

Apesar da MP 135 manter o sistema antigo, a “”isenção”” prevista é condicionada a uma série de requisitos (art. 55 da Lei 8212 de 24 de julho de 1991), entre eles o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, também conhecido por CEAS. Apesar de não ser ponto deste artigo, é bom apontar que este condicionamento é bastante discutível, pois a doutrina e a jurisprudência são unânimes ao considerar como imunidade a isenção outorgada às entidades beneficentes de assistência social pelo art. 195, parágrafo 7º, da Constituição.

Tratando-se de imunidade e não de isenção, a lei ordinária não tem capacidade de estabelecer restrições no campo imunitório, pois reservado à lei complementar, conforme dispõe o art. 146, II da Constituição. Desta forma, à ausência de requisitos específicos, poder-se-ia sustentar que seriam aplicáveis, por analogia, os estabelecidos pelo art. 14 do CTN.

2) Entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos

De acordo com o artigo 10, inc. IV da MP 135, às pessoas jurídicas imunes a impostos serão aplicadas a sistemática antiga e (ainda bem!!) à menor alíquota de 3% (MP 2185-35). Desta forma, as entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos possuem suas receitas próprias isentas da Cofins (art. 13).

Tal isenção é questionável uma vez que, partindo do pressuposto que as entidades são imunes, a MP 2185-35 não poderia restringir a isenção às receitas próprias, devendo englobar toda a receita bruta da entidade. Mais questionável, ainda, é a IN 247 da Secretaria da Receita Federal que, reiterando diversas soluções de consulta, considera como “”receitas derivadas de atividades próprias somente aquelas decorrentes de contribuições, doações, anuidades ou mensalidades fixadas por lei, assembléia ou estatuto, recebidas de associados ou mantenedores, sem caráter contra-prestacional direto, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sócias”” (art.47, parág. 2º).

Desta forma, entende a Secretaria da Receita Federal que as receitas financeiras e aquelas oriundas de programas de geração de renda não fazem parte da receita própria da entidade e, portanto, são tributáveis. Um grande empecilho aos projetos alternativos de sustentabilidade das entidades, pois programas de geração de renda das entidades imunes, como prestação de serviços e venda de produtos (ainda que bottons e camisetas), também têm suas receitas tributadas. A própria constituição de endowments – fundos patrimoniais – a qual se dá, na maioria das vezes, via alocação de capital em investimentos de baixo risco ou em imóveis de aluguéis, fica dificultada, uma vez que os investimentos financeiros não são isentos da Cofins devido à (equivocada) conceituação da Secretaria da Receita Federal.

Em relação às instituições isentas pela MP 2185-35

As instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e associações, que tinham suas “”receitas próprias”” isentas da Cofins pela MP 2185-35 por não terem sido elencadas no art. 10, que prevê a manutenção do sistema antigo para certos tipos de personalidades jurídicas, passam a recolher a Cofins sobre sua receita brutas com alíquota de 7,6%.

Conclusão

Infelizmente, as entidades que dedicam 100% de suas receitas a causas de interesse público, como são as entidades do terceiro setor, não estão recebendo o adequado tratamento do governo federal, que insiste em colocá-las em pé de igualdade com as empresas, que visam distribuir lucro para seus sócios.

Se o governo federal acha que é uma boa estratégia aumentar suas rendas em cima do terceiro setor, a matemática não é boa, pois, para arrecadar 9,25% (7,6% de COFINS e 1,65% de PIS), ele poderá desestimular que o terceiro setor continue investindo 100% em benefício da sociedade brasileira.

O que fazer? Atuar fortemente junto ao Poder Executivo e o Congresso Nacional para: (1) reformar o conceito de receitas próprias previsto na IN/SRF 247; (2) conceder a isenção do PIS e da Cofins para todas as entidades do terceiro setor. A pauta é importante, necessária e urgente.

Mãos à obra.

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