Ouça seu doador e você terá sucesso na captação de recursos

Por: GIFE| Notícias| 21/03/2005

ALEXANDRE DA ROCHA
Editor do redeGIFE

Peter deCourcy Hero é um homem de US$ 600 milhões. Esse é o patrimônio da Fundação Comunitária do Vale do Silício, localizada em San Jose, na Califórnia (EUA), onde ele é presidente desde 1989.

Em novembro de 2000, a revista Fortune destacou seu trabalho à frente da fundação. “”Peter Hero ensinou como o Vale do Silício deve investir socialmente. Ele soube unir a inconfundível cultura local a uma singular forma de ação social: exigente, ambiciosa, consciente de si mesmo, criativa e até mesmo arriscada, afinal é isso o que se espera do Vale do Silício.””

Fincada em uma região dominada pelas empresas de tecnologia – lá estão, entre outras, Google, eBay, Cisco Systems e Microsoft – a fundação financia pessoas, organizações não-governamentais e movimentos sociais da região, em um total de US$ 75 milhões por ano. Os recursos vêm das empresas locais, sensibilizadas pelo trabalho de Hero.

Peter Hero visitou o Brasil no início de março, trazido pelo Instituto Synergos. No GIFE, ele participou de duas oficinas, uma com a equipe técnica e outra com associados e empresas que investem em projetos sociais. Em entrevista exclusiva ao redeGIFE, ele conta como fez para convencer jovens que fizeram fortuna com a explosão da internet a investir em projetos sociais, quais ações podem tornar exitosa a captação de recursos e como lidar com os milhares de pedidos de financiamento que recebe com freqüência de organizações sociais.

redeGIFE – Quando você visita as empresas, qual seu discurso para convencê-las a investir recursos na área social?
Peter Hero – Eu uso estudos que mostram que os empregados são mais leais e mais comprometidos quando a empresa é socialmente responsável. Além disso, os consumidores são mais atentos às empresas com preocupações sociais, pelo menos nos Estados Unidos. Isso são fatos. Também é muito comum mostrar para as empresas que boa parte de seus funcionários são beneficiados de alguma forma pelas ONGs locais. Se as ONGs não estiverem presentes com seus benefícios, advinha quem vai ter que se fazer presente? As corporações! Afinal, os serviços do governo são insuficientes ou, em muitos casos, inexistentes. Um outro bom motivo pra investir é que muitas empresas acreditam que ter uma boa imagem na comunidade, uma imagem socialmente responsável, vai ajudá-las com o governo. Elas ficam mais habilitadas a receber as permissões que precisam, por exemplo. Isso aconteceu com a Cisco Systems. Eles se mudaram para uma grande área em San Jose e alguns vizinhos não estavam felizes com a presença da empresa. Mas nas reuniões do Conselho Municipal, por mais de uma vez, alguns moradores diziam que eles tinha ótimos programas de responsabilidade social. Explicavam que a empresa preservava o meio ambiente e fazia doações para projetos sociais. “”Vamos mantê-los aqui e ajudá-los a continuar o trabalho deles””, defendiam. Se a empresa fosse vista de outra forma, não haveria este tipo de suporte.

redeGIFE – Existem empresas que, mesmo após você apresentar todos esses dados, se recusam a investir socialmente?
Hero – Tem uma companhia de semicondutores liderada por empresário muito liberal que acredita que sua empresa não deve doar dinheiro. Para ele, a empresa tem que empregar pessoas, oferecer os salários mais altos que ele puder e os funcionários que façam suas doações. Ou os acionistas. Existe esse tipo de atitude. Isso acontecia mais nos anos 70 e 80, quando as empresas de tecnologia estavam surgindo, o mercado era um velho oeste. Hoje temos companhias mais maduras, com 20, 30 anos de existência. Nossa procura por doações corporativas nos ensinou que, se os fundadores da companhia se preocupam com a questão social antes dela oferecer ações no mercado, ou logo depois, essa empresa será generosa, pois uma cultura foi instaurada. Se o fundador não faz isso e a empresa torna-se de capital aberto, chega um administrador profissional com preocupações como lucro, mercado de ações etc e eles acabam não fazendo nada no campo social por um bom tempo. Nossas pesquisas indicam que existem dois tipos de empresa no Vale do Silício. De um lado estão as novas empresas, com seus fundadores idealistas, como Google e eBay. Esses fazem algo socialmente responsável desde o início. Do outro lado estão as empresas mais maduras que durante muito tempo se preocuparam apenas com o negócio, mas hoje sofrem pressão de seus funcionários para se relacionar e investir na comunidade. Por isso achamos importante estar presente nas empresas desde seu começo e, principalmente, interagir com seu dono, sensibilizá-lo.

redeGIFE – Você é um homem de centenas de milhões de dólares. Um reconhecido captador de recursos. Acredita que uma das razões desse sucesso é ouvir os doadores, interagir com eles, ouvir suas opiniões e não tratá-los apenas como um banco, meros emissores de cheques?
Hero – É isso mesmo. Nossos doadores se sentem confortáveis em trabalharem conosco. Falamos a língua deles. Eles são homens de negócio e trabalhamos de uma forma quase empresarial. Isso é importante. Se você observar, muitas fundações comunitárias norte-americanas não trabalham dessa forma. Elas acreditam que o papel do doador é dar o dinheiro e sair do caminho.

