OSCIPs são as maiores operadoras de microcrédito

Por: GIFE| Notícias| 17/03/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Para analisar o sistema de microcrédito no Brasil, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), com apoio da Fundação Ford, realizou uma pesquisa que deu origem ao site Sistema de Informações sobre Microfinanças no Brasil e à publicação Expansão do Setor de Microfinanças no Brasil.

Em entrevista ao redeGIFE, a coordenadora do estudo, Renata Lins, fala sobre o desenvolvimento do microcrédito no país.

redeGIFE – O que é o microcrédito?
Renata Lins – O microcrédito, cuja versão moderna surgiu em Bangladesh com a criação do Grameen Bank, tem como público-alvo os excluídos do crédito tradicional, que não têm acesso a ele por não poderem comprovar renda, terem uma renda muito baixa ou não terem as garantias exigidas. Essas pessoas, muitas vezes, acabam dependendo de agiotas, que cobram juros extorsivos.

redeGIFE – Qual a diferença do microcrédito para o crédito tradicional?
Renata – A grande diferença é a metodologia de fornecimento do crédito, baseada na figura do agente ou analista, que visita o negócio do cliente e avalia sua capacidade de pagamento. A metodologia utilizada baseia-se em dados qualitativos, não facilmente mensuráveis. As formas de garantia mais aceitas são o avalista e o aval solidário, em que um grupo se torna avalista dos créditos individuais de cada um de seus membros. Caso um dos membros não pague uma parcela devida, o restante do grupo se responsabiliza por esta.

redeGIFE – Qual a importância de incentivo ao uso do microcrédito no Brasil?
Renata – Ele pode constituir uma alternativa no sentido de ampliar o acesso ao crédito. As organizações não se restringem a conceder o recurso, mas também a orientar os clientes. Além disso, na medida em que as instituições de microcrédito consigam mostrar resultados em termos de baixa inadimplência, pode ser um sinal para os próprios bancos de que aí está uma clientela não-atendida.

redeGIFE – Como tem sido a atuação das organizações da sociedade civil como operadoras de microcrédito?
Renata – As organizações da sociedade civil foram fundamentais para o surgimento do setor, que começou a partir delas. Em termos de resultados, as OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público) atenderam no ano de 2001 a 75% de clientes informais. O valor médio do crédito para capital de giro das OSCIPs ficou em R$ 1.356, contra R$ 2.367 das sociedades de crédito ao microempreendedor (SCMs), que são instituições privadas com fins lucrativos. A necessidade de obtenção de lucros em um prazo relativamente curto pode fazer com que as SCMs concentrem sua atuação numa parcela “”menos excluída””. Podemos dizer, portanto, que o público atendido pelas OSCIPs é menos capitalizado, e isso pode ser explicado pelo fato de que o crédito é para estas instituições uma atividade-meio, ou seja, sua missão envolve o apoio e o desenvolvimento das parcelas mais desfavorecidas da população.

redeGIFE – Como a iniciativa privada pode ajudar para o crescimento do microcrédito?
Renata – Em primeiro lugar, é bom lembrar que as sociedades de crédito ao microempreendedor se enquadram na definição de iniciativa privada, já que são instituições privadas com fins lucrativos. O que a nossa pesquisa constatou foi que estas instituições, que têm uma regulamentação especial e não são consideradas instituições financeiras no sentido pleno, não cresceram muito em número e correspondem hoje a cerca de 12% do setor de microfinanças.

redeGIFE – Qual foi o objetivo da pesquisa sobre a expansão das microfinanças no Brasil?
Renata – Nosso interesse foi verificar em que medida e de que forma a demanda por microcrédito estava sendo atendida pelas instituições, bem como fornecer às próprias instituições e a estudiosos do setor uma ferramenta que lhes permitisse ter alguns parâmetros de funcionamento do setor no Brasil, já que até então só eram utilizados dados internacionais. Da pesquisa também surgiu a publicação Expansão do Setor de Microfinanças no Brasil.

redeGIFE – Quando foi feita a pesquisa e qual sua abrangência?
Renata – A pesquisa, realizada durante o ano de 2002, resultou num cadastro de 133 instituições de microcrédito no Brasil, das quais 47,46% são ONGs com título de OSCIPs, 30,51% são ONGs sem o título, 11,86% são sociedades de crédito ao microempreendedor e 10,17% são programas de governo. Vemos, então, que 78% das instituições são do terceiro setor.
As OSCIPs estão autorizadas legalmente a atuar como operadoras de microcrédito. Quando se trata de uma ONG sem título de OSCIP, os recursos vêm por meio de uma instituição financeira – seja do BNDES, de fundos municipais e estaduais, além de recursos obtidos de instituições internacionais. A organização atua como mandatária desta instituição, operando o fornecimento do crédito.

redeGIFE – Existe algum dado que causou surpresa, visto a evolução do sistema de microcrédito no Brasil? Por quê?
Renata – Um dado digno de interesse é o de que as sociedades de crédito ao microempreendedor dependem muito de recursos próprios (100% dos recursos para estruturação da instituição são próprios, sendo que 42% do total para constituição do fundo de crédito). Isso evidentemente restringe as possibilidades de crescimento dessas instituições.

redeGIFE – Qual o impacto econômico que um sistema de microcrédito bem desenvolvido pode trazer ao país?
Renata – O microcrédito certamente não é uma panacéia e não substitui as políticas macroeconômicas de geração de emprego necessárias, mas pode ser um apoio importante a elas, fortalecendo os pequenos produtores e comerciantes. É importante enfatizar que uma conjuntura de elevação da taxa de juros básica da economia evidentemente afeta o setor de microcrédito de forma negativa, tornando suas instituições mais frágeis e dificultando, por conseguinte, o crédito para o cliente final.

redeGIFE – Podemos considerar o microcrédito como algo bem desenvolvido no Brasil?
Renata – Não. As instituições de microcrédito não têm uma escala significativa. As de maior escala são o programa Crediamigo, do Banco do Nordeste, e os Bancos do Povo dos governos estaduais e municipais. Estes últimos, no entanto, têm o problema de serem vinculados ao governo que os implanta.

redeGIFE – O que fazer pra que o sistema de microcrédito cresça?
Renata – Um caminho interessante pode ser a disponibilização de linhas de crédito específicas de longo prazo para as instituições de microcrédito, pelos bancos públicos. Hoje, o BNDES é o grande financiador dessas instituições. O Estado também pode contribuir com a formação de agentes de crédito, já que esta representa um custo alto para as instituições. A ampla divulgação do microcrédito e de suas diferenças com relação ao crédito tradicional dos bancos e das financeiras certamente também ajudaria a expansão do setor.

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