Oscip ou Utilidade Pública: termina prazo para a convivência das qualificações
Por: GIFE| Notícias| 09/02/2004DANIELA PAIS
Advogada do GIFE e associada da International Society for Third Sector Research (ISTR)
No próximo mês de março, encerra-se o prazo para a convivência entre o título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e as demais qualificações existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Aqueles que não optarem por uma qualificação, por determinação legal, perderão automaticamente a qualificação de OSCIP. A lei não previu formalidade específica, bastando, portanto, uma correspondência assinada pelo responsável legal da organização para a Coordenação de Justiça, Títulos e Qualificações.
O artigo 18 da Lei 9.790/99 – Lei das OSCIPs – previu a possibilidade de que as organizações de direito privado sem fins lucrativos pudessem manter a coexistência de diferentes diplomas legais pelo prazo de cinco anos (redação dada pela Medida Provisória 2.216-37/2001). Assim, se nada mudar até lá, em 28 de março deste ano encerra-se o prazo.
Diante deste quadro, achamos interessante fazer uma retrospectiva sobre o assunto e uma comparação entre os títulos e seus benefícios.
Atualmente são previstos na legislação brasileira, além de OSCIP, os títulos de Utilidade Pública, o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social e a qualificação como Organização Social.
Nesse artigo, delimitamos a abordagem apenas aos títulos de Declaração de Utilidade Pública (DUP) e OSCIP, pois, de acordo com a lei 9.790/99, quem tem qualificação como Organização Social não pode ser OSCIP. Além disso, um dos requisitos para a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social é ter a Declaração de Utilidade Pública. Assim, se a organização optar pela qualificação de OSCIP, perderá automaticamente a de Utilidade Pública e, conseqüentemente, o Certificado do Conselho Nacional de Assistência Social.
Retrospectiva
O título de Declaração de Utilidade Pública (DUP) nasceu em 1935, com a edição da Lei nº 91. As sociedades civis, as associações e as fundações constituídas no país que sirvam desinteressadamente à coletividade podem ser declaradas de Utilidade Pública pelo Ministério da Justiça ou pelo presidente da República. A própria lei que o instituiu previu que nenhum favor do Estado decorreria do título de Utilidade Pública, salvo o uso pela sociedade, associação ou fundação, de emblemas, flâmulas, bandeiras ou distintivos próprios, devidamente registrados no Ministério da Justiça, e da menção do título concedido.
Entretanto, com o passar do tempo, o título transformou-se em requisito para alguns benefícios que o Estado concede, entre eles, o gozo de incentivos fiscais, isenções, acesso a recursos públicos e até de imunidades constitucionais.
Nestes quase 70 anos de existência, o título de Utilidade Pública passou a sofrer muitas críticas. Entre os argumentos mais comuns estão os fatos dele resultar de um ato discricionário, burocrático e delongado; não fazer uma clara diferenciação entre entidades de interesse público, entidades de benefício mútuo e instituições não-gratuitas (como hospitais e escolas), o que gera discussões acerca dos benefícios dados; e não prever uma forma efetiva de controle de resultados, apenas apresentação periódicas de documentos.
A qualificação de OSCIP é resultado de uma série de interlocuções políticas entre o governo e a sociedade civil, a partir de ações do Comunidade Solidária, durante as gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso. Ela trouxe uma alternativa ao título de Utilidade Pública e uma resposta ao novo contexto social e político brasileiro em que o terceiro setor vinha se inserindo. Assim, separou as organizações de interesse público, ampliando e definindo áreas de atuação; simplificou e agilizou procedimentos de reconhecimento, afastando a discricionariedade do poder público, uma vez que depende única e exclusivamente do preenchimento dos requisitos previstos na lei; inovou, possibilitando a remuneração de dirigentes e trazendo um novo contrato de parceria entre o poder público e as organizações de interesse público – o Termo de Parceria -, baseado em critérios de eficácia e eficiência com mecanismos mais adequados de responsabilização.
Quadro Comparativo entre Declaração de Utilidade Pública e OSCIP
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Declaração de Utilidade Pública
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Oscip
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Quem pode
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Associação ou fundação de origem pública ou privada
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Associação ou fundação de origem privada, não podendo ser partidos políticos ou de benefício mútuo
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Áreas de atuação
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Entidades de assistência social, saúde e educação gratuita ou particular, com concessão de parcela dos serviços gratuitos
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Variedade de áreas de atuações ligadas ao interesse público(1)
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Período para requisição
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Somente após 3 anos de existência
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Desde a sua constituição
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Remuneração de dirigentes
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Não é permitida
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Permitida
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Conselho Fiscal
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Não é obrigatório
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Obrigatório
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Acesso a recursos públicos
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Convênios, subsídios e auxílios
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Convênios, subsídios, auxílios e Termo de Parceria (com transparência, publicidade dos atos(2) e participação dos Conselhos de Políticas Públicas)
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(1) Assistência social; promoção gratuita da educação; promoção gratuita da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; cultura e proteção do patrimônio histórico e urbanístico; proteção ambiental e promoção do desenvolvimento sustentável; defesa e promoção de direitos difusos; assistência judiciária e proteção jurídica gratuita; fomento do terceiro setor e seus agentes; novos modelos sócio-produtivos e crédito popular.
(2) A lei 9.790/1991 prevê, em seu art. 10, inciso VI, a publicação na imprensa oficial do extrato do Termo de Parceria e o demonstrativo da sua execução física e financeira.
Benefícios
A lei que rege as OSCIPs nasceu sem benefício algum. Entretanto, com o tempo e o aumento das pressões, os benefícios do título de Utilidade Pública foram estendidos para as OSCIPs. Entre eles:
- Isenção do imposto de renda: as organizações qualificadas como OSCIPs, diferentemente das de Utilidade Pública, podem remunerar dirigentes sem a perda do benefício;
- Dedução do imposto de renda de doações feitas por empresas no limite de 2% do lucro operacional;
- Doação de mercadorias apreendidas pela Secretaria da Receita Federal às OSCIPs;
- Doação de bens móveis da União considerados antieconômicos e irrecuperáveis.
Entre os benefícios não estendidos às OSCIPs estão:
- A possibilidade de organizações com título de Utilidade Pública receberem doações em conta telefônica por contrato com prestadora de serviços;
- A possibilidade de realizar sorteios, vale-brindes e concursos autorizados pela Secretaria de Direito Econômico.
No entanto, a maior diferença está na isenção das contribuições previdenciária dada às organizações que possuem o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social e, conseqüentemente, o título de Utilidade Pública. Elas são isentas ao pagamento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro (CSSL), INSS patronal, Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) e as contribuições ao Sistema S (Senai, Senac, Senai, Sesc e Sebrae).
Dadas as diferenças entre os títulos e os seus benefícios, resta a decisão sobre qual caminho seguir: o da OSCIP ou o de Declaração de Utilidade Pública, que pode permitir a chegada ao Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social.
É necessário fazer uma análise sobre os requisitos, os benefícios e as características que cada qualificação poderá conferir a organização. Vale salientar que a definição por um dos títulos não é definitiva. Assim, mesmo após essa primeira escolha, a organização poderá mudar e pleitear a outra qualificação. No entanto, como os títulos possuem requisitos tão específicos e conferem à organização características tão distintas, não é comum ocorrer a troca de qualificação.