redeGIFE – Você acredita que este é um dos principais erros cometidos por muitas ONGs?
Hero – Sim, absolutamente. Pessoas doam dinheiro para pessoas. Mesmo o dinheiro que sai de uma empresa para uma ONG. Ele vem de uma pessoa que autoriza a doação para outra que fez a solicitação. Se essas duas pessoas não têm respeito uma pela outra, a ONG está dizendo “”você me deve isso, mande o dinheiro. Você é rico e eu não. Mande o dinheiro agora que eu sei muito bem o que fazer com ele.”” Se a ONG for ouvir o que a empresa gostaria de fazer, que causa a interessa e encontrar seus contatos pessoalmente, a relação fica diferente. Isso também acontece com a mídia. As ONGs estão sempre reclamando que a imprensa não dá espaço suficiente para elas. Mas quantos líderes de ONGs estão disposto a ir a um jornal, por exemplo, encontrar o repórter e perguntar quais são seus problemas, no que ele está interessado e como eles podem trabalhar conjuntamente? Conhecê-lo de forma pessoal. Nós fazemos isso. Nós conseguimos a atenção do jornal com um telefonema, pois eles sabem quem somos, que nós dizemos a verdade e que nós fazemos o que prometemos. E nós sabemos os problemas deles. Sabemos que nem sempre eles podem falar da gente, que eles têm prazos a cumprir. É o mesmo com os doadores. É importante saber como o outro se sente.

redeGIFE – Ao ouvir os anseios dos doadores, você tem esse lado positivo de ser melhor recebido e obter sucesso na captação de recursos. Mas isso pode gerar problemas, não? Como lidar com doadores que desejam interferir em todos os seus projetos ou aqueles que querem todos os resultados para “”ontem””?
Hero – Bem… Acho que é como nos negócios, no relacionamento com o consumidor. Você tenta tratar cada um da forma mais pessoal possível. A boa notícia é que nem todos os doadores precisam de atenção todo o tempo. A Microsoft anualmente chega com um montante de dinheiro, pede nossa ajuda para doar para ações pré-determinadas e teremos trabalho novamente só no ano que vem. Outras demandam que a gente crie uma estratégia de investimento, o que nos toma muito tempo. A saída é não tornar a pressão uma rotina, mal algo o mais organizado possível. Esta é a resposta. É importante determinar sistemas de trabalho com as empresas.

redeGIFE – Dessa forma em que você atua, você precisa de uma equipe muito forte. Você atua um pouco como um bombeiro, apagando incêndios. Você lida sempre com novas demandas e pessoas que querem muitas coisas com urgência. Como você lida com o desenvolvimento de sua equipe?
Hero – Contratando as pessoas certas. Você tem que deixar claro qual trabalho elas terão que fazer. Mostrar que elas não estão entrando em um asilo, mas em um posto de bombeiros. Esta é uma forma. Eu tenho também algumas pessoas-chave em minha equipe que me ajudam na administração interna. Também é importante ressaltar o papel do conselho. Os conselheiros são importantes não somente para dar a visão do caminho que a organização deve trilhar, mas também para ver as conexões, as conseqüências de ações cotidianas. Às vezes tenho a idéia de aumentar nossa contribuição associativa. Parte do papel do conselho é ver como isso pode afetar a organização em suas diferentes áreas, como relações com a comunidade, com as empresas, imagem institucional etc. Isso é muito importante, pois não percebo algumas coisas e eles sim.

redeGIFE – Além de lidar com as empresas, você se relaciona com as ONGs. Acredito que elas solicitam dinheiro todos os dias, mas muitas vezes não é possível apoiar. Como vocês fazem?
Hero – Nós temos oficinas educacionais onde convidamos as organizações a virem ao nosso escritório, oferecemos café da manhã e explicamos o que a gente faz e como trabalhamos. Mostramos como conseguir um financiamento de nossa fundação. Explicamos os procedimentos e que tipos de projetos são financiados. Nós temos regras de doação e somos muito transparentes na comunicação. Avaliamos os projetos que recebemos, chamamos para conversas de esclarecimento e até fazemos visitas locais. No geral, não financiamos 100% do que eles pedem e deixamos claros nossos limites. “”Aqui está o máximo que podemos doar, acreditamos que você pode usar para isso ou aquilo””. Assim, as organizações decidem se vão se candidatar ou não. Muitos dizem “”então é algo 50% certo e 50% incerto?”” Sim! Mas ao menos você sabe que, ao se candidatar, tem essa chance. Se eles não receberem o financiamento, não vão ficar espantados. Eles sabiam que essa possibilidade existe.

redeGIFE – Uma das principais preocupações dos financiadores brasileiros é não ter dinheiro suficiente para os bons projetos. Como dizer não para um bom projeto?
Hero – É difícil doar dinheiro, pois você nunca tem o suficiente. Você pode ter US$ 1 bilhão ou US$ 2 bilhões e nunca vai ser suficiente. Então, o importante é explicar o processo, fazer com que ele seja o mais claro possível. Nós costumamos pesquisar nossos financiados para conhecer quais foram suas experiências prévias na solicitação de recursos. Assim, evitamos algumas dificuldades. Mas, pra ser sincero com você, algumas vezes isso é impossível. Existem algumas áreas nas quais não vamos tão bem. As organizações ficam irritadas, pois não conseguem tirar mais dinheiro de nós. Eles vêem nossas doações anuais de US$ 75 milhões e pedem US$ 1 milhão. Aí mandamos US$ 25 mil. É como se um elefante mandasse um ratinho de presente. Nós temos transparência e accountability, o que é ótimo. Mas, mesmo assim, temos reclamações. Existem coisas inevitáveis.

